1. Introdução aos delitos em espécie
Como visto na Parte I, na esfera penal, a mesma conduta médica objeto de uma ação civil indenizatória será agora analisada à vista da legislação penal do país, para a verificação se a ação ou omissão adotada pelo profissional de saúde se enquadra em alguma das hipóteses criminais previstas como delito.
Assim, a responsabilização será penal se a conduta médica for prevista como crime na lei penal brasileira, e a sanção será a imposição de uma pena criminal que pode ser desde uma multa até a reclusão do médico que atuou com culpa ou, excepcionalmente, na modalidade dolo eventual, tudo como já visto.
Como já dito, não se cogita sobre a prática de um ato criminal na prestação de serviços médicos movido por dolo direto, que é a vontade livre e consciente de realização da ação delituosa com a lesão da vítima ou provocação de sua morte, uma vez que a Medicina tem como base a busca pela promoção/recuperação da saúde e preservação da vida das pessoas.
As figuras penais passíveis de cometimento na prática da Medicina são, no mais das vezes, culposas (ausência do dever de cuidado na modalidade negligência, imprudência ou imperícia) e excepcionalmente dolosas, estas na modalidade dolo eventual (assunção do risco de produção do dano), como prevê o Código Penal brasileiro:
Art. 18 - Diz-se o crime:
Crime doloso
I - Doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;
Crime culposo
II - Culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.
Nesse cenário, como já visto, o Médico pode incidir em algum dos crimes abaixo estudados, ingressando-se agora na Parte II da série de artigos tratando do Direito Penal Médico, recordando que o conteúdo abaixo tem como fonte o capítulo “CRIMES MÉDICOS” do livro recém-lançado: “O ERRO MÉDICO NOS TRIBUNAIS”1.
2. Crimes contra a vida e a integridade física
2.1 Homicídio
Vamos começar pela mais grave potencialidade dos crimes médicos – o homicídio doloso (com dolo eventual – do caput) e o culposo (§3º), segundo o Código Penal brasileiro:
Art. 121. Matar alguém:
Pena - reclusão, de seis a vinte anos.
Homicídio culposo
§ 3.º - Se o homicídio é culposo:
Pena - detenção, de um a três anos.
Como prometido, de início temos dois casos de homicídio na área médica relatados pelo Eminente Desembargador Miguel Kfouri Neto do Tribunal de Justiça do Paraná:
HOMICÍDIO COM DOLO EVENTUAL: ERRO MÉDICO. PRONÚNCIA DO ACUSADO MARCOS POR HOMICÍDIO SIMPLES, COM DOLO EVENTUAL (ART. 121, CAPUT, CP), FALSIDADE IDEOLÓGICA (ART. 299, CP) E USO DE DOCUMENTO FALSO (ART. 304, CP). E IMPRONÚNCIA DO CORRÉU MÁRCIO EM RELAÇÃO AO DELITO DE HOMICÍDIO SIMPLES, COM DOLO EVENTUAL (ART. 121, CAPUT, CP). APELAÇÃO AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO E RECURSO EM SENTIDO ESTRITO INTERPOSTO PELA DEFESA DE MARCOS. 1) almejada pronúncia de márcio, formulada pelo promotor de Justiça. Desacolhimento. Inexistência de indícios suficientes de que ele participou do 1.º fato descrito na denúncia (homicídio simples). Manutenção da decisão de impronúncia. 2) pretensão, formulada pela defesa de marcos, de despronúncia, bem como de desclassificação do delito de homicídio simples, com dolo eventual, para a modalidade culposa. Inviabilidade. Indícios suficientes de que o recorrente assumiu o risco de produzir a morte da ofendida. Realização de cirurgia de colocação de prótese de silicone nos seios, sem a presença de médico anestesiologista. Indicativos, ademais, de utilização de excessiva dose de anestésico local (lidocaína), que supostamente contribuiu para a morte da vítima. Hipótese de hipertermia maligna, em princípio, afastada. Indícios, também, de que marcos praticou os delitos conexos de falsidade ideológica (art. 299, CP) e de uso de documento falso (art. 304, CP) indicados na denúncia. Questão a ser dirimida pelo Tribunal do Júri, competente para o julgamento da causa. Recursos desprovidos.2 (grifei)
HOMICÍDIO CULPOSO: ERRO MÉDICO. HOMICÍDIO CULPOSO (ART. 121, §§ 3.º E 4.º, CP). CONDENAÇÃO À PENA DE DOIS (2) ANOS DE DETENÇÃO, EM REGIME ABERTO. RECURSO DA DEFESA. 1) Pretensão de absolvição. Alegação de que o acusado estava impossibilitado de prestar atendimento à vítima, por ser o único médico plantonista no pronto-socorro do hospital santa casa de londrina e, ainda, por estar atendendo outros pacientes em estado grave. Desacolhimento. Paciente tabagista, com doença pulmonar obstrutiva crônica, e que, durante o internamento, apresentou esforço respiratório, com rebaixamento do nível de consciência. Comprovação de que o réu deixou de prestar atendimento à ofendida, mesmo tendo sido solicitado atendimento pela enfermeira em três ocasiões distintas (“às 21h30 do dia 22/05/2015, às 00h e às 03h do dia 23/05/2015”). Conduta omissiva que contribuiu para o óbito da paciente, diante da significativa piora de seu estado de saúde. Tese de inexigibilidade de conduta diversa. Rejeição. Comprovação de que os familiares da vítima que a acompanhavam no dia dos fatos somente ficaram exaltados após aguardarem por horas, sem sucesso, que ela recebesse atendimento médico, que deveria ser prestado pelo acusado. Piora do estado de saúde da vítima, que inclusive agonizava por falta de ar, que torna compreensível a apontada conduta dos familiares. Fato, ademais, que decorreu da própria omissão do acusado. Condenação mantida. 2) Dosimetria da pena. Redução. Parcial acolhimento. Circunstâncias do crime corretamente valoradas negativamente. Adequação, porém, do quantum de aumento da pena-base. Aplicação da fração de um oitavo (1/8) sobre o intervalo da pena. Precedentes desta câmara. Pretensão de exclusão da causa especial de aumento de pena prevista no art. 121, § 4.º, do código penal. Acolhimento. Imputação com base na mesma circunstância fática descrita para tipificar a negligência. Bis in idem configurado. Redução da pena definitiva para um (1) ano e três (3) meses de detenção, em regime aberto. 3) Pleito de substituição da pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, consistente em prestação pecuniária. Impossibilidade. Substituição da pena por duas restritivas de direitos corretamente operadas (art. 44, § 2.º, segunda parte, CP). Alegação de dificuldade no cumprimento das penas restritivas impostas, todavia, cuja análise compete ao juízo da execução. Apelo não conhecido nesta parte. Recurso parcialmente conhecido e, na parte conhecida, parcialmente provido.3 (grifei)
2.2 Aborto
O aborto é outro dos crimes contra a vida, também sujeito a julgamento pelo Tribunal do Júri, seja provocado pela própria gestante ou com seu consentimento (art. 124 do CP), seja o provocado por terceiro (artigos 125 e 126 do CP).
Obviamente que os limites desse trabalho não permitem adentrar de maneira aprofundada acerca de todas as questões em torno do aborto que estão em pleno debate no Brasil e em boa parte dos países do planeta há muito tempo e ainda presentes hodiernamente, de maneira que trataremos de sua atual conformação na lei brasileira e do recente voto da Ministra Rosa Weber do Supremo Tribunal Federal proferido no julgamento que cuida da análise da constitucionalidade da criminalização do aborto.
Iniciemos pela previsão dos delitos tais quais previstos no Código Penal4:
Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
Pena - detenção, de um a três anos.
Aborto provocado por terceiro
Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de três a dez anos.
Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de um a quatro anos.
A seguir, as hipóteses legais de não punição do aborto:
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto necessário
I - Se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II - Se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Na ADPF nº. 442 do STF, questiona-se a constitucionalidade da criminalização do aborto, distribuída à Min. Rosa Weber, que, antes de sua aposentadoria, votou pela descriminalização até o período de 12 semanas da gestação, conforme o dispositivo que segue:
A questão da criminalização da decisão, portanto, da liberdade e da autonomia da mulher, em sua mais ampla expressão, pela interrupção da gravidez perdura por mais de setenta anos em nosso país. À época, enquanto titular da sujeição da incidência da tutela penal, a face coercitiva e interventiva mais extrema do Estado, nós mulheres não tivemos como expressar nossa voz na arena democrática. Fomos silenciadas! Não tivemos como participar ativamente da deliberação sobre questão que nos é particular, que diz respeito ao fato comum da vida reprodutiva da mulher, mais que isso, que fala sobre o aspecto nuclear da conformação da sua autodeterminação, que é o projeto da maternidade e sua conciliação com todos as outras dimensões do projeto de vida digna. A vida digna e aceita como correta, do ponto de vista da moralidade majoritária social da década de 1940, excluía as mulheres da condição de sujeito de direito, seja ele de perfil político-democrático, seja de perfil de autonomia cívica. A ausência de representação política, a condição normativa atribuída, a cidadania de segunda classe a qual estavam categorizadas, permitiram sua fala por meio de representação da família, estrutura hierárquica e fundada no pater família. A maternidade e os cuidados domésticos compunham o projeto de vida da mulher, qualquer escolha fora desse padrão era inaceitável e o estigma social, certeiro. Transcorridas mais de oito décadas, impõe-se a colocação desse quadro discriminatório na arena democrática para uma deliberação entre iguais, com consideração e respeito. Agora a mulher como sujeito e titular de direito. Aí uma das razões pela qual convoquei a audiência pública. Oportunizar o procedimento democrático do debate público, com pluralidade de vozes, ante o caráter complexo e policêntrico do problema. A dignidade da pessoa humana, a autodeterminação pessoal, a liberdade, a intimidade, os direitos reprodutivos e a igualdade como reconhecimento, transcorridas as sete décadas, impõem-se como parâmetros normativos de controle da validade constitucional da resposta estatal penal. 187. Ante as razões expostas, julgo procedente, em parte, o pedido, para declarar a não recepção parcial dos art. 124 e 126 do Código Penal, em ordem a excluir do seu âmbito de incidência a interrupção da gestação realizada nas primeiras doze semanas.5
O Ministro Luís Roberto Barroso fez pedido de destaque da questão e o julgamento será retomado em ocasião oportuna em sessão plenária física.
