Recentemente a Google anunciou que vai restringir publicidade dirigida aos menores de 18 anos na plataforma, a partir de informações como idade, sexo e interesses de navegação. Também não será mais utilizado o recurso de histórico de navegação desses usurários, bem como permitirá aos pais e responsáveis que solicitem a remoção das imagens dos filhos dos resultados de busca1.
Dentre outros pontos, o YouTube vai remover conteúdo que se considera excessivamente comercial do aplicativo YouTube Kids, citando como exemplo os vídeos que apenas foquem em embalagens de produtos ou que encorajem diretamente as crianças a gastarem dinheiro.
Vale notar que a declaração se deu após o FTC (Federal Trade Commission), em 2019, aplicar multa ao Google no valor de US$ 170 milhões por violações à privacidade de crianças no YouTube (a multa mais alta aplicada pelo órgão até hoje). Conforme o acordo firmado, a Google LLC e a subsidiária YouTube LLC teriam violado as regras do COPPA (Children's Online Privacy Protection Rule) ao coletar informações pessoais de crianças utilizando cookies para rastrear usuários na internet sem antes identificar e obter o consentimento expresso dos pais ou responsável. Com tais dados, o YouTube, usando os identificadores, praticou a denominada publicidade comportamental direcionada às crianças e adolescentes, sem expresso consentimento dos pais2.
A pergunta que pode ser formulada, então, é: trata-se de mera regra ética da empresa ou estaria efetivamente cumprindo a regulação americana sobre o tema?
Regulação relativa à publicidade dirigida ao público infantil
A publicidade dirigida às crianças e adolescentes é regulada pelo CARU (Children’s Advertising Review Unit), fundado em 1974 por membros das agências de publicidade infantil, por meio do Conselho Nacional de Revisão da Publicidade Infantil (conhecido como CBBB – Council of Better Business Bureaus).
O órgão é responsável por impor padrões em relação à publicidade infantil, impedindo que seja depressiva, inapropriada ou injusta para a audiência do público em questão. Levam-se em consideração, dessa forma, a vulnerabilidade e a inexperiência da criança, que pode ser facilmente influenciada, diante de sua falta de conhecimento e habilidades de cognição necessárias para um bom julgamento da publicidade.
Grosso modo, pode-se afirmar que as regras do CARU são dispostas entre princípios fundamentais e recomendações gerais e específicas. Assim, quanto aos princípios fundamentais do dispositivo, prevê responsabilidades adicionais em relação a campanhas com público-alvo infantil e ao uso de dados pessoais com esse fim.
Devem-se levar em conta os limites de conhecimento, experiência e maturidade da audiência atingida, sendo reconhecido que o nível de discernimento e a capacidade de avaliar a credulidade das informações recebidas pelos meios de comunicação são menores. Nesse sentido, as crianças podem ter dificuldade de entender a intenção de persuasão na campanha publicitária ou ainda não se dar conta de que são alvos dessa publicidade.
A publicidade não pode ter caráter enganoso ou injusto às crianças para as quais é dirigida, levando-se em consideração a aplicação dos termos dispostos no Federal Trade Commission Act3.
Além disso, deve ser fundamentada por objetivos razoáveis e que assim sejam interpretados pela sua audiência, além de se levar em conta a pertinência de seu conteúdo, sendo proibida a veiculação de publicidade de teor inapropriado. Não poderá trazer expectativas exageradas sobre a qualidade do produto ou sobre sua performance, confundindo a criança.
A publicidade deve, ainda, evitar a caracterização de estereótipos ou conter assunto de cunho preconceituoso, encorajando a diversidade e a inclusão das minorias, apresentando modelos positivos variados de todos os grupos, além de procurar desempenhar um papel de caráter educativo, influenciando a visão positiva e o respeito aos outros, incitando a honestidade e a precaução de ações potencialmente perigosas.
O documento ainda ressalta que, apesar da influência causada pela publicidade e da necessidade de regulação desta em relação ao público infantil, permanece como papel principal dos pais e tutores prover instrução e civilidade no desenvolvimento pessoal e social de seus filhos, sendo os meios de comunicação um elo de contribuição na relação familiar.
Regulação relativas à proteção de dados de crianças e adolescentes
Em relação à proteção de dados na internet, o COPPA (Children’s Online Privacy Protection Act), inserido no Título de Práticas Comerciais do Federal Trade Commission4 (FTC) em 1998, traz disposições sobre a coleta de dados pessoais de crianças, bem como outras práticas relacionadas à privacidade do público infantil na internet.
A proteção dos dados das crianças começou a ser discutida naquele país diante das oportunidades que surgiram na mídia ao coletar informações pessoais com intenção de dirigir publicidade a esse público. Diante do fato de a criança não compreender de pronto a intenção da coleta de dados, foi necessário criar mecanismo de proteção a sua privacidade. Entre outros mecanismos, o consentimento expresso dos pais para a coleta dos dados é o mecanismo que mais nos importa para esse ensaio.
Para os fins das regras dispostas no COPPA, criança é toda pessoa que tenha menos de 13 (treze) anos de idade. Ainda assim, é expressa a recomendação de que o operador também observe as diretrizes do COPPA da coleta e uso dos dados de adolescentes dos 13 aos 16 anos.
