Migalhas de Direito Médico e Bioética

O SUS e a assistência farmacêutica na psiquiatria

Para que um medicamento seja ofertado pelo SUS em todo o território nacional, ele precisa ser analisado por um órgão de composição plural criado pela lei 12.401/2011, chamado Conitec - Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS.

25/7/2022

O que melhora o atendimento é o contato afetivo de uma pessoa com outra. O que cura é a alegria, o que cura é a falta de preconceito.”
Nise da Silveir

1. Panorama geral

No livro O Alienista, de Machado de Assis, Simão Bacamarte é um médico que cuida dos doentes da Casa Verde, uma instituição para pessoas “desequilibradas” na cidade de Itaguaí. Em um dado momento da narrativa, o referido alienista envia um ofício à Câmara da cidade ordenando que todas as pessoas do hospital (80% da população) fossem devolvidas ao convívio social. No ofício, explica “que se devia admitir como normal e exemplar o desequilíbrio das faculdades e, como hipóteses patológicas todos os casos em que aquele equilíbrio fosse ininterrupto”1.

A despeito da ironia do nosso escritor, as doenças psiquiátricas atingem boa parte da população. Cerca de 970 milhões de pessoas sofrem de transtornos mentais no mundo. São 166 milhões de adolescentes. Os números aumentaram ainda mais com a pandemia da covid-19. Estima-se que a prevalência de ansiedade e de depressão cresceu mais de 25% somente no seu primeiro ano2. No Brasil, um dos países mais atingidos pela depressão, existem 7.2 milhões de pessoas acometidas por ela3.

O presente texto visa analisar a assistência farmacêutica no SUS, que é um dos pilares da política de promoção da saúde mental. Ainda que outras estratégias assistenciais sejam fundamentais, a prescrição de medicamentos também é essencial para o tratamento de diversos quadros de doença mental4.

2. Relações nacional, estaduais e municipais de medicamentos ofertados pelo SUS

2.1 Lista nacional (RENAME)

Para que um medicamento seja ofertado pelo SUS em todo o território nacional, ele precisa ser analisado por um órgão de composição plural criado pela lei 12.401/11, chamado Conitec - comissão nacional de incorporação de tecnologias no SUS. Antes da sua criação, as tecnologias eram analisadas pela CITEC - comissão para Incorporação de tecnologias do ministério da saúde5.

O processo de incorporação é disciplinado pela lei antes referida e pelo decreto 7.646/11. Nele, é feita a análise das evidências científicas acerca da tecnologia. Também são abordadas questões de farmacoeconomia, para verificar custo-efetividade e o impacto orçamentário causado por sua eventual incorporação (§2º, do art. 19-Q, da lei 8.080/90, acrescentado pela lei 12.401/11). Após a elaboração do relatório pela Conitec, que poderá recomendar ou não a inclusão do tratamento no SUS, o processo é encaminhado para o secretário de ciência, tecnologia e insumