A Inteligência Artificial (IA) tem sido objeto de grande discussão nos últimos tempos, em âmbitos privado e público. Não é surpresa que a tecnologia vem transformando rápida e profundamente a sociedade e, portanto, gerando preocupações sobre o futuro. Recentemente, com a criação do ChatGPT e disseminação de outras ferramentas de IA Generativa, esta tecnologia passou a ser utilizada cotidianamente mesmo por pessoas sem expertise nas áreas de computação ou similares.
A ferramenta tem sido empregada das mais diversas formas e em todos os campos socioeconômicos, passando pela aplicação em áreas como a música, o cinema, a saúde e a educação. Se, por um lado, ela facilita a realização de tarefas e barateia os custos de sua execução, por outro, ela tem aberto um mar de possibilidades que nem sempre têm sido bem aceitas. Na cultura, questões éticas têm sido levantadas sobre a reprodução de vozes e imagens de artistas já falecidos, por exemplo. Além disso, o SAG-AFTRA (Screen Actors Guild-American Federation of Television and Radio Artists) tem realizado greves dado o avanço da IA no cinema e a ameaça de desemprego dos profissionais da área.
Após o lançamento do ChatGPT, ganharam força argumentos catastróficos sobre o futuro da humanidade e, mais especificamente, sobre o futuro do trabalho. Mesmo que tais posições sejam muitas vezes infundadas, é verdade que a inovação foi revolucionária e que a sociedade está em profunda transformação. Em 2018, alguns autores já defendiam que a Inteligência Artificial seria uma Tecnologia de Propósito Geral (TPG), assim como foram a máquina a vapor e a eletricidade. Isso significa que ela adentra e reconfigura rápida e estruturalmente os campos social e econômico.
Neste contexto de acalorado debate, figuras importantes do meio das BigTechs se pronunciaram sobre supostos riscos à humanidade gerados pela IA. O engenheiro Blake Lemoine, por exemplo, foi demitido do Google após ter afirmado ao jornal The Washington Post que a ferramenta de IA da empresa havia adquirido consciência própria. Outro posicionamento polêmico foi o de Elon Musk, dono da X, que aderiu à carta aberta assinada por centenas de empresários e especialistas solicitando que os laboratórios de IA paralisassem suas pesquisas envolvendo sistemas de IA mais poderosos do que o GPT-4 durante seis meses, até que fossem criados protocolos de segurança para o design e desenvolvimento avançados de IA que fossem rigorosamente auditados e supervisionados por peritos externos independentes.
No entanto, a fim de compreender o processo que vivemos, é também necessário olhar os dados por uma outra perspectiva. Se a Inteligência Artificial é hoje o que um dia foi a energia elétrica, podemos observar as oportunidades geradas junto às transformações. Segundo relatório escrito pela Bloomberg (2023), após o lançamento de ferramentas de IA Generativa, a indústria desse instrumento pode alcançar a marca de US$ 1,32 trilhão em 2032. Isso significa que o mercado em questão é gigantesco e importantíssimo. Para termos comparativos, o PIB do Brasil em 2021 era de US$ 1,609 trilhão.
No Brasil, em 2021, o lançamento da Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA) foi essencial para a recolocação do país no cenário internacional como atento à agenda e possível produtor de tecnologias. Além disso, o Governo Federal e governos estaduais lançaram iniciativas importantes para o desenvolvimento da IA e têm investido em inovação. Exemplo disso é o programa paulista de subvenção econômica Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP. Na esfera federal, a Finep, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o MCTI têm sido os principais investidores em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I).
O posicionamento estatal revelado por meio da EBIA, somado aos programas públicos de incentivo ao desenvolvimento de CT&I, encorajam o setor privado a inovar. Consequentemente, a economia brasileira tende a se fortalecer, gerando mais empregos e diminuindo as desigualdades. Em relatório de 2021, a Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e de Tecnologias Digitais (Brasscom) estima que as empresas de tecnologia demandem 797 mil talentos entre 2021 e 2025. Porém, com o crescimento exponencial do número de vagas e o número de formandos aquém da demanda, a projeção é de que haja um déficit de 530 mil ao final desses cinco anos. Outro dado interessante é que, enquanto a média nacional de salários é de R$ 2.001, a remuneração média do setor de serviços de TIC é de R$ 5.028, ou seja 2,5 vezes superior. Essas informações indicam que estamos presenciando uma geração de um novo campo de atuação, com novas oportunidades de emprego e melhores salários.
Somado a isso, cursos de Graduação e Especialização na área de tecnologia e, especificamente, de IA, estão despontando em universidades públicas e privadas ao redor do Brasil. Em pesquisa publicada em 2023, foram encontrados 646 cursos de Bacharelado e Tecnológicos relacionados à IA. A região Sudeste é a com maior oferta de vagas, seguida das regiões Sul e Nordeste do país. Quanto aos cursos de Especialização, foram identificados 114, sendo que a maioria também está no Sudeste brasileiro, seguido pelo Sul e Centro-Oeste.
Percebendo tal demanda, Organizações da Sociedade Civil (OSCs), startups e até grandes empresas de tecnologia também têm oferecido cursos de capacitação em Inteligência Artificial. BigTechs como IBM, Google e Microsoft têm oferecido cursos introdutórios sobre IA em formato online e gratuito, por exemplo.
Com a grande maioria dos cursos sendo oferecidos por organizações e empresas privadas, constata-se que o setor privado está mais atento às mudanças do mercado. Porém, ainda que as ações públicas sejam mais tímidas, elas estão ocorrendo. Além disso, como já era de se esperar, o Sudeste tem liderado o desenvolvimento acadêmico e a capacitação em IA conforme .
Considerando, então, o novo mercado surgindo e a criação de cursos nas áreas de tecnologia, é possível afirmar que a Inteligência Artificial não está ameaçando o futuro do trabalho, mas sim criando uma nova configuração para ele. No entanto, cabe a nós formular políticas públicas e alianças entre o setor público, privado e academia para que as oportunidades sejam distribuídas em todo o Brasil e ofertadas a todas as classes sociais, de forma a diminuir as desigualdades, e não aumentá-las. Para tal, o debate precisa ser aprofundado e abordado a partir de uma visão multidimensional, pois, a diferença da IA para as outras tecnologias está no fato de ela possuir o potencial de aumentar o desemprego no campo da mão-de-obra qualificada, não apenas nos setores que exigem baixa qualificação.