Migalhas de IA e Proteção de Dados

A automação de documentos no Direito

A automação de documentos jurídicos usa tecnologia para criar, gerenciar e armazenar documentos com eficiência, reduzindo erros e tempo em tarefas repetitivas, e melhora a precisão e padronização dos documentos.

16/8/2024

A automação de documentos na área jurídica refere-se ao uso de tecnologia para criar, gerenciar e armazenar documentos legais de forma eficiente e precisa. Esta tecnologia utiliza softwares avançados e IA para preencher automaticamente formulários padrão com informações de casos específicos, reduzir o tempo gasto em tarefas repetitivas e mitigar erros humanos.1 Um dos objetivos é usar partes de textos entre os diversos documentos legais. Digamos, um “copia e cola” inteligentes.
Além destas tarefas, a automação permite a padronização dos formatos de documentos, facilitando a busca e recuperação, o que é essencial em ambientes jurídicos dinâmicos e de alto volume de trabalho. Hipoteticamente, como em tudo na computação, com a implementação da automação, escritórios de advocacia e departamentos jurídicos podem dedicar mais tempo a tarefas estratégicas e ao atendimento aos clientes, melhorando a eficiência operacional e a qualidade dos serviços prestados.2 Contudo, a incorporação dessa tecnologia exige atenção à conformidade com regulamentos de proteção de dados e à manutenção da segurança e privacidade das informações, um aspecto crucial no cenário jurídico atual.3

Eficiência e Produtividade no Setor Jurídico

A automação de documentos jurídicos tem se tornado uma necessidade crucial para aumentar a eficiência e produtividade em escritórios de advocacia e departamentos jurídicos no Brasil. Isso ocorre devido à capacidade das tecnologias de automação de melhorar significativamente a forma como os profissionais gerenciam e produzem documentos legais.

Um dos principais benefícios da automação é a redução do tempo gasto em tarefas repetitivas. Ferramentas de automação permitem a criação de documentos padronizados a partir de modelos que podem ser preenchidos automaticamente com informações específicas de cada caso. Segundo Susskind3, a automação pode cortar o tempo de elaboração de documentos em até 80%, liberando tempo para os advogados se concentrarem em atividades mais estratégicas.

Além disso, a automação melhora a precisão e consistência dos documentos, minimizando os erros humanos que são comuns em tarefas manuais de elaboração de documentos. Estudos, como os de Markoff4, mostram que erros em documentos jurídicos manuais podem levar a complicações legais e financeiras, enquanto a automação ajuda a garantir que todos os detalhes críticos sejam processados corretamente.

No caso específico do Brasil, a carga de trabalho nos escritórios é geralmente elevada devido ao grande volume de litígios. Segundo Oliveira e Cunha5, a adoção de soluções tecnológicas no setor jurídico ajuda a aliviar essa carga, permitindo que os profissionais gerenciem casos de maneira mais eficiente e com menos estresse.

Além das melhorias internas nos escritórios, a automação também tem um impacto positivo sobre os clientes. A utilização de tecnologias para agilizar processos pode resultar em custos mais baixos para os clientes, visto que as horas de trabalho advocatício necessárias são reduzidas.6 Além de tudo, a adequação às tecnologias de automação pode proporcionar uma vantagem competitiva significativa. Escritórios que adotam tais tecnologias frequentemente destacam-se no mercado por sua eficiência e capacidade de entregar resultados com maior rapidez e precisão.7

Impacto na Prática Jurídica e no Acesso à Justiça

Uma das mudanças mais notáveis da automação de documentos é a democratização do acesso aos serviços jurídicos. Automação permite que pequenas empresas de advocacia e advogados autônomos ofereçam serviços de alta qualidade a preços mais acessíveis, ou seja, mais pessoas podem ter acesso a serviços jurídicos, ampliando a cobertura do sistema judicial.8

A automação também está influenciando a educação e formação jurídica. Com o aumento do uso dessas tecnologias, há uma necessidade crescente de que novos profissionais do direito sejam treinados em habilidades tecnológicas além do conhecimento jurídico tradicional. Muitas escolas de direito estão começando a incorporar cursos sobre tecnologia e automação em seus currículos para preparar seus alunos para essas mudanças.9

Outro aspecto relevante é a utilização de tecnologia para a resolução de disputas online (ODR - Online Dispute Resolution), que tem funcionado como um meio eficaz de resolver conflitos sem a necessidade de procedimentos judiciais complexos. Plataformas automatizadas de resolução de disputas podem auxiliar na redução da carga dos tribunais, tornando a justiça mais ágil e acessível, especialmente em áreas rurais ou menos desenvolvidas.

