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O fundamento do direito à desindexação na Lei Geral de Proteção de Dados

A LGPD não trouxe previsão expressa do direito à desindexação dentre os direitos assegurados aos titulares de dados nos artigos 17 a 22 da lei, no entanto, não se deve olvidar que este é um rol exemplificativo na medida em que a proteção de dados pessoais é um direito fundamental.

2/9/2022

Introdução

A LGPD não trouxe previsão expressa do direito à desindexação dentre os direitos assegurados aos titulares de dados nos artigos 17 a 22 da lei, no entanto, não se deve olvidar que este é um rol exemplificativo na medida em que a proteção de dados pessoais é um direito fundamental e integra o rol dos direitos de personalidade. Assim, o próprio art. 5º da CF/88 traz a possibilidade de outros direitos e garantias fundamentais previstos em Tratados Internacionais dos quais o Brasil seja signatário (cláusula geral de reenvio prevista no § 3º). Semelhantemente, o Código Civil menciona alguns direitos de personalidade de forma exemplificativa1 (arts. 11 a 21 do CC/02), pois a tutela privada dos direitos de personalidade impõe uma releitura dos fundamentos do Direito Privado, como alertava Orlando Gomes2.

Neste sentido, Pietro Perlingieri3 afirma que o fundamento da tutela dos direitos de personalidade é único, porém as manifestações da personalidade humana são múltiplas e não se pode identificar todas estas variedades a priori. 

1 Conceito e limites do direito à desindexação

Pizzetti Franco4 define o direito à indexação como: "o direito de não ver facilmente encontrada uma notícia que não seja mais atual. O efeito principal da indexação e difusão da notícia por meio das ferramentas de busca é, de fato, colaborar de maneira contínua para a atualidade das informações e criar um perfil da pessoa a que se referem".

Para se compreender o direito à desindexação, deve-se recordar que as ferramentas de busca coletam informações a partir dos parâmetros indicados pelos usuários, classificando-as a partir de algoritmos de relevância da informação, restando claro que estas ferramentas realizam tratamento de dados pessoais. Portanto, surge a questão sobre as hipóteses legais para sustentar esse tratamento de dados.

No art. 7º da LGPD, constatam-se as hipóteses para tratamento de dados pessoais, quais sejam: o consentimento do titular de dados; cumprimento de obrigação legal ou regulatória;  pela administração pública, quando necessário à execução de políticas públicas; para a realização de estudos por órgão de pesquisa (garantida a anonimização sempre que possível); para a execução de contrato ou de procedimentos preliminares; para exercício regular de direito em processo judicial, administrativo ou arbitral; para a proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiros; para a tutela da saúde; para atender interesses legítimos dos agentes de tratamento ou de terceiros; e para a proteção do crédito, conforme a Lei do Cadastro Positivo (lei 12.414/2011).

O art. 11 da LGPD, por sua vez, estabelece as bases para o tratamento de dados pessoais sensíveis,5 a saber: consentimento; cumprimento de obrigação legal ou regulatória; pela administração pública quando necessário à execução de políticas públicas; para a realização de estudos por órgão de pesquisa (garantida a anonimização sempre que possível); exercício regular de direito; obrigação legal ou regulatória; para a proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro; - para a tutela da saúde; e para a prevenção à fraude e à segurança do titular de dados. Percebe-se que, embora semelhantes, as hipóteses para o tratamento de dados pessoais sensíveis são mais restritivas, não se admitindo para a execução de contrato ou de procedimentos preliminares, para atender aos interesses legítimos dos agentes de tratamento de dados e para proteção do crédito.

Desta forma, a indexação somente pode se sustentar se estiver embasada em uma das hipóteses autorizadoras para o tratamento de dados pessoais acima elencadas. Uma das hipóteses é o consentimento. Muito embora não seja esta a única base para o tratamento de dados pessoais, é inegável a relevância desta hipótese legal para que o tratamento de dados seja realizado. Portanto, quando a indexação estiver embasada apenas no consentimento6, a LGPD garante ao titular de dados pessoais o direito de revogar o consentimento (art. 18, inc. IX da lei).

Neste sentido, pode-se afirmar que o direito à desindexação é um direito que decorre do sistema de proteção dos dados pessoais, segundo o qual o titular dos dados pode se opor ao tratamento de dados realizado sem uma base legal que o sustente ou quando o titular de dados se oponha, revogando o consentimento manifestado de forma expressa ou inequívoca.

Quanto aos limites do direito à desindexação, deve-se atentar às circunstâncias legais que autorizam o tratamento de dados pessoais, independentemente do consentimento do titular de dados. Portanto, nestas hipóteses, não caberá o direito à desindexação, pois existe um fundamento legal, que deve ser demonstrado pelo agente de tratamento de dados em função do princípio da responsabilidade e prestação de contas (accountability) nos termos do inc. X do art. 6º da LGPD.