Adam Thierer5 ressalta que a questão do consentimento não é pacífica e informa que nos últimos anos, alguns Estados propuseram expandir o regime da COPPA de várias maneiras. Esses esforços tentaram expandir a estrutura de consentimento dos pais para incluir todos os menores de até aos 18 anos, ampliando o leque de sites atendidos, aumentando a quantidade de informações devem ser coletadas para obter o consentimento verificável dos pais, e outras sugestões.
O objetivo do regulamento é trazer proteção aos dados pessoais de crianças em websites e serviços on-line, exortando sempre o envolvimento dos pais ou representantes nessas atividades, possibilitando a maior proteção dos seus filhos ou representados.
O COPPA é aplicado aos operadores de dados de websites e serviços online dirigidos para crianças e, também, para aqueles que são voltados para o público em geral, mas que coletam informações sobre o público infantil.
Afinal, como é possível determinar que o site ou serviço é direcionado às crianças? A Federal Trade Commission (FTC) considera uma série de fatores para determinar se um site ou serviço é "direcionado a crianças", incluindo o assunto; o conteúdo visual ou de áudio; a idade dos modelos; a linguagem ou outras características; se a publicidade promovendo ou aparecendo no site é direcionada a crianças; as evidências empíricas sobre a composição do público; a audiência pretendida; e se um site usa personagens animados e/ou atividades voltadas para crianças e incentivos6.
O dispositivo definiu como coleta dessas informações a reunião de qualquer dado pessoal de criança, com qualquer propósito, incluído: i) requerer ou encorajar a criança a submeter informações pessoais na internet; ii) habilitar o fornecimento da criança de seus dados pessoais, tornando-os disponíveis, de forma que possa ser identificada, e iii) monitoramento das atividades das crianças online.
Da mesma forma, divulgação de dados pessoais se relaciona: i) ao lançamento de informações pessoais identificáveis7, coletadas por operador8, oferecidas por criança com menos de 13 anos de idade, com qualquer finalidade, exceto em hipóteses em que o operador provê tais informações com o intuito de suporte ao próprio website ou serviço online9; ii) à acessibilidade de informações pessoais identificáveis, através de postagens em páginas da internet, sejam elas do próprio operador dos dados ou de outros websites e serviços online como "pen pall", compras online, "message boards" e salas de bate- papo.
De acordo com o documento, diversas condições são impostas aos operadores dos dados pessoais infantis, sendo as principais: i) a necessidade de obter consentimento dos pais para a coleta dos dados pessoais da criança; ii) a elaboração de uma política de privacidade clara e compreensiva; iii) manter as informações obtidas de crianças em segurança e confidencialidade10.
Notas conclusivas
Desse breve ensaio é possível concluir que a regulação norte americana não proíbe a veiculação de publicidade em ambiente digital, mas exige expressa autorização dos pais para coleta e tratamento dos dados os menores de 13 (treze) anos de idade.
O CARU impõe uma série de restrições aos anunciantes, que deve ser cumprido em qualquer forma de anúncio, inclusive pelas plataformas digitais.
O desafio enfrentado está relacionado a entender quem é o usuário da plataforma e se essa pessoa é ou não uma criança. Se o COPPA exige que o website e que serviços online dirigidos para crianças tomem cuidados para coleta e tratamento de dados, também exige para aqueles que são voltados para o público em geral, mas que coletam informações sobre o público infantil.
Os dados da navegação podem dar pistas sobre a idade e perfil do usuário, logo, como já afirmou o FTC no caso mencionado de coleta indevida de dados pela Google, a plataforma pode (e deve) fazer cumprir a regulação sobre proteção de dados e direcionamento de publicidade, tudo conforme o disposto no COPPA e no CARU.
*Roberta Densa é doutora em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP e professora de Direito do Consumidor da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo.
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1 Disponível aqui.
2 Disponível aqui.
3 O Federal Trade Commission Act é uma lei federal adotada nos Estados Unidos em 1914, que deu origem à Comissão Federal do Comércio. O órgão é responsável por dar ao governo dos Estados Unidos ferramentas legais na investidura contra a competição desleal no mercado americano. O ato também é conhecido por ser um dos pioneiros em ter como um dos principais objetivos a proteção integral dos consumidores contra práticas fraudulentas de produtores e fornecedores.
4 Disponível aqui.
5 THIERER, Adam. Kids. Privacy, Free Speech and the Internet: Finding the right balance. Disponível aqui. Acesso em: 20 set. 2021.
6 BAVITZ, Christopher; GUPTA, Ritu; OBERMAN, Irina; RITVO, Dalia. Privacy and Children's Data - An Overview of the Children's Online Privacy Protection Act and the Family Educational Rights and Privacy Act. Berkman Center Research Publication No. 23, [S.l], nov. 2013. Disponível em: SSRN. Acesso em: 20 set. 2021.
7 Definido pela lei como compartilhamento, venda, aluguel ou transferência de informações pessoais à terceiros.
8 Definido pela lei, de forma geral, como a pessoa física ou jurídica que gerencia website ou serviço online, coletando informações pessoais de seus usuários ou visitantes para diversos fins comerciais.
9 A lei define suporte ao website ou serviço online como aqueles que servem para manter ou analisar a funcionalidade, performance, conformidade e segurança do serviço, autenticidade dos usuários.
10 Nesse sentido, o consentimento dos pais ou responsáveis deve ser assegurado pelo fornecimento pelo operador de aviso sobre a coleta e eventual uso ou divulgação de informações pessoais de seus filhos, devendo obter dos representantes autorização verificável para qualquer das ações descritas.