Desafios Éticos e Regulatórios

No entanto, a automação de documentos jurídicos não traz apenas avanços tecnológicos, mas também uma série de desafios éticos e regulatórios que precisam ser abordados para garantir sua implementação segura e eficaz no Brasil.

Um dos principais desafios é a segurança e privacidade dos dados. Com a crescente digitalização de documentos e o uso de inteligência artificial, existe uma preocupação significativa quanto à proteção de informações confidenciais. A LGPD, estabelece diretrizes rigorosas para o tratamento de dados pessoais. Portanto, há a necessidade de garantir que as ferramentas de automação de documentos estejam em total conformidade com a LGPD, protegendo os dados pessoais dos clientes.

Outro ponto crítico é a transparência dos algoritmos usados em ferramentas de automação. A falta de clareza sobre como essas tecnologias tomam decisões, principalmente aquelas que usam IA, pode levar a questões de responsabilidade e confiabilidade. A comunidade de Direito já trabalha para criar diretrizes claras para a explicabilidade dos algoritmos no campo jurídico, assegurando que os advogados entendam e possam confiar nas decisões assistidas por inteligência artificial.10

Adicionalmente, há preocupações sobre o impacto da automação na ética profissional e no emprego. A automação pode potencialmente reduzir a demanda por trabalho humano em tarefas rotineiras, levantando discussões sobre a necessidade de requalificação profissional. Embora a automação possa substituir algumas atividades, ela também pode criar novas oportunidades para advogados que se posicionam como especialistas em tecnologia legal.11

A adoção da automação de documentos na área do direito representa uma oportunidade transformadora para escritórios de advocacia e departamentos jurídicos em todo o Brasil. Ao incorporar esta tecnologia, os profissionais do direito não apenas têm a chance de aumantar a eficiência e precisão de suas operações, mas também podem dedicar mais tempo ao desenvolvimento de estratégias jurídicas inovadoras e ao atendimento personalizado de seus clientes. Além de reduzir custos operacionais e minimizar erros humanos, a automação permite que os serviços jurídicos sejam mais acessíveis, tornando a justiça mais equitativa e inclusiva. À medida que o setor jurídico se adapta às demandas do século XXI, aqueles que abraçam a automação estarão na vanguarda, oferecendo soluções mais rápidas, precisas e eficazes. Portanto, investir em automação não é apenas uma decisão estratégica inteligente, mas também um passo essencial rumo a um futuro jurídico mais moderno e eficiente.

_________

1 Casey, A. J., & Niblett, A. (2019). The Technology of the Law: The Automation of Legal Technology. Journal of Law and Technology.

2 Ashley, K. D. (2017). Artificial Intelligence and Legal Analytics: New Tools for Law Practice in the Digital Age. Cambridge University Press.

3 Susskind, R. (2017). Tomorrow's Lawyers: An Introduction to Your Future. Oxford University Press.

4 Markoff, J. (2020). Machines of Loving Grace: The Quest for Common Ground Between Humans and Robots. HarperCollins.

5 OLIVEIRA, Fabiana Luci de; CUNHA, Luciana Gross. Os indicadores sobre o Judiciário brasileiro: limitações, desafios eo uso da tecnologia. Revista direito GV, v. 16, n. 1, p. e1948, 2020. Disponível aqui.

6 FARIAS, Pedro Lima Gondim de. A advocacia na era digital: uma análise sobre possíveis impactos práticos e jurídicos das novas tecnologias na dinâmica da advocacia privada. 2020. UFRN. Disponível aqui.

7 TEIXEIRA, Fernando Gil. O Direito enquanto recurso indispensável às empresas e potenciador de vantagem competitiva. 2020. Dissertação de Mestrado. Universidade da Beira Interior (Portugal).