2.3 Lesão corporal
O próximo delito passível de cometimento na prestação do serviço médico é a lesão corporal, que também pode ser dolosa (com dolo eventual) ou culposa, com a seguinte conformação legislativa:
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem (dolosa):
Pena - detenção, de três meses a um ano.
Lesão corporal de natureza grave
§ 1.º Se resulta:
I - Incapacidade p/ ocupações habituais p/ mais de 30 dias;
II - Perigo de vida;
III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;
IV - Aceleração de parto:
Pena - reclusão, de um a cinco anos.
§ 2.º Se resulta:
I - Incapacidade permanente para o trabalho;
II - Enfermidade incurável;
III perda ou inutilização do membro, sentido ou função;
IV - Deformidade permanente;
V - Aborto:
Pena - reclusão, de dois a oito anos.
[...]
Lesão corporal culposa
§ 6.º - Se a lesão é culposa:
Pena - detenção, de dois meses a um ano.
São inúmeros os casos de lesões corporais na seara médica, mas o espaço disponível neste momento permite apenas, daqui em diante, a indicação dos delitos e sua previsão legal.
3. Demais Crimes Médicos no Código Penal
3.1 Atestado falso
Por vezes, sem nenhuma má intenção e apenas pensando em ajudar, o Médico, de maneira inocente, pode cometer esse ato e incidir na previsão de um crime do Código Penal:
Art. 302 - Dar o médico, no exercício da sua profissão, atestado falso:
Pena - detenção, de um mês a um ano.
3.2 Falsa perícia
Aqui estamos tratando da responsabilidade criminal do Médico Perito, dentre outros:
Falsa Perícia
Art. 342 do CP. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
3.3 Omissão de socorro
Quando há o dever legal e a assistência médica não é prestada, incorre-se na denominada omissão de socorro:
Art. 135 do CP. Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública.
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.
3.4 Omissão de notificação de doenças compulsórias
Aqui a omissão é quanto à obrigação de notificação de doença compulsória:
Art. 269 - Deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
Sendo assim, o Médico, no exercício da profissão, quando se deparar com paciente portador de quaisquer das doenças listadas para notificação compulsória, como, por exemplo, Coronavírus (COVID-19), tem o dever de notificar às Autoridades Sanitárias.
4. Crimes previstos na legislação penal médica especial
Ainda, temos os crimes médicos previstos fora do Código Penal, em importantes leis que regulamentam relevantes aspectos do serviço de saúde do país, que também vamos apenas noticiar pela indicação da legislação vigente para conhecimento.
4.1 Lei de Esterilização Cirúrgica Ilícita (Lei n.º 9.263/96)
A esterilização cirúrgica é regida pelo art. 10 da Lei n. 9.263/96, alterada pela Lei n. 14.443/22. Já os crimes médicos previstos nos artigos 15 a 18 dessa mesma lei constituem-se exatamente quando o ato médico é realizado sem o atendimento aos requisitos legais para a execução da esterilização cirúrgica, iniciando-se a lista delituosa pelo artigo 15:
Art. 15. Realizar esterilização cirúrgica em desacordo com o estabelecido no art. 10 desta Lei.
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, se a prática não constitui crime mais grave.
Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço se a esterilização for praticada:
I - Durante os períodos de parto ou aborto, salvo o disposto no inciso II do art. 10 desta Lei.
II - Com manifestação da vontade do esterilizado expressa durante a ocorrência de alterações na capacidade de discernimento por influência de álcool, drogas, estados emocionais alterados ou incapacidade mental temporária ou permanente;
III - através de histerectomia e ooforectomia;
IV - Em pessoa absolutamente incapaz, sem autorização judicial;
V - Através de cesárea indicada para fim exclusivo de esterilização.
