Desde o final do Século XX, vivemos a chamada "sociedade de risco" em que as espécies de responsabilidade civil "clássicas" – subjetiva e objetiva – e a teoria do risco não são suficientes a solucionar danos. Adicione-se, então, os princípios da precaução e da prevenção – funções preventivas da responsabilidade civil – parar tentar minimizar os riscos.
O princípio da precaução (“Princípio”) se origina na Alemanha, em idos de 1970, associado ao Direito Ambiental. O Princípio:
(…) é aquele que trata das diretrizes e valores do sistema de antecipação de riscos hipotéticos, coletivos ou individuais, que estão a ameaçar a sociedade ou seus membros com danos graves e irreversíveis e sobre os quais não há certeza científica; esse princípio exige a tomada de medidas drásticas e eficazes com o fito de antecipar o risco suposto e possível, mesmo diante da incerteza1.
O Princípio é composto por dois elementos básicos: (1) incerteza científica (incerteza, razoável e efetiva, de que um dano grave / irreparável ocorrerá); e (2) risco de dano (grave e irreversível). Há, ainda, duas condições formais do Princípio: (1) incerteza científica e a respectiva medida adotada deve ser transitória; e (2) pesquisa investigativa deve se manter em andamento – adotar medida para evitar o risco não isenta a pesquisa e análise de medida definitiva ao risco.
O Princípio não pode – e não deve – ser aplicado indiscriminadamente, a qualquer situação, fator, serviço, produto. Ao contrário, deve haver sopesamento entre liberdade e direitos de indivíduos e empresas perante novas tecnologias; bem como necessidade de reduzir riscos nocivos das novas tecnologias.
Assim, o Princípio deve ser aplicado considerando cautela, equilíbrio, razoabilidade e proporcionalidade. "[O] princípio da precaução não é um princípio da fatalidade, mas um princípio da inteligência"2.
O Princípio foi amplamente recepcionado pelo ordenamento jurídico brasileiro, sendo hoje utilizado na proteção do meio ambiente, saúde e defesa do consumidor.
Resta a pergunta: como aplicar o Princípio? Não há resposta fixa, inelástica. Ao contrário, as formas de o aplicar são indeterminadas, inúmeras, para que se analise e determine, caso a caso, qual a melhor forma de aplicar o Princípio. O que se pode sugerir são critérios para implementar o Princípio, a saber: (1) existência de risco de dano grave ou irreversível; (2) incerteza científica (constatada ou em início); (3) proporcionalidade e razoabilidade entre a medida adotada e seus efeitos; e (4) revisão da medida adotada após determinado período. Tudo isso baseado em análise científica e técnica sérias, utilizados os melhores conhecimentos e tecnologia da época, frente também aos fatores sociais, econômicos e ambientais.
Defendemos que a maneira mais importante de implementar, aplicar, o Princípio, é via informação, porque (1) é a forma mais barata e eficaz de implementação do Princípio; (2) não interfere no desenvolvimento da tecnologia; e (3) permite a livre e consciente escolha do indivíduo. Contudo, veja que não é qualquer ato de informação que será eficaz, apenas o informar compreensível, adequado, suficiente, verídico, tempestivo e atual.
Pois bem. A informação e o princípio da precaução são aplicados aos Organismos Geneticamente Modificados ("OGMs") por simples razão: não se concluiu, em termos técnico-científicos finais, sobre os riscos de consumo de alimentos OGMs.
Felizmente, o Brasil adotou a rotulagem obrigatória para alimentos OGMs, sem relacionamento limite máximo de OGM em alimentos (via batalha judicial vitoriosa para o último aspecto). Contudo, sustentamos críticas: o símbolo (triângulo em amarelo e preto) é agressivo, remete a substância venenosa, perigo, atenção e cuidado; desvirtualizando a sua finalidade.
A revisão do símbolo e modo de comunicação, então, a nosso ver, é medida indiscutível e imperiosa. Propomos o “combo” de (1) informações escritas e (2) visuais (símbolo); ausente linguagem técnica e de maneira extremamente objetiva.
Quanto às informações escritas, veja exemplo do que sugerimos:
Quanto ao símbolo, proximidade com o símbolo adotado pelos Estados Unidos parece funcionar. Isto é, designo que informe a presença de OGMs no alimento, em cores preto e branca, com a frase simples e direta "contém OGMs".
Símbolo e frase de alerta devem ser inseridos no painel principal do alimento; enquanto as informações escritas devem ser inseridas no painel da lista de ingredientes e da tabela de informação nutricional.
Considerações adicionais: informar, pura e simplesmente, não soluciona o impasse. Medidas complementares devem ser adotadas pela sociedade, cidadãos, cientistas, empresas privadas, ONGs, associações de defesa do consumidor e Poder Público. As que se destacam são: educação e participação.
Educação é via para criar consciência social. A cada uma das partes, dadas limitação e competência, cabe auxiliar e promover a educação sobre os OGMs. Tarefa árdua e complexa, considerando a taxa alta de analfabetismo do Brasil.
Educados e informados, deve-se instigar a participação em processos decisórios envolvendo OGMs. Aqui, valem as considerações para (des)contruções técnicas sobre os alimentos OGMs, bem como quanto ao modo de informar. Consultas e audiências públicas devem ser efetivamente participativas, de modo que o Poder Público considere o posicionamento da sociedade (consumidores e empresas).
Temas associados aos alimentos OGMs, especificamente o direito à informação, continuarão a ser discutidos: há discussões técnico-científicas que devem ser revisadas (vis a vis o desenvolvimento técnico atual e futuro); e verificar-se-á o aumento na (já presente) discussão sobre a rotulagem obrigatória nos Estados Unidos. País que seria defensor ferrenho dos alimentos OGMs (frente ao posicionamento conservador da Europa), passa a impor a rotulagem obrigatória em 2022, que não foi muito bem-vista pela sociedade, notadamente empresas do setor.
O Brasil já teria passado pelo nível primário, de implementação. Dizer "em tese" é preciso, porque nem todas as empresas do setor de alimentos "adotaram" a rotulagem obrigatória. Observação baseada nas análises técnicas realizadas por órgãos de defesa do consumidor.
No passado, em curto período de tempo, houve uma intensificação da fiscalização de presença / comunicação devida sobre os OGMs em alimentos. As medidas passaram, eventuais infrações continuaram (e continuam).
A nosso ver, é imprescindível um controle administrativo "pesado e poderoso", bem como o desenvolvimento de instrumentos jurídicos eficazes para repreender e cobrar o atendimento à legislação. A individualidade em cada caso é importante, de maneira que haja a devida fiscalização, respectiva análise e imposição de penalidade.
"Em conclusão, o tema é de fundamental importância e não deixará de ser discutido, ao menos, até que se possua um posicionamento formal e definitivo da ciência sobre os OGMs. Enquanto isso, deve-se informar a sociedade, educar, conscientizar e instigar a participação de todos em processos decisórios. Deve-se também continuar a investigar os alimentos OGMs, sobretudo seus riscos. (...) Toda pessoa possui o direito de saber o que está consumindo e de escolher se consome ou não determinado produto"3.
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1 LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 103.
2 No original: "[L]e principe de précaution n’est pas un príncipe de fatalité, mais un principe d’intelligence". (GRISON, Denis. Qu’est-ce que le príncipe de précaution? Paris: Libraire Philosophique J. Vrin, 2012, p. 70).
3 JAMBOR, Daniela Guarita. Organismos Geneticamente Modificados: precaução, informação e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Fórum, 2022, p. 166.