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Uma tríade no Direito Penal Médico - A questão do sigilo médico nas Suspeita de aborto pela paciente - Parte III

Se a própria paciente é suspeita da realização da manobra de abortamento, o médico teria ou não justa causa para quebrar o sigilo profissional e comunicar o fato à autoridade policial para os fins legais?

10/5/2024

1. A colocação da questão para seu perfeito entendimento

Iniciando a Parte III e final dos nossos estudos em Direito Penal Médico, tem vez aqui a seguinte questão: o médico se depara com o atendimento de uma paciente que precisa de cuidados com sua saúde e, em meio à consulta, o profissional passa a suspeitar que ela tentou praticar o aborto; por hipótese, imagine-se que o médico, ante essa suspeita de abortamento promovido pela paciente, comunica a autoridade policial acerca dos fatos.

A pergunta que se põe é a seguinte: havia justa causa para que o médico promovesse essa comunicação da suspeita de aborto para a autoridade policial? Em outras palavras, a quebra do sigilo médico profissional nessa situação foi justificada pela suspeita da prática do aborto? Ou não, mesmo diante dessa suspeita abortiva por parte da paciente, o Médico ainda assim estaria obrigado a guardar o sigilo profissional?

Importante frisar que a hipótese trata da suspeita de que a própria paciente realizou a tentativa de aborto por si mesma, e não que ela tenha sido vítima da prática de manobras abortivas pelas mãos de terceira pessoa – caso em que não se tem a menor dúvida de que, sim, o médico deve imediatamente acionar os órgãos diretivos da unidade de saúde para que o fato seja levado à autoridade policial.

Mas, voltando à hipótese ora em análise: e se a própria paciente é suspeita da realização da manobra de abortamento, o médico teria ou não justa causa para quebrar o sigilo profissional e comunicar o fato à autoridade policial para os fins legais?

Esta é a questão que aportou no Superior Tribunal de Justiça nos últimos anos, em cada uma de suas duas Turmas de Direito Criminal da 3.ª Seção de Direito Penal (5.ª e 6.ª Turmas Julgadoras), formando-se duas posições absolutamente antagônicas dentro da Corte até hoje.

Nesse cenário, como já visto, tentaremos responder às perguntas acima, ingressando-se agora na Parte III final da série de artigos tratando do Direito Penal Médico, recordando que o conteúdo abaixo foi extraído do capítulo “CRIMES MÉDICOS” do livro recém-lançado “O ERRO MÉDICO NOS TRIBUNAIS1.

2. A disciplina normativa do sigilo médico

Vamos aos artigos da legislação brasileira que disciplinam a questão, bem como ao disposto no Código de Ética Médica a teor do ponto controvertido.

O Sigilo Médico no Código Penal é tratado sob a rubrica da “Violação do Segredo Profissional”:

Art. 154. Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.

O Código de Processo Penal traz a seguinte hipótese de impedimento legal para que o profissional preste seu testemunho em juízo:

Art. 207. São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho.

Já no Código de Ética Médica, o Sigilo Médico vem tratado no Capítulo IX, sob o título “Sigilo Profissional” - É vedado ao médico:

Art. 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente.

Parágrafo único. Permanece essa proibição: a) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha falecido; b) quando de seu depoimento como testemunha. Nessa hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento; c) na investigação de suspeita de crime o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal.

Pois bem, sendo essa a regulamentação da questão na lei e no CEM, vejamos como a questão se comporta no Poder Judiciário brasileiro, a seguir.

3. A questão no Superior Tribunal de Justiça

3.1 Decisão da 5ª Turma do ano de 2019 – não há quebra do sigilo médico

O STJ, por orientação de sua 5.ª Turma em 2019, decidiu no sentido de que a suspeita de aborto nesse caso é justa causa suficiente para autorizar a quebra do sigilo médico:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. INADEQUAÇÃO. ABORTO PROVOCADO PELA GESTANTE. TRANCAMENTO. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 124 DO CP. CONTROLE DIFUSO. MEIO INADEQUADO. TEMA OBJETO DE CONTROLE CONCENTRADO PERANTE O STF NA APDF 442/DF. ILICITUDE DAS PROVAS. QUEBRA DO DEVER DE SIGILO PROFISSIONAL DO MÉDICO. NÃO ACOLHIMENTO DAS TESES DEFENSIVAS. INOCORRÊNCIA DE ILEGALIDADE. WRIT NÃO CONHECIDO. [...] 5. Sabe-se que o sigilo profissional é norma cogente e que, em verdade, impõe o dever legal de que certas pessoas, em razão de sua qualidade e de seu ofício, não prestem depoimento e/ou declarações, em nome de interesses maiores, também preservados pelo ordenamento jurídico, como o caso do direito à intimidade (art. 154 do Código Penal e art. 207 do Código de Processo Penal). A vedação, porém, não é absoluta, eis que não há que se conceber o sigilo profissional de prática criminosa. 6. A exemplo do sigilo profissional do advogado, já asseverou esta Quinta Turma que "o ordenamento jurídico tutela o sigilo profissional do advogado, que, como detentor de função essencial à Justiça, goza de prerrogativa para o adequado exercício profissional. Entretanto, referida prerrogativa não pode servir de esteio para impunidade de condutas ilícitas"(RHC 22.200/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, DJe 5/4/2010, grifou-se). 7. Na hipótese, a princípio, a conduta do médico em informar à autoridade policial acerca da prática de fato, que até o presente momento configura crime capitulado nos delitos contra a vida, não violou o sigilo profissional, pois amparado em causa excepcional de justa causa, motivo pela qual não se vislumbra, de pronto, ilicitude das provas presentes nos autos, como sustenta a defesa. 8. A situação posta no RE 91.218-5/SP, citado pela defesa, não se aplica ao caso em exame, na medida em que a controvérsia discutida nestes autos cinge-se na declaração ou não de ilicitude de todos os elementos de provas produzidos, oriundos da informação repassada pelo médico à autoridade policial acerca do cometimento em tese de um delito, que perpassa pelo óbito premeditado de um feto de 24 semanas, nascido com vida. 9. Writ não conhecido.2 (grifei)

Essa decisão do STJ, reconhecendo a justa causa na quebra do sigilo médico nessa hipótese, levou a que alguns Tribunais Estaduais se conduzissem da mesma maneira, como nos casos de decisões dos Tribunais de Justiça de Santa Catarina3 e de São Paulo4, quando tudo caminhava nesse sentido.

3.2 Decisões da 6ª Turma do ano de 2023 – há quebra de sigilo médico

Ocorre que, em duas reiteradas e recentes decisões do mesmo STJ, agora por sua 6.ª Turma em 2023, a questão ganhou novos contornos na jurisprudência brasileira, editando-se orientação em sentido oposto ao anteriormente decidido pela 5.ª Turma, dessa vez declarando-se que não há justa causa para a quebra do sigilo médico profissional no caso da suspeita de aborto por parte da paciente, sendo vedado ao médico a comunicação à autoridade policial.

Quanto à primeira decisão nesse sentido no mês de abril de 2023, segue apenas a notícia oficial extraída do site do STJ, uma vez que o processo não tem seu número e informações divulgadas pelo segredo de justiça:               

SEXTA TURMA TRANCA AÇÃO PENAL POR ABORTO AO VER QUEBRA DE SIGILO PROFISSIONAL ENTRE MÉDICO E PACIENTE. A constatação de quebra do sigilo profissional entre médico e paciente levou a Sexta Turma do STJ a trancar, nesta terça-feira (14), uma ação pena que apurava o crime de aborto provocado pela própria gestante (artigo 124 do Código Penal – CP). Além de ter acionado a polícia por suspeitar da prática do delito, o médico foi arrolado como testemunha no processo – situações que, para o colegiado, violaram o artigo 207 do Código de Processo Penal (CPP) e geraram nulidade das provas reunidas nos autos. Ao trancar a ação penal, a Sexta Turma determinou a remessa dos autos ao Ministério Público e ao Conselho Regional de Medicina ao qual o médico está vinculado, para que os órgãos tomem as medidas que entenderem pertinentes. De acordo com o processo, a paciente teria aproximadamente 16 semanas de gravidez quando passou mal e procurou o hospital. Durante o atendimento, o médico suspeitou que o quadro fosse provocado pela ingestão de remédio abortivo e, por isso, decidiu acionar a Polícia Militar. Após a instauração do inquérito, o médico ainda teria encaminhado à autoridade policial o prontuário da paciente para comprovação de suas afirmações, além de ter sido arrolado como testemunha. Com base nessas informações, o Ministério Público propôs a ação pena e, após a primeira fase do procedimento do tribunal do júri, a mulher foi pronunciada pelo crime do artigo 124 do CP. CPP proíbe médico de revelar segredo profissional obtido durante atendimento. O relator lembrou que, segundo o artigo 207 do CPP, são proibidas de depor as pessoas que, em razão de suas atividades profissionais, devam guardar segredo – salvo se, autorizadas pela parte interessada, queiram dar o seu testemunho.5

Já com relação à segunda decisão da mesma 6ª T. do STJ, que reiterou o mesmo posicionamento pela ausência de justa causa para a quebra do sigilo médico nessa hipótese, segue a íntegra da ementa do HC julgado no mês de outubro de 2023 nesse sentido:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 124 DO CÓDIGO PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. PEDIDO DE DECLARAÇÃO INCIDENTAL DA NÃO RECEPÇÃO DO INDIGITADO PRECEITO DE REGÊNCIA PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE DA VIA ELEITA. PENDÊNCIA DE JULGAMENTO DE ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. NULIDADE. ILICITUDE DA PROVA ANTE A SUPOSTA QUEBRA DO SIGILO PROFISSIONAL PELA MÉDICA QUE REALIZOU O ATENDIMENTO DA PACIENTE. OCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO DO SIGILO PROFISSIONAL. ORDEM CONCEDIDA. 1. O trancamento da ação penal por ausência de justa causa exige comprovação, de plano, da atipicidade da conduta, da ocorrência de causa de extinção da punibilidade, da ausência de lastro probatório mínimo de autoria ou de materialidade, o que se verifica na presente hipótese. 2. Inicialmente, quanto ao pedido defensivo de reconhecimento, incidenter tantum, no âmbito deste writ, da não recepção do art. 124 do Código Penal, esta Corte já teve a oportunidade, em diversas ocasiões, de sedimentar o entendimento de que se revela "[...] inviável a apreciação de matéria por esse Superior Tribunal de Justiça, em sede de controle difuso, diante de afetação do tema em sede de controle concentrado de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal" (HC n. 514.617/SP, relator Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 10/9/2019, DJe 16/9/2019). 3. Como cediço, esta Sexta Turma, recentemente, por ocasião do julgamento do Habeas Corpus n. 783927/MG, de relatoria do Ministro Sebastião Reis Júnior, reconheceu a ilicitude da prova e trancou ação penal também relativa a crime de autoaborto, supostamente cometido por paciente que se encontrava em situação similar a dos presentes autos, cuja investigação fora deflagrada a partir da provocação das autoridades competentes pelo próprio médico que realizara o atendimento da paciente. 4. Como bem consignado no parecer ministerial, "trata-se, tal garantia, de proteção jurídica ao direito à saúde, porquanto não deve o paciente se sentir tolhido ou ameaçado ao procurar ajuda médica; ao contrário, deve se sentir seguro e acolhido, para que sua saúde seja resguardada, ao contrário do que ocorreria se, por exemplo, as mulheres que optam pela prática do abortamento ilegal e, ato contínuo, enfrentam complicações que colocam em risco sua saúde e sua própria vida, não pudessem procurar socorro junto aos profissionais de saúde com receio de serem presas ou processadas criminalmente". 5. Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão, concedida, para reconhecer a ilicitude da prova e trancar a ação penal em relação a ora paciente quanto ao crime previsto no art. 124 do CP (HC 448.260/SP, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, 6ª Turma, j. em 3/10/23, DJe de 6/10/23.)

4. A questão no STF: uma decisão muito antiga e uma recente inaplicável ao caso

Colhe-se o posicionamento do Supremo Tribunal Federal na questão por meio de uma decisão já bastante antiga, do início da década de 1980, que assim trata da matéria:

SEGREDO PROFISSIONAL. A OBRIGATORIEDADE DO SIGILO PROFISSIONAL DO MÉDICO NÃO TEM CARÁTER ABSOLUTO. A MATÉRIA, PELA SUA DELICADEZA, RECLAMA DIVERSIDADE DE TRATAMENTO DIANTE DAS PARTICULARIDADES DE CADA CASO. A REVELAÇÃO DO SEGREDO MÉDICO EM CASO DE INVESTIGAÇÃO DE POSSÍVEL ABORTAMENTO CRIMINOSO FAZ-SE NECESSÁRIA EM TERMOS, COM RESSALVAS DO INTERESSE DO CLIENTE. Na espécie o hospital pôs a ficha clínica à disposição de perito médico, que "não estará preso ao segredo profissional, devendo, entretanto, guardar sigilo pericial" (art-87 do código de ética médica). Por que se exigir a requisição da ficha clínica? Nas circunstâncias do caso o nosocômio, de modo cauteloso, procurou resguardar o segredo profissional. Outrossim, a concessão do "writ", anulando o ato da autoridade coatora, não impede o prosseguimento regular da apuração da responsabilidade criminal de quem se achar em culpa. Recurso extraordinário conhecido, em face da divergência jurisprudencial, e provido. Decisão tomada por maioria de votos. (grifei)

Veja-se que a decisão, além de ser antiga, s.m.j., não se posiciona de maneira franca sobre a questão, deixando a ideia de que a revelação “faz-se necessária em termos, com ressalvas do interesse do cliente”, o que não permite uma conclusão certeira a meu ver.

Há uma decisão mais recente no STF em que a questão também tratava da comunicação da suspeita de aborto, mas a “denunciante” nesse caso foi uma enfermeira. Nesse caso, a paciente, contra quem pesava a suspeita do aborto e consequentemente estava sendo processada criminalmente por isso, impetrou um habeas corpus arguindo a nulidade da prova dos autos em virtude da ilícita quebra do sigilo profissional por parte da enfermeira, HC que acabou sendo denegado por 3x2, mas sem que se adentrasse no âmago da questão sobre o reconhecimento da justa causa ou não para a quebra do sigilo médico nesse caso7.

Nesse quadro, o que se tem no STF sobre a questão é o seguinte: 1) esta última decisão, muito embora trate da questão da comunicação sobre a suspeita de aborto da paciente, acabou não tenho o HC julgado no seu mérito e não se tratou de uma conduta de um Médico – portanto, não creio que pode ser usada como paradigma para a emissão de uma orientação segura para as futuras ações dos Médicos; 2) a outra decisão do STF, além de ser muito antiga, não é cabal em seus termos sobre se a situação é ou não considerada como quebra de sigilo médico profissional, também não podendo servir de base segura para uma orientação firme quanto à futura atuação dos Médicos, afastando-os de complicações jurídicas. 

5. Nossa orientação final e cabal

Há alguns pressupostos que foram contruidos ao longo dessa série de artigos no Direito Penal Médico para que possamos entregar qual a nossa orientação acerca da questão colocada e qual deve ser a postura do Médico ao se deparar com uma suspeita de aborto tentado pela própria paciente – se deve ou não promover a comunicação à autoriade policial da situação.

Primeiro que não se está aqui discutindo acerca da criminalização ou não da prática do aborto, o que, como vimos, é objeto de disciplina legal expressa no Código Penal, cuja constitucionalidade encontra-se em pleno julgamento pelo STF, que tem a palavra final. Em outras palavras, o debate aqui cinge-se em definir se o Médico pode ou não comunicar o fato e se isso representa ou não quebra do sigilo médico, com as consequências penais a partir daí.

Segundo, como vimos, ao menos segundo meu ponto de vista, as decisões proferidas pelo STF sobre a questão, no início da década de 80 e no ano passado, não são suficientes para a definição cabal da questão, seja porque uma delas é redigida em termos menos assertivos e é muito antiga, seja porque a outra não se refere especificamente ao Médico e não teve julgado o mérito da controversia em si, mas apenas aspectos formais foram considerados.

Já a decisão da 5ª Turma do STJ, que não reconheceu quebra do sigilo médico, ainda que acompanhada pelos Tribunais de Santa Catarina e de São Paulo, já é do distante ano de 2019, contando com aproximados 5 anos de prolação, de maneira que o cenário pode ter se modificado naqueles Tribunais nesse longo período, o que é próprio da jurisprudência.

De outro lado, o que se tem na 6ª Turma do STJ são duas decisões extremamente recentes e proferidas em dois momentos bem distintos do mesmo ano de 2023, o que conduz à convicção de que o pocionamento de abril certamente foi refletido e sedimentado no julgamento de outubro do ano passado, não só afirmando que houve quebra do sigilo médico por ausência de justa causa, como também foi determinada a instauração de procedimento criminal e ético-profissional contra o Médico.

Trata-se essa última da orientação mais assertiva e recente da Justiça brasileira sobre a questão que se tem notícia até aqui e se coaduna com a excepcional doutrina do Mestre Genival Veloso de França, para quem:Um dos casos mais comuns em nossa atividade é a constatação de prática criminosa de aborto, e, pelo visto, não se pode denunciar a paciente, pois ela está sujeita a procedimento processual8.

Tudo isso considerado e tomando-se em conta que a tarefa de fornecer orientação jurídica deve sempre ser a mais conservadora possível, visando que o seguimento dessa orientação jamais possa conduzir a uma situação de prejuízo ao Profissional de Medicina que aceita e confia no aconselhamento jurídico, minha firme posição, seguindo os passos do art. 73 do Código de Ética Médica, é no sentido de que o Médico não deve promover a comunicação da suspeita de tentativa de abortamento por parte da paciente se esta conduta partiu dela mesma, sob pena de, realizando a comunicação à autoridade policial, estar sujeito a um processo criminal, uma representação ético-profissional e ainda uma ação civil indenizatória por danos materiais e morais, tudo em seu prejuízo profissional e pessoal.

É como me posiciono, respeitosamente!

__________

1 SOUZA, Wendell Lopes Barbosa de. O Erro Médico nos Tribunais. Editora Foco, abril de 2024, cap. 12: Crimes Médicos.

2 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 514617/SP, Quinta Turma, Relator Ministro Ribeiro Dantas, Votação Unanime, Julgamento: 10/09/2019.

3 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, RSE: 50346546720208240038, Primeira Câmara Criminal, Relator Desembargador Paulo Roberto Sartorato, Julgamento: 03/03/2022.

4 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Processo n.º 2188894-33.2017.8.26.0000, 3.ª Câmara de Direito Criminal, Relator Desembargador Airton Vieira, Julgamento: 24/10/2017.

5 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Sexta Turma tranca ação penal por aborto ao ver quebra de sigilo profissional entre médico e paciente. Brasília, 14.03.2023. Disponível aqui. Acesso em: 10/05/2023.

6 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Recurso extraordinário 91.218 SP, Relator Ministro Djaci Falcão, Julgamento: 10/11/1981.

7 MIGALHAS, Redação. STF mantém ação penal contra mulher acusada de aborto por enfermeira. São Paulo, 14.04.2023. Disponível aqui. Acesso em: 10 jun. 2023.

8 VELOSO, Genival. Direito Médico. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 161.

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Colunistas

Fernanda Schaefer tem pós-Doutorado no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Bioética da PUC/PR, bolsista CAPES. Doutorado em Direito das Relações Sociais na UFPR, curso em que realizou Doutorado Sanduíche nas Universidades do País Basco e Universidade de Deusto (Espanha) como bolsista CAPES. Professora do UniCuritiba. Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Direito Médico e da Saúde da PUC/PR. Assessora Jurídica CAOP Saúde MP/PR.

Igor de Lucena Mascarenhas é advogado e professor universitário nos cursos de Direito e Medicina (UFPB / UNIFIP). Doutorando em Direito pela UFBA e doutorando em Direito pela UFPR. Mestre em Ciências Jurídicas pela UFPB. Especialista em Direito da Medicina pelo Centro de Direito Biomédico vinculado à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Miguel Kfouri Neto é desembargador do TJ/PR. Pós-doutor em Ciências Jurídico-Civis junto à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Mestre em Direito das Relações Sociais pela UEL. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Maringá. Licenciado em Letras-Português pela PUC/PR. Professor-Doutor integrante do Corpo Docente Permanente do Programa de Doutorado e Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA). Coordenador do grupo de pesquisas "Direito da Saúde e Empresas Médicas" (UNICURITIBA). Membro da Comissão de Direito Médico do Conselho Federal de Medicina.

Rafaella Nogaroli é assessora de desembargador no TJ/PR. Mestre em Direito das Relações Sociais pela UFPR. Especialista em Direito Aplicado, Direito Processual Civil e Direito Médico. Supervisora acadêmica do curso de especialização em direito médico e bioética da EBRADI. Coordenadora do grupo de pesquisas "Direito da Saúde e Empresas Médicas" (UNICURITIBA), ao lado do prof. Miguel Kfouri Neto. Diretora adjunta e membro do IBERC.

Wendell Lopes Barbosa de Souza é juiz de Direito do TJ/SP desde 2003 e Membro Titular da COMESP (Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do TJ/SP). Pós-doutor e professor da temática "Feminicídio" na pós em "Direitos Humanos, Saúde e Justiça" pelo POSCOHR, sediado na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Especialista em Direito Penal pela Escola Paulista da Magistratura. Mestre e doutor em Direito Civil Comparado pela PUC/SP. Pesquisa e Curso de Introdução ao Direito Americano na Fordham University – NY/EUA. Professor em diversas instituições. Autor de livro e publicações. MBA Executivo em Gestão da Saúde pela FGV.