4.2 Lei de Biossegurança: as células-tronco (Lei n.º 11.105/05)
Aqui, da mesma forma, os crimes médicos são condutas que afrontam os próprios requisitos criados pela lei para o manejo do material genético humano, especialmente as células-tronco embrionárias, prevendo o art. 5.º da Lei de Biossegurança6 que:
Art. 5.º - É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:
I – Sejam embriões inviáveis; ou
II – Sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.
§ 1.º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.
Já os crimes médicos previstos nessa mesma lei, nos seus artigos 24 a 29, também se caracterizam por alguma conduta dos profissionais de saúde que descumprem os requisitos legais para o manejo do material genético humano, iniciando-se pelo artigo 24:
Art. 24. Utilizar embrião humano em desacordo com o que dispõe o art. 5.º desta Lei:
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
4.3 Lei de Transplantes de Órgãos e de Tecidos (Lei n.º 9.434/97)
Ainda e de igual maneira, os crimes médicos previstos nos artigos 14 a 20 da Lei de Transplantes de Órgãos e Tecidos (Lei n.º 9.434/97) são a exata descrição de condutas que infringem as normas legais vigentes para a realização dos transplantes, iniciando-se pelo 14:
Art. 14. Remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou cadáver, em desacordo com esta Lei.
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa, de 100 a 360 dias-multa.
§ 1.º Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa ou por outro motivo torpe:
Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa, de 100 a 150 dias-multa.
§ 2.º Se o crime é praticado em pessoa viva, e resulta para o ofendido:
I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;
II - Perigo de vida;
III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;
IV - Aceleração de parto.
Pena - reclusão, de três a dez anos, e multa, de 100 a 200 dias-multa.
§ 3.º Se o crime é praticado em pessoa viva e resulta para o ofendido:
I - Incapacidade para o trabalho;
II - Enfermidade incurável;
III - perda ou inutilização de membro, sentido ou função;
IV - Deformidade permanente;
V - Aborto
Pena - reclusão, de quatro a doze anos, e multa, de 150 a 300 dias-multa.
§ 4.º Se o crime é praticado em pessoa viva e resulta morte:
Pena - reclusão, de oito a vinte anos, e multa de 200 a 360 dias-multa.
5. Exercício ilegal da Medicina
Por fim, quanto aos delitos relacionados de alguma maneira à área médica, temos o exercício ilegal da Medicina:
Art. 282 – Exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
Parágrafo único - Se o crime é praticado com o fim de lucro, aplica-se também multa.
Essa é uma questão primordial sobretudo para os atuais Estudantes da Ciência Médica, a fim de evitar situações como a seguinte, em que o aluno foi desligado do curso universitário pelo exercício irregular da Medicina:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. EXERCÍCIO IRREGULAR DA MEDICINA. PENA DE DESLIGAMENTO DO CURSO IMPOSTA APÓS PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. POSSIBILIDADE. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E DA ISONOMIA. INOCORRÊNCIA. IMPROVIMENTO. [...] 6. Deve ser ressaltado que a aplicação de pena de desligamento do impetrante se mostra razoável, vez que a Instituição de Ensino possui autonomia para exigir dos seus alunos uma conduta de retidão moral, de forma a preservar a imagem da Instituição e de inibir ações desonestas pelos seus alunos, como o exercício irregular da Medicina. 7. Apelação improvida.7
Dessa forma, apresentados os crimes médicos em espécie, na Parte III dessa série de Direito Penal Médico veremos a questão central colocada para exame acerca do sigilo médico na hipótese de suspeita de aborto pela paciente e qual deve ser a postura do Médico, segundo minha visão frente à legislação, à jurisprudência e à doutrina nacionais mais atualizadas.
__________
1 SOUZA, Wendell Lopes Barbosa de. O Erro Médico nos Tribunais. Editora Foco, abril de 2024, cap. 12: Crimes Médicos.
2 BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. RSE 1525527-3/Curitiba, 1.ª Câm. Criminal, Rel. Juiz Benjamim A. de Moura e Costa, Rel. Designado p/ o acórdão Des. Miguel Kfouri Neto, por maioria de votos. j. 04.05.2017.
3 BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Apelação Criminal 0058533-59.2018.8.16.0014, Relator Desembargador Miguel Kfouri Neto, Julgamento 28/05/2022.
4 Consultar ainda a ADPF 54: permissão de aborto no caso de fetos anencéfalos.
5 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental 442/DF. Voto da Ministra Rosa Weber. Disponível aqui. Acesso em: 09 out. 2023.
6 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 3510, Rel. Min. Ayres Brito. Improcedente por maioria (6x5).
7 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 5.ª Região. Apelação cível 534143/PB, Relator Desembargador Federal Francisco Wildo. Julgamento 07/02/2012.