Quando no verão de 1955, John McCarthy, Marvin Minsky, Nathaniel Rochester e Claude Shannon compartilharam com o mundo a ideia de que qualquer aspecto da aprendizagem ou atividade humana poderiam ser descritos de forma precisa, permitindo que uma máquina fosse construída para simulá-la1, cunhando-lhe o termo “inteligência artificial” (“IA”), despertou-se na sociedade uma legítima expectativa - tão promissora quanto incerta.
E, embora o termo continue a chamar atenção mais de meio século depois de seu primeiro uso, há controvérsias quanto a sua proposição. Isso porque além de não ser consistente fazer uma analogia entre a autonomia de robôs e a racionalidade humana - dotado de ética, moral e valores que refletem não apenas a personalidade individual, mas a compreensão coletiva da sociedade -, a própria intenção de associar o termo autonomia (lato sensu) à máquina pode não ser ideal, tendo em vista que, muitas vezes, o que se chama autonomia na verdade representa uma “variedade de combinações algorítmicas viabilizadas por um software”2. Portanto, trata-se muito mais de uma reprodução de certos tipos de comando do que, de fato, uma escolha, realizada de forma livre e consciente.
As divergências terminológicas e conceituais quanto à IA refletem o fato de se tratar de um campo em aberto, com significativos avanços nas últimas décadas - especialmente em função do advento do deep learning3 -, mas que ainda está longe de suas potencialidades. Nesse sentido, Kai-Fu Lee4 defende que é possível explicar a evolução da IA a partir de “quatro ondas”:
(i) da internet, por exemplo, por meio do uso de algoritmos de IA que aprendem nossas preferências e passam a nos recomendar conteúdos;
(ii) de negócios, como utilizado por bancos e seguradoras que realizam mineração de dados5;
(iii) de percepção, por exemplo, o aumento do uso de sensores inteligentes; e
(iv) de autonomia, referindo-se à união das três ondas anteriores, permitindo a fusão das capacidades otimização quanto aos grandes conjuntos de dados complexos e percepção sensorial do ambiente externo, por exemplo, os carros autônomos.
Entretanto, o regulador precisa estar atento aos riscos que a IA apresenta. Um caso emblemático, julgado em julho de 2022, após o Departamento de Justiça dos Estados Unidos ter reconhecido o uso de critérios raciais, étnicos, religiosos, sexuais e de renda para definir anúncios de moradia para usuários do Facebook, atentando contra o Fair Housing Act (Lei de Habitação Justa).6
Outro caso que vale a pena ser mencionado é o escândalo envolvendo a Amazon após o preterimento de candidaturas de mulheres em detrimento a de homens por um sistema de IA para recrutamento, implicando em discriminação de gênero.7
Nota-se, ainda, o fato de influenciadores negros terem menor “entrega” e, portanto, engajamento de seus conteúdos em redes sociais8, diminuindo a possibilidade deles se tornarem influenciadores competitivos no mercado digital.
Isso ocorre porque existem “vieses algorítmicos”,9 termo cunhado para descrever as distorções e/ou injustiças resultantes das decisões automatizadas feitas por algoritmos de inteligência artificial10. A evolução do conceito de viés algorítmico para o direito internacional tem sido gradual, mas significativa. Organizações internacionais, como a União Europeia e as Nações Unidas, têm reconhecido a importância de abordar vieses algorítmicos em suas políticas e diretrizes. Por exemplo, o Regulamento Geral de Proteção de Dados (“GDPR”) da UE inclui disposições que abordam a transparência e responsabilidade no uso de algoritmos de IA que impactam os direitos e liberdades das pessoas11.
Além disso, iniciativas globais, como a “Declaração de Montreal pelo Desenvolvimento Responsável da Inteligência Artificial” (2018)12, destacam a necessidade de garantir a equidade e a não discriminação em sistemas automatizados. No entanto, apesar do reconhecimento crescente, desafios persistem na aplicação efetiva do direito internacional para mitigar vieses algorítmicos, pois sua complexidade técnica e a falta de transparência em sua implementação continuam a ser obstáculos importantes.
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