O debate em relação a possibilidade de aplicação, dos chamados danos punitivos, (punitive damages, exemplar damages) com função punitivo-pedagógica, na responsabilidade civil por danos ambientais, é constante.
Danos punitivos sempre existiram, desde o Código de Hamurabi, mas vinculados à esfera civil-ambiental é recente. Conforme Lourenço, “a pena privada constitui uma alternativa civil à tutela penal, e que supera a via indemnizatória, representando uma via eficaz e acentuando a finalidade punitiva da responsabilidade civil”.1 (*)
Atualmente, menciona Gomes, há consenso à admissão da finalidade preventiva e punitiva da responsabilidade civil, ainda que que subordinada, pois “mesmo atribuindo-lhe um papel secundário, isto é, subordinado, aceita-se hoje, em princípio, a importância da finalidade preventivo-punitiva da responsabilidade civil”. Menciona preventivo-punitiva, justamente “porque, no fundo, prevenção e punição são duas faces de uma mesma medalha, expressões de um único princípio”,2 pois para a doutrina portuguesa, a função primordial da responsabilidade civil é a função reparatória, embora hoje a função preventiva, antes secundária, tenha ganhado importância.
Por isso a doutrina portuguesa, acentua Antunes, embora afeiçoada ao entendimento “tradicional da primazia da natureza ressarcitória do instituto, concede no acolhimento de funções de índole preventiva e punitiva em sede do regime actual e, mesmo, perspectivando a sua extensão”.3
Há também quem entenda de forma contrária, conforme Leitão, embora faça a advertência da impossibilidade da aplicação dos punitive damages no direito português, deixa em aberto uma saída possível, ou seja, a elaboração de critérios para avaliação do dano ambiental. Menciona que “o dano ambiental, por se verificarem lesões de situações jurídicas individuais, coloca exclusivamente o problema da determinação do quantum indemnizatório”. E complementa que mesmo “não sendo admissível no nosso direito uma ideia de punitive damages, a solução será a da elaboração de critérios para avaliação do dano ambiental”.4
Há que se registrar que a Europa possui a Directiva 2004/35CE – (Regime Próprio de Responsabilidade Ambiental), internalizada por Portugal pelo decreto-lei 147/08 (Regime de Prevenção de Reparação do Dano Ecológico).
Já o Brasil não possui um “Regime jurídico de responsabilidade por danos ambientais”. Então três são os fundamentos: 1) Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, 6.938/1981 Artigos 3º, inciso IV e 14, §1º; 2) Constituição Federal Brasileira de 1988 - Art. 225 § 3º e 3) Código Civil de 2002 - Artigo 927 - Parágrafo único.
Voltando à função punitiva, no Brasil, um projeto de lei 6.960/025 mencionava a função punitiva, mas tal projeto nunca virou lei para entrar em vigor, sendo arquivado.6 Merecem referência ainda outros projetos para alterar o Código Civil, PL 669/117 e PL 3880/12.8.
Destaque-se: No Brasil, a responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva, independe de culpa, baseada na teoria do risco integral, cuja comprovação do nexo causal entre o dano e a conduta-atividade-risco é fundamental.
Por isso, reafirme-se que a responsabilidade civil pode ser adotada tanto preventivamente como, na maioria das vezes, de forma reparatória e indenizatória,9 visto que o instituto desempenha não só uma função sancionatória, mas também preventiva.10 Há que se mencionar que as medidas de prevenção e precaução também devem integrar a reparação de danos.11
Então, as medidas que devem ser adotadas para uma efetiva reparação civil do dano ambiental são: a reparação propriamente dita, a supressão do fato danoso, com a cessação da atividade causadora do dano, a restauração natural, quando possível, a compensação de danos extrapatrimoniais e, também, as indenizações, pois, no campo da responsabilidade civil, esta se concretiza com a obrigação de fazer, não-fazer e dar, no pagamento de soma em dinheiro, revertida para o Fundo de Direitos Difusos e Coletivos.
Relembre-se que, de forma inovadora, ainda no ano de 2013, no Recurso Especial 1.414.547-MG, publicado em 10 de dezembro de 2014, de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, abordou-se o caráter punitivo do dano moral coletivo, cujo valor da condenação em dinheiro é revertido para os fundos nacional e estadual.12
Nem toda doutrina e jurisprudência, porém, converge, pois também há votos contrários a aplicação dos danos punitivos, como no Recurso Especial 1.354.536-SE, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, que afasta, portanto, o caráter punitivo da responsabilidade civil quando presente dano ambiental, e esta deve ser usada somente no Direito Penal e no Direito Administrativo, sendo considerada inadequada a aplicação na reparação civil.13.14. Outros julgados ainda mereceriam destaque aqui...
Por tudo, toma-se como pressuposto, no exame da responsabilidade civil por dano ambiental, o regime jurídico traçado no Brasil, consagra a responsabilidade objetiva, baseada na teoria do risco integral, e com reparação integral, ao poluidor/degradador, tanto a pessoa física como jurídica, ao poluidor direto e indireto, em perspectiva pública e privada, com a possibilidade de cumulação da recomposição do meio ambiente e de parcelas relativas à indenização dos danos morais coletivos, extrapatrimoniais, as quais revertem para os fundos dos direitos difusos que viabilizam importantes projetos, principalmente de educação ambiental, para as presentes e para as próximas gerações.
Por fim, doutrina e jurisprudência estendem o debate...
