Migalhas de Responsabilidade Civil

Regulamentação sobre o trabalho dos youtubers mirins na França e no Brasil

Regulamentação sobre o trabalho dos youtubers mirins na França e no Brasil.

1/12/2020

Dentre as preocupações de garantir espaço sadio de desenvolvimento às crianças e adolescentes em ambiente digital, fácil perceber a necessidade de regulamentação do trabalho influenciadores digitais mirins.

Muitos são os aspectos que devem ser analisados: cuidados relativos ao tempo para lazer e estudo do youtuber, guarda e boa administração da remuneração por ele recebida, excessiva exposição da imagem, publicidade irregular e sua responsabilização, exploração de conteúdos que estejam de acordo com as classificações indicativas e, no futuro, o direito ao esquecimento e eventual retirada dos conteúdos das redes.

De fato, a regulamentação sobre o trabalho de youtubers mirins é tema polêmico e discutido no âmbito jurídico nacional e internacional. Em outubro de 2020 a França foi o primeiro país a estabelecer regras (lei 2020 – 1266) e tende a influenciar os demais países a também enfrentar o desafio de forma clara e expressa.

De acordo com elaborador do projeto de lei francês, Bruno Studer1, deputado e presidente da comissão da cultura e educação do Palais-Bourbon, o texto pretende preencher uma lacuna jurídica concernente a “uma nova forma de empreendedorismo e expressão artística” que emergiram nos últimos dez anos.

A partir da publicação da lei, a atividade das crianças menores de 16 anos em que tiverem sua imagem divulgada nas plataformas de vídeo online estarão regulamentadas pela lei. Assim, com o intuito de responder ao fenômeno crescente das "crianças youtubers", a nova norma traz uma nova relação de trabalho e um novo enquadramento à atual forma de atividade envolvida em redes como Instagram, Facebook, TikTok e outros.

De acordo com a norma2, as crianças "influencers" terão sua atividade protegidas pelo código do trabalho exatamente como as previsões dirigidas às crianças que desempenham trabalhos nas mídias e canais de comunicação franceses, tais como, apresentadores de televisão, estrelas de novelas e cinema e modelos publicitários menores de 16 anos. Sendo assim, colocou-se fim, naquele país, em relação à discussão levantada pelas plataformas de que as atividades desenvolvidas por esses menores nas redes seriam momentos de legítimo lazer.

Dessa forma, os pais ou responsáveis deverão demandar autorização individual perante a administração responsável do Estado para a vinculação de vídeos e conteúdos gerados pelos filhos em meio digital. Além disso, os responsáveis pela criança terão uma nova obrigação financeira perante a atividade dos infantes: com o advento da lei, a receita obtida pelos filhos através de sua atividade on-line deverá ser submetida à uma espécie de poupança federal (Caisse des Dépôts et consignations), ficando sob vigilância do Estado até que a criança atinja a maioridade ou ainda seja emancipada pelos pais3.

Na França, tais regras já são aplicadas às crianças que trabalham como atrizes e apresentadoras em mídias e canais de telecomunicações e são submetidas a fim de evitar que os pais usem o dinheiro da criança apenas em benefício próprio, assegurando, assim, o empenho correto dos valores recebidos.

Além disso, com a maior vigilância do Estado sobre o desempenho dessas crianças on-line, outras questões pertinentes ao trabalho serão supervisionadas, tais como horários, duração de turnos, obrigações e outros aspectos das normas trabalhistas, impondo-se limites para que não haja prejuízo da vida escolar e de lazer da criança.

Segundo Bruno Studer, a renda das postagens pode chegar a chegar a € 150.000 (cento e cinquenta mil euros) por mês, o que permite a alguns pais parar de trabalhar. Frisa, ainda, que se trata de uma atividade mercantil e que precisa levar em conta a vulnerabilidade das crianças e esse é um dos principais objetivos da lei4-5.

Outrossim, um importante aspecto da nova lei diz respeito ao alcance que o fenômeno dos youtubers mirins trazem as novas gerações. Diante da grande influência que exercem no público de jovens, a maior fiscalização de suas atividades permite que a comunicação entre as crianças e as estrelas mirins seja mais benéfica.

Dessa forma, por ser grande influência à geração atual, o papel desses Youtubers Mirins demonstra importância na educação dos jovens e crianças. Assim, além do controle necessário exercido primariamente pelos pais no consumo das mídias, algumas regras e controles podem e devem ser estabelecidas no âmbito legislativo na atuação dessas crianças influencers, repercutindo na influência que exercem em seus seguidores. 

A regulamentação no Brasil

No Brasil, tivemos duas tentativas de regulação da profissão de youtuber, sem que fossem devidamente aprovadas no Congresso Nacional. Trata-se do projeto de lei 4.289/2016, que se encontra arquivado na Câmara dos Deputados e do projeto de 10.938/2018, retirado de pauta a requerimento do autor do projeto.

Da mesma forma, o Brasil não tem regulamentação específica a respeito do trabalho artístico. A Constituição Federal, em seu artigo 7º, XXXIII, proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 anos; e qualquer trabalho a menores de 16 - salvo como aprendiz, a partir de 14 anos. De outra banda, a lei 10.097/2000 regulamenta o trabalho na condição de aprendiz e a lei 11.788/2008 dispõe sobre estágio de estudantes, nada tratando das questões relativas ao desenvolvimento de atividades artísticas.

Como diferenciar o trabalho artístico do trabalho infantil? Considera-se trabalho artístico aquele desenvolvido pela criança ou adolescente em razão de suas qualidades e dons relacionados à música, arte, dança entre outras. Nesse passo, importante notar que os rendimentos do trabalho artístico não devem ser arrimo de família e os pais devem observar as regras de administração dos bens dos filhos estabelecidas pelo Código Civil.

Ademais, a Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que trata sobre a idade mínima de admissão ao emprego, admite a possibilidade de trabalho artístico para menores de 16 anos, em situações excepcionais, individuais e específicas. Mas também especifica a necessidade de alvará individual, que deverá definir em que atividades poderá haver o trabalho e quais as condições especiais.

De fato, o inciso I do art. 149 da lei menorista prevê a competência do juiz da vara de infância e juventude para disciplinar, por meio de portaria, ou autorizar, mediante alvará, a entrada e permanência de criança ou adolescente desacompanhado dos pais ou responsável em shows e espetáculos públicos. Prevê também, no seu inciso II, a necessidade de expedição de alvará para a participação de crianças e adolescentes em espetáculos públicos e seus ensaios e certames de beleza.

Assim, havendo o alvará, o contratante e os pais (ou responsáveis) pelo menor poderão efetivar o contrato de desenvolvimento de trabalho artístico, devendo os pais observarem as regras de administração dos bens dos filhos, bem como as limitações trazidas pelo alvará emitido pela autoridade judicial. O alvará deverá levar em conta a segurança da criança e do adolescente, o conteúdo, o tempo de lazer e estudo para que esteja de acordo com a lei.

De outra banda, o CONAR, através do Código de Ética Publicitária, traz, em seu art. 37, texto sobre regulamentação da publicidade infantil no Brasil. O caput do referido dispositivo importante alerta aos fornecedores para observar "os esforços de pais, educadores, autoridades e da comunidade devem encontrar na publicidade fator coadjuvante na formação de cidadãos responsáveis e consumidores conscientes".  Não há, no entanto, qualquer regulamentação expressa relativa ao trabalho do influenciador digital.

Assim, diante do vácuo legislativo específico para o regramento do tema, questionamos se as regras relativas à emissão de alvará previsto no art. 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente devem ser observadas para que haja o trabalho desenvolvido pelo influenciador digital menor de 18 (dezoito) anos. A resposta, aparentemente, é positiva, merecendo o tema pesquisa mais aprofundada.

Além disso, de se questionar a responsabilidade dos pais (ou responsáveis) em relação à administração da remuneração dos filhos advinda do trabalho desenvolvido através das redes sociais.

Sem dúvidas, a lei francesa veio em boa hora e poderia nos trazer luzes para o debate mais aprofundado e necessário sobre o tema. 

*Roberta Densa é advogada em SP. Doutora em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP.

**Cecília Dantas é advogada em SP.

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3- Conforme art. 3º da lei 2020-1266, além da regulamentação do horário de trabalho do menor e administração dos bens do menor, deverá ser observado o conteúdo, as condições de segurança, os riscos psicológicos, a frequência à escola sempre com vistas à proteção da sua condição de pessoa em desenvolvimento. Outrossim, o inciso IV do mesmo artigo determina que os serviços prestados por jovens com menos de 16 anos de idade, que anunciem produto ou serviço veiculados por plataformas digitais de compartilhamento de vídeos e outras publicações, devem, nos termos da lei, serem pagos pelo anunciante diretamente ao chamado "Caisse de depôts et Consignations", espécie de poupança dirigida pelo governo federal, que comportar-se-á como administradora dos rendimentos do jovem até que este atinja a maioridade, ou seja emancipado.

5- Enfants influenceurs ou youtubeurs : la loi adoptée par le Parlement 

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Esta coluna é exclusivamente produzida pelos associados do IBERC (Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil). @iberc.brasil

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Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho é professor titular e ex-coordenador do programa de pós-graduação em Direito da Faculdade de Direito da UERJ (mestrado e doutorado). Doutor em Direito Civil e mestre em Direito da Cidade pela UERJ. Presidente do Fórum Permanente de Direito Civil da Escola Superior de Advocacia Pública da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro (ESAP/PGE). Vice-presidente do IBERC (Instituto Brasileiro de Estudos da Responsabilidade Civil). Autor de livros e artigos científicos. Advogado, parecerista e consultor em temas de Direito Privado.

Fernanda Schaefer é pós-doutora pelo Programa de pós-graduação Stricto Sensu em Bioética da PUC-PR. Doutora em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná, curso em que realizou Doutorado Sanduíche nas Universidades do País Basco e Universidade de Deusto (Espanha). Professora do UniCuritiba. Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Direito Médico e da Saúde da PUC-PR. Assessora Jurídica do CAOP Saúde MPPR.

Igor de Lucena Mascarenhas é advogado e professor universitário nos cursos de Direito e Medicina (UFPB / UNIFIP). Doutorando em Direito pela UFBA e doutorando em Direito pela UFPR. Mestre em Ciências Jurídicas pela UFPB. Especialista em Direito da Medicina pelo Centro de Direito Biomédico vinculado à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Nelson Rosenvald é advogado e parecerista. Professor do corpo permanente do Doutorado e Mestrado do IDP/DF. Pós-Doutor em Direito Civil na Università Roma Tre. Pós-Doutor em Direito Societário na Universidade de Coimbra. Visiting Academic na Oxford University. Professor Visitante na Universidade Carlos III, Madrid. Doutor e Mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil – IBERC. Foi Procurador de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais.

Paulo Roque Khouri é doutorando em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público — IDP. Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UNICEUB (1992) e em Jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) (1987); mestrado em Direito Privado pela Universidade de Lisboa (2006). Atualmente é professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), sócio do escritório de advocacia Roque Khouri & Pinheiro Advogados Associados S/C.