Fundamento legal do direito à desindexação em uma perspectiva civil-constitucional

O direito à desindexação está intimamente ligado à autodeterminação informativa, entendida como o direito subjetivo da pessoa de poder controlar o acesso, o fluxo e o compartilhamento de suas informações pessoais, o direito à proteção de dados deve ser visto como um direito fundamental. Os desafios para a concretude deste direito no contexto das novas tecnologias, cuja capacidade de armazenamento e a perenização da informação são facilmente alcançadas, são muitos. Segundo a opinião de Viktor Mayer-Shönberger7, a "Internet precisa nos permitir esquecer". Porém, destaca o autor, que, no caso González vs. Google Spain, a informação já estava ultrapassada e era irrelevante, portanto, não era necessária a sua preservação. Viktor destaca que não resgatar eventos e notícias descontextualizadas e desatualizadas é fundamental para a evolução do ser humano e o perdão.

Cumpre destacar este o direito à desindexação é próprio ao sistema de informação, pois implica na coleta, seleção e organização de dados pessoais a partir dos parâmetros de busca definidos por algoritmos. Neste sentido, Jonathan Zittrain8 entende que, na verdade, o direito que se pretende é que a sua vida não seja apresentada por uma máquina sem que haja revisão, e de maneira tão trivial, basta digitar uma palavra de busca e um clique. Segundo o autor, este direito é legítimo. E a solução mais eficaz está na arquitetura da rede, disseminando ferramentas tecnológicas que subordinam a acessibilidade de determinado dado a um lapso temporal.

Portanto, o direito à desindexação tem fundamento na própria Constituição Federal, art. 1o, inc. III (dignidade da pessoa humana), além do art. 12 do Código Civil quanto à tutela privada dos direitos de personalidade. A própria Constituição Federal, §1º do art. 2209, estipula fatores que relativizam a liberdade de informação e de expressão como a proteção dos direitos da personalidade, pois cediço que nenhum direito é absoluto. 

Por isso, um site de ferramenta de busca e indexação na Internet pode ser obrigado a estabelecer ferramentas de filtros para que determinado conteúdo não seja mais indexado conforme um determinado parâmetro de busca, sem, contudo, removê-la do provedor de conteúdo, da fonte primária, o que caracterizaria o direito à desindexação.

Por ser o principal prejudicado, o titular do exercício do direito à desindexação, como um direito de personalidade, é a própria pessoa, detentora de suas informações pessoais veiculadas, processadas e transmitidas. Em contrapartida, excepcionalmente, a pretensão poderá ser exercida por seus sucessores nos termos do parágrafo único do art. 12 do Código Civil brasileiro, que confere tal legitimidade para a tutela dos direitos da personalidade.

Conclusão: o fundamento do direito à desindexação na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)

Além disso, o fundamento legal para o direito à desindexação depende da hipótese em questão. Se o tratamento tiver sido realizado com base nas hipóteses legais para tal atividade, exceto o consentimento, a LGPD possibilita o direito à desindexação por meio da oposição facultada aos titulares de dados nos termos do art. 18, § 2o: "O titular pode opor-se a tratamento realizado com fundamento em uma das hipóteses de dispensa de consentimento, em caso de descumprimento ao disposto nesta Lei". A parte final deste dispositivo legal (“em caso de descumprimento ao dispositivo da Lei”) foi acrescentada na discussão do texto da lei no Congresso Nacional. Desta forma, o legislador deixa clara a possibilidade de se opor ao tratamento de dados pessoais, que pode ser à indexação, quando o agente de tratamento de dados não demonstrar nenhuma hipótese legal para o tratamento de dados pessoais, fato que demonstraria um descumprimento à LGPD.

O outro fundamento legal para o direito à desindexação é a possibilidade de revogação do consentimento pelo titular de dados pessoais prevista no inc. IX do art. 18 da LGPD. Em outras palavras, quando a indexação estiver fundamentada no consentimento expresso ou inequívoco do titular, este poderá exercer o direito à desindexação revogando o consentimento.10

__________

1 De acordo com Gustavo Tepedino: "Deverá o interprete romper com a ótica tipificadora seguida pelo Código Civil, ampliando a tutela da pessoa não apenas no sentido de admitir um aumento das hipóteses de ressarcimento, mas, de maneira muito ampla, no intuito de promover a tutela da personalidade mesmo fora do rol de direitos subjetivos previstos pelo legislador codificador". TEPEDINO, Gustavo. Cidadania e os direitos da personalidade. In: Revista da Escola Superior da Magistratura de Sergipe. Aracaju, n. 3, 2002, p.4.

Introdução ao Direito Civil. 18 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 150.

Manuale di Diritto Civile. 6. ed. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2007. p. 149.

