Migalhas de Direito Privado Estrangeiro

Cláusula de washout em contratos do agronegócio

A cláusula de washout no agronegócio obriga o vendedor a pagar a diferença entre o preço acordado e o valor de mercado caso não entregue o produto. É comum em contratos agrícolas, garantindo indenização ao comprador.

13/11/2024

Uma cláusula comum no mercado do agronegócio, inclusive no internacional, é a washout clause. Ela advém da experiência contratual de outros países1, mas é plenamente lícita no direito brasileiro.

Em inglês, washout significa colapso, fracasso. Logo, em uma visão geral, a cláusula de washout é aquela que lida com o fracasso do contrato.

De modo mais específico, a cláusula de washout (ou cláusula de wash-out2) consiste no dever imposto ao vendedor de, no caso de não entrega da coisa (ainda que por caso fortuito), pagar ao comprador um valor correspondente à diferença positiva entre o preço de mercado da coisa no momento do vencimento e o preço originariamente pactuado.

A ideia é garantir ao comprador o dinheiro suficiente para, diante do não recebimento da coisa, adquirir a coisa no mercado. Em outras palavras, a cláusula transfere ao vendedor o risco pela não entrega da coisa, ainda que por caso fortuito.

Suponha que eu venda 100 sacas de soja pelo preço de R$ 14.000,00 a serem entregues no próximo mês. Se, no vencimento, eu não entregar as sacas por qualquer motivo e se o valor de mercado daquelas sacas de soja tiver subido para R$ 16.000,00, eu terei de pagar ao comprador R$ 2.000,00 por força da cláusula de washout, além de ter de devolver o preço eventualmente recebido. Com isso, o comprador poderá adquirir, de outro fornecedor, essas sacas.

Esse custo adicional que o comprador teria de suportar para adquirir o produto no mercado (no exemplo, o valor de R$ 2.000,00) é conhecido como valor de washout (washout value).3 Por vezes, na praxe contratual, usa-se o termo “washout” apenas para se referir a esse custo adicional (ex.: O vendedor tem de pagar o washout ao comprador).4

Trata-se de cláusula importantíssima pelo fato de ser comum o comprador ter o dever de entregar a soja a terceiros por força de outros contratos coligados celebrados. Se não fosse essa cláusula, o comprador poderia sofrer prejuízos por não conseguir cumprir obrigações que tenha assumido para repasse das sacas de soja.

Essa cláusula é muito comum no mercado do agronegócio em venda de produtos agrícolas (especialmente de safra futura), pois há diversos contratos interligados entre si destinados a garantir, ao final, a venda do produto ao consumidor final. A não entrega do produto em um dos contratos poderia causar um “efeito dominó” nocivo nos demais contratos, causando prejuízo a todos os envolvidos na rede contratual.

A natureza jurídica do valor pago pelo vendedor por força da cláusula de washout é indenizatória, fruto de uma prefixação contratual. Essa cláusula, portanto, tem a natureza jurídica de cláusula penal compensatória. No caso de a não entrega da coisa decorrer de caso fortuito, não há culpa do vendedor e, por isso, não se poderia falar em inadimplemento culposo. Todavia, mesmo aí, entendemos que a natureza jurídica da cláusula a mesma, prefixando uma indenização independentemente de culpa (responsabilidade contratual objetiva). Um efeito prático disso é que o valor pago não poderá ser considerado fato gerador do imposto de renda, pois é uma indenização.

Ressaltamos, porém, que, com fortes argumentos, os talentosos civilistas Paulo Nalin e Vitor Ottoboni Pava defendem que, na hipótese de inadimplemento fortuito, o valor devido por força da cláusula de washout deixa de ser considerada uma indenização e passa a ser uma prestação oriunda de uma obrigação de garantia.5

Independentemente da natureza jurídica, os grandes civilistas destacam, com razão, que o juiz deverá ser extremamente cauteloso para não se precipitar em revisar a cláusula de washout, seja por conta da regra de os contratos costumarem ser simétricos e paritários, seja porque o intervencionismo judicial poderá abalar a o equilíbrio econômico-financeiro da complexa cadeia contratual de que depende o mercado do agronegócio.6

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1 Grain Trade Australia, disponível aqui.

2 Também se popularizou a grafia “wash-out” para essa cláusula, embora a grafia registrada nos dicionários ingleses seja washout (substantivo) ou wash out (verbo).

3 Grain Trade Australia, disponível aqui.

4 Grain Trade Australia, disponível aqui.

5 NALIN, Paulo; PAVAN, Vitor Ottoboni. A cláusula Wash-out nos contratos de compra e venda de safra futura: natureza jurídica e efeitos para o inadimplemento. In: Civilista.com, a. 13, n. 13, 2024.

6 Ainda sobre a cláusula washout, ver: SOUZA, Pedro Guilherme Gonçalves de. A Cláusula de Wash-out no Comércio de Grãos e a não Incidência do PIS e da Cofins – Uma Análise Jurisprudencial. Revista Direito Tributário Atual nº 52. ano 40. p. 283-302. São Paulo: IBDT, 3º quadrimestre 2022; MARQUES, Isabela Mendes e JOVIALIANO, Pedro Duarte. Análise da cláusula de washout nos contratos de compra e venda futura de safra. Disponível aqui. Publicado em 02/03/2024; SAMPAIO, Gisela. A qualificação da cláusula de wash-out no Direito brasileiro. Disponível aqui. Publicado em 26/02/2024.

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Colunista

Carlos E. Elias de Oliveira é membro da Comissão de Reforma do Código Civil (Senado Federal, 2023/2024). Pós-Doutorando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor, mestre e bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). 1º lugar em Direito no vestibular 1º/2002 da UnB. Ex-advogado da AGU. Ex-assessor de ministro STJ. Professor de Direito Civil e de Direito Notarial e Registral. Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário (único aprovado no concurso de 2012). Advogado, parecerista e árbitro. Instagram: @profcarloselias e @direitoprivadoestrangeiro.