8 BRESCIA, Raymond H. et al. Embracing disruption: How technological change in the delivery of legal services can improve access to justice. Alb. L. Rev., v. 78, p. 553, 2014.

9 FORNASIER, Mateus de Oliveira. Legal education in the 21st century and the artificial intelligence. Revista Opinião Jurídica, v. 19, n. 31, p. 1-32, 2021. Disponível aqui.

10 FERRARI, Isabela. Accountability de Algoritmos: a falácia do acesso ao código e caminhos para uma explicabilidade efetiva. Inteligência Artificial: 3º Grupo de Pesquisa do ITS, ITS-Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio, 2018.

11 FORNASIER, Mateus de Oliveira. The impact of the introduction of artificial intelligence in advocacy: skills and professional ethics necessary for the future lawyer. Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, v. 66, n. 2, p. 69-94, maio/ago. 2021. ISSN 2236-7284. Disponível aqui.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Coordenação

Cintia Rosa Pereira de Lima, professora de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP Ribeirão Preto – FDRP. Doutora em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP com estágio na Ottawa University (Canadá) com bolsa CAPES - PDEE - Doutorado Sanduíche e livre-docente em Direito Civil Existencial e Patrimonial pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (USP). Pó-doutora em Direito Civil na Università degli Studi di Camerino (Itália) com fomento FAPESP e CAPES. Líder e Coordenadora dos Grupos de Pesquisa "Tutela Jurídica dos Dados Pessoais dos Usuários da Internet" e "Observatório do Marco Civil da Internet", cadastrados no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq e do Grupo de Pesquisa "Tech Law" do Instituto de Estudos Avançados (IEA/USP). Presidente do Instituto Avançado de Proteção de Dados – IAPD - www.iapd.org.br. Associada Titular do IBERC - Instituto Brasileiro de Responsabilidade Civil. Membro fundador do IBDCONT - Instituto Brasileiro de Direito Contratual. Advogada.

Cristina Godoy Bernardo de Oliveira, professora doutora da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo desde 2011. Academic Visitor da Faculty of Law of the University of Oxford (2015-2016). Pós-doutora pela Université Paris I Panthéon-Sorbonne (2014-2015). Doutora em Filosofia do Direito pela Faculdade de Direito da USP (2011). Graduada pela Faculdade de Direito da USP (2006). Líder do Grupo de Pesquisa Direito, Ética e Inteligência Artificial da USP – CNPq. Coordenadora do Grupo de Pesquisa "Tech Law" do Instituto de Estudos Avançados (IEA/USP). Membro fundador do Instituto Avançado de Proteção de Dados – IAPD.

Evandro Eduardo Seron Ruiz, professor Associado do Departamento de Computação e Matemática, FFCLRP - USP, onde é docente em dedicação exclusiva. Atua também como orientador no Programa de Pós-graduação em Computação Aplicada do DCM-USP. Bacharel em Ciências de Computação pela USP, mestre pela Faculdade de Engenharia Elétrica da UNICAMP, Ph.D. em Electronic Engineering pela University of Kent at Canterbury, Grã-Bretanha, professor lLivre-docente pela USP e pós-Doc pela Columbia University, NYC. Coordenador do Grupo de Pesquisa "Tech Law" do Instituto de Estudos Avançados (IEA/USP). Membro fundador do Instituto Avançado de Proteção de Dados – IAPD.

Nelson Rosenvald é advogado e parecerista. Professor do corpo permanente do Doutorado e Mestrado do IDP/DF. Pós-Doutor em Direito Civil na Università Roma Tre. Pós-Doutor em Direito Societário na Universidade de Coimbra. Visiting Academic na Oxford University. Professor Visitante na Universidade Carlos III, Madrid. Doutor e Mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil – IBERC. Foi Procurador de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais.

Newton De Lucca, professor Titular da Faculdade de Direito da USP. Desembargador Federal, presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (biênio 2012/2014). Membro da Academia Paulista de Direito. Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Membro da Academia Paulista dos Magistrados. Vice-presidente do Instituto Avançado de Proteção de Dados.