4 Le Autorità Garanti per la Protezione dei Dati Personali e la Sentenza della Corte di Giustizia sul Caso Google Spain: è Tempo di Far Cadere il "Velo di Maya". In: Il Diritto dell’informazione e dell'informatica, 2014, fasc. 4-5, Giuffrè, pp. 805 – 829. p. 808: "[...] il diritto a non vedere facilmente trovata una notizia non più attuale. L’effetto principale della indicizzazione e diffusione delle notizie attraverso il motore di ricerca è infatti quello di concorrere in modo contino a riattualizzare tutte le informazioni, facendole diventare tutte elementi del profilo in atto della persona a cui si riferiscono."

5 Dados pessoais sensíveis são definidos no inc. II do art. 5º da LGPD, a saber: “dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural”.

6 Que pode ser expresso ou inequívoco conforme estabelece o inc. XII do art. 5º da LGPD e o caput do art. 8º da LGPD. Cf. LIMA, Cíntia Rosa Pereira de. Consentimento inequívoco versus expresso: o que muda com a LGPD? In: Revista do Advogado, ano XXXIX, n. 144, pp. 60 – 66. São Paulo: AASP, 2019.

7 Entrevista pulicada no Estadao.com.br, Cultura Digital, em 08/06/2014.

8 Opinion In New York Times. Disponível em aqui, Don't Force Google to 'Forget', acesso em 15 de mar. 2021.

9 Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

10 Para o estudo mais aprofundado sobre o tema, vide: LIMA, Cíntia Rosa Pereira de. O direito à desindexação em uma perspectiva civil-constitucional. In: SARLET, Gabrielle Bezerra Sales; TRINDADE, Manoel Gustavo Neubarth; MELGARÉ, Plínio. Proteção de Dados: temas controvertidos. Indaiatuba: Foco, 2021.

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Coordenação

Cintia Rosa Pereira de Lima, professora de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP Ribeirão Preto – FDRP. Doutora em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP com estágio na Ottawa University (Canadá) com bolsa CAPES - PDEE - Doutorado Sanduíche e livre-docente em Direito Civil Existencial e Patrimonial pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (USP). Pó-doutora em Direito Civil na Università degli Studi di Camerino (Itália) com fomento FAPESP e CAPES. Líder e Coordenadora dos Grupos de Pesquisa "Tutela Jurídica dos Dados Pessoais dos Usuários da Internet" e "Observatório do Marco Civil da Internet", cadastrados no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq e do Grupo de Pesquisa "Tech Law" do Instituto de Estudos Avançados (IEA/USP). Presidente do Instituto Avançado de Proteção de Dados – IAPD - www.iapd.org.br. Associada Titular do IBERC - Instituto Brasileiro de Responsabilidade Civil. Membro fundador do IBDCONT - Instituto Brasileiro de Direito Contratual. Advogada.

Cristina Godoy Bernardo de Oliveira, professora doutora da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo desde 2011. Academic Visitor da Faculty of Law of the University of Oxford (2015-2016). Pós-doutora pela Université Paris I Panthéon-Sorbonne (2014-2015). Doutora em Filosofia do Direito pela Faculdade de Direito da USP (2011). Graduada pela Faculdade de Direito da USP (2006). Líder do Grupo de Pesquisa Direito, Ética e Inteligência Artificial da USP – CNPq. Coordenadora do Grupo de Pesquisa "Tech Law" do Instituto de Estudos Avançados (IEA/USP). Membro fundador do Instituto Avançado de Proteção de Dados – IAPD.

Evandro Eduardo Seron Ruiz, professor Associado do Departamento de Computação e Matemática, FFCLRP - USP, onde é docente em dedicação exclusiva. Atua também como orientador no Programa de Pós-graduação em Computação Aplicada do DCM-USP. Bacharel em Ciências de Computação pela USP, mestre pela Faculdade de Engenharia Elétrica da UNICAMP, Ph.D. em Electronic Engineering pela University of Kent at Canterbury, Grã-Bretanha, professor lLivre-docente pela USP e pós-Doc pela Columbia University, NYC. Coordenador do Grupo de Pesquisa "Tech Law" do Instituto de Estudos Avançados (IEA/USP). Membro fundador do Instituto Avançado de Proteção de Dados – IAPD.

Nelson Rosenvald é advogado e parecerista. Professor do corpo permanente do Doutorado e Mestrado do IDP/DF. Pós-Doutor em Direito Civil na Università Roma Tre. Pós-Doutor em Direito Societário na Universidade de Coimbra. Visiting Academic na Oxford University. Professor Visitante na Universidade Carlos III, Madrid. Doutor e Mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil – IBERC. Foi Procurador de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais.

Newton De Lucca, professor Titular da Faculdade de Direito da USP. Desembargador Federal, presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (biênio 2012/2014). Membro da Academia Paulista de Direito. Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Membro da Academia Paulista dos Magistrados. Vice-presidente do Instituto Avançado de Proteção de Dados.