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*Tema integrante da Tese de Pós-doutoramento pela FDUL - Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Portugal, agora em livro: BÜHRING, Marcia Andrea. Responsabilidade civil ambiental/ecológica: Pontos e contrapontos no “transitar verde” entre contextos distintos de estudo comparado entre Portugal e Brasil. Londrina, PR: Thoth, 2022.
1 LOURENÇO, Paula Meira. Os danos punitivos, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol XLIII, nº 2, pp 1.024-1.025. Traz importante evolução: “A atribuição de uma indemnização que excede o dano sofrido pelo lesado, com um escopo sancionatório e preventivo, era já prevista no Código de Hammurabi (2000 A.C.), nas Leis Hititas (1400 a.C.) e no Direito Romano, segundo o qual, em sede de relações privadas (delicta privata), a pessoa que houvesse ofendido os direitos de outrem ficava obrigado a pagar-lhe uma pena pecuniária com finalidade repressiva (obrigatio ex delicto).[...]”
2 GOMES, Júlio. Uma função punitiva para a responsabilidade civil e uma função reparatória para a responsabilidade penal? Revista de Direito e Economia. Coimbra, ano 15, 1989, p. 106.
3 ANTUNES, Henrique. Da Inclusão do lucro ilícito e de Efeitos Punitivos entre as Consequências da Responsabilidade Civil. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 553-554.
4 LEITÃO, Luis Menezes. A responsabilidade civil por danos causados ao ambiente. Actas do Colóquio: A responsabilidade civil por dano ambiental. Faculdade de Direito de Lisboa Dias 18, 19 e 20 de Novembro de 2009. Organização de Carla Amado Gomes e Tiago Antunes. Edição: Instituto de Ciências Jurídico-Políticas. www.icjp.pt Maio de 2010. p. 23-24.
5 BRASIL. PL 6.960/2002. Disponível aqui. Acesso em 20 dez. 2018.
6 GIANCOLI, Brunno Pandori; WALD, Arnoldo. Direito Civil: Responsabilidade Civil: v. 7. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 53.
7 SÁ, Arnaldo Faria de. PL 669/2011. Altera o Código Civil, instituído pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível aqui. Acesso em: 01 jun. 2021.
8 NETO, Domingos. PL 3880/2012. Altera a redação dos arts. 186 e 944 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil. 2012. Disponível aqui . Acesso em: 10 abr. 2021.
9 BÜHRING, Marcia Andrea; TONINELO, Alexandre Cesar. Responsabilidade Civil Ambiental do Estado, em face dos desastres naturais: na visão das teorias mitigadas e da responsabilidade integral. Revista de Direito ambiental e socioambientalismo, v. 1, p. 57-77, 2018.
10 LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2.ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 118.
11 “A reparação do dano ambiental deve incluir medidas de prevenção e precaução, tendentes a transformar a gestão de riscos ambientais no processo produtivo da fonte poluidora, para que os danos ambientais não ocorram ou não se repitam. Trata-se aqui de mudar o modus operandi que determinou a ocorrência do dano, procurando-se atuar sobre as externalidades ambientais negativas, que deverão ser incorporadas no processo industrial, de sorte a evitar-se a apropriação quantitativa e qualitativa dos elementos naturais”. STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade Civil Ambiental: As dimensões do dano ambiental no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 265.
12 Veja-se: “A condenação judicial por dano moral coletivo é sanção pecuniária, com caráter eminentemente punitivo, em face de ofensa a direitos coletivos ou difusos nas mais diversas áreas (consumidor, meio ambiente, ordem urbanística etc.). A indefinição doutrinária e jurisprudencial concernente à matéria decorre da absoluta impropriedade da denominação dano moral coletivo, a qual traz consigo - indevidamente - discussões relativas à própria concepção do dano moral no seu aspecto individual. [...] O objetivo da lei, ao permitir expressamente a imposição de sanção pecuniária pelo Judiciário, a ser revertida a fundos nacional e estadual (art. 13 da Lei 7.347/85), foi basicamente de reprimir a conduta daquele que ofende direitos coletivos e difusos. Como resultado necessário dessa atividade repressiva jurisdicional surgem os efeitos - a função do instituto - almejados pela lei: prevenir a ofensa a direitos transindividuais, considerando seu caráter extrapatrimonial e inerente relevância social”. Disponível aqui. Acesso em: 20 ago. 2019.
13 "Ação Indenizatória por Dano Ambiental proposta por Maria Gomes de Oliveira em desfavor de Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras). A autora alegou que, no dia 5 de outubro de 2008, a Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados (FAFEN), uma das várias unidades de operações da Petrobrás, deixou que cerca de 43.000 litros de amônia vazassem para o leito do rio Sergipe, causando a mortandade dos animais que dele dependem e o desequilíbrio da cadeia alimentar”
14 Veja-se: “[...] b) a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar a sua obrigação de indenizar; c) é inadequado pretender conferir à reparação civil dos danos ambientais caráter punitivo imediato, pois a punição é função que incumbe ao direito penal e administrativo; d) em vista das circunstâncias específicas e homogeneidade dos efeitos do dano ambiental verificado no ecossistema do rio Sergipe - afetando significativamente, por cerca de seis meses, o volume pescado e a renda dos pescadores na região afetada -, sem que tenha sido dado amparo pela poluidora para mitigação dos danos morais experimentados e demonstrados por aqueles que extraem o sustento da pesca profissional, não se justifica, em sede de recurso especial, a revisão do quantum arbitrado, a título de compensação por danos morais, em R$ 3.000,00 (três mil reais) [...]”. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1245550/MG. Relator Ministro Luis Felipe Salomão. Julgado em: 17 mar. 2015. Disponível aqui. Acesso em: 22 dez. 2018.