Migalhas de Responsabilidade Civil

Primeiros estudos sobre a responsabilidade civil ambiental na nova lei da politica nacional de segurança de barragens

Primeiros estudos sobre a responsabilidade civil ambiental na nova lei da politica nacional de segurança de barragens.

8/10/2020

A lei 14.066/20, de 30 de setembro de 2020, surge como resposta aos recentes desastres provocados pela atividade minerária, principalmente aqueles ocasionados pelo rompimento das barragens de rejeitos minerários em Mariana e Brumadinho, ambas cidades do Estado de Minas Gerais.

A indigitada lei promoveu diversas alterações em normas que tratam do meio ambiente, mineração, barragens e recursos hídricos, com destaque para as modificações na lei 12.334/2010 que estabelecia, inicialmente, o Plano Nacional de Segurança de Barragens.

Além da proibição de construção de novas barragens na modalidade a montante, método utilizado na construção das barragens que romperam em Mariana e Brumadinho, foram incluídas, no ordenamento jurídico nacional, dispositivos que delimitam a responsabilidade civil do operador de barragens e do minerador.

Responsabilidade civil objetiva

Uma das modificações realizadas foi o acréscimo do artigo 17-A na lei 12.334/2010, que assim dispõe: "Sem prejuízo das cominações na esfera penal e da obrigação de, independentemente da existência de culpa, reparar os danos causados, considera-se infração administrativa o descumprimento pelo empreendedor das obrigações estabelecidas nesta Lei, em seu regulamento ou em instruções dela decorrentes emitidas pelas autoridades competentes".

Como pode se depreender, o referido dispositivo determinou a aplicação da responsabilidade civil em sua modalidade objetiva quando da ocorrência de um dano correlato com o barramento, ou seja, o empreendedor responsável pela barragem pode vir a ser obrigado a reparar um dano mesmo que não se constate dolo ou culpa em sua conduta.

Para ser bem didático, os danos ambientais decorrentes da exploração de barragens, serão de responsabilidade do empreendedor no que concerne à Responsabilidade Civil pela reparação da degradação causada, ainda que não se comprove a intenção, imprudência, negligência ou imperícia daquela pessoa que explorava o minério.

Nesse sentido, em uma sociedade tecnológica, na qual os riscos advindos das atividades industriais colocam em risco, não somente interesses particulares, mas também direitos difusos protegidos pela Constituição, como o meio ambiente ecologicamente equilibrado, a função da responsabilidade civil de regular o comportamento social se torna de suma importância, principalmente no que tange à prevenção da ocorrência de danos e, secundariamente, à reparação.

Com isso, a adoção da responsabilidade civil objetiva se justifica pela necessidade de imputar naquele que insere um risco para a sociedade um comportamento virtuoso1, de maneira que não venha a permitir que sua atividade cause danos a interesses de outros indivíduos e, principalmente, da sociedade como um todo, adotando, dessa forma, medidas de segurança capazes de mitigar os riscos e evitando atitudes que possam resultar em ilícitos civis.

Assim, a inserção do artigo 17-A na lei 12.334/2010 é o reconhecimento por parte do legislador dos riscos trazidos pela construção de barragens e da necessidade de que os operadores dessas estruturas adotem conduta cautelosa, evitando que novos desastres venham a ser ocasionados.

Não obstante, o novel dispositivo se harmoniza com o art. 14, § 1º, da lei 6.938/1 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente) que, da mesma forma, estabelece a responsabilidade civil objetiva ao poluidor ambiental.

Espera-se que o efeito pedagógico da norma se sobressaia, uma vez que, os riscos atrelados a esse tipo de atividade são de grandes dimensões.

Da delimitação temporal da responsabilidade civil do minerador

Um último ponto a ser tratado é a delimitação temporal da responsabilidade civil do minerador que, de acordo com o artigo 6-A do Código de Mineração, se estende da fase de pesquisa até o fechamento da mina, sendo que essa fase passa pelo crivo do órgão regulador da atividade, que deve aprovar o plano de encerramento das atividades minerárias e fiscalizar o cumprimento daquilo que foi ali estabelecido.

Novamente, o que se pretende evitar ao explicitar a extensão dessa responsabilização, é a assunção pela sociedade das externalidades negativas da atividade minerária. Pois, o minerador passa a ser obrigado a descomissionar todas as instalações utilizadas enquanto desenvolvia a exploração mineral, incluídas barragens de rejeitos que por ventura venham a existir, bem como, reparar os impactos ambientais provenientes da mineração.

Diante de todo o exposto, é possível perceber que a lei 14.066/2020 tem como objetivo dar uma resposta aos recentes desastres provocados pelo rompimento de barragens de rejeitos da mineração, estipulando normas mais rígidas para a construção, operação e descaracterização dessas estruturas.

Entretanto, salienta-se o fato de que a legislação brasileira pré-existente as alterações realizadas pela lei 14.066/2020, já contava com diversos instrumentos capazes de coibir condutas danosas, mas que tinham sua eficácia prejudicada pela omissão das autoridades em dar-lhes aplicação. Exemplo disso é a responsabilização do degradador por danos ao meio ambiente, que por força do artigo 14, §1º da lei 6.938/81 já utiliza a modalidade objetiva da responsabilidade civil e, segundo doutrina e jurisprudência dominantes, adotando a teoria do risco integral, a mais radical das teorias do risco.

Por isso, mais importante do que a existência de leis é fazer com que essas tenham efetividade, para isso é preciso uma atuação proativa do Poder Público, principalmente na fiscalização e na célere punição dos infratores, para que assim se desestimule a prática de condutas danosas para a vida humana e meio ambiente.

*Elcio Nacur Rezende é pós-doutor, doutor e mestre em Direito. Líder do Grupo de Pesquisa Responsabilidade Civil por Danos ao Meio Ambiente. Professor dos Programas de pós-graduação em Direito da Escola Superior Dom Helder Câmara e Faculdade Milton Campos.

**Victor Vartuli Cordeiro e Silva é doutorando e mestre em Direito na Escola Superior Dom Helder Câmara, especialista em Regime Jurídico dos Recursos Minerais pela Faculdade Milton Campos. Pesquisador do Grupo de Pesquisa Responsabilidade Civil por Danos ao Meio Ambiente, professor na Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete.

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1 ROSENVALD, Nelson. As funções da responsabilidade civil: a reparação e a pena civil. 2 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2014. p. 80.

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Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho é professor titular e ex-coordenador do programa de pós-graduação em Direito da Faculdade de Direito da UERJ (mestrado e doutorado). Doutor em Direito Civil e mestre em Direito da Cidade pela UERJ. Presidente do Fórum Permanente de Direito Civil da Escola Superior de Advocacia Pública da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro (ESAP/PGE). Vice-presidente do IBERC (Instituto Brasileiro de Estudos da Responsabilidade Civil). Autor de livros e artigos científicos. Advogado, parecerista e consultor em temas de Direito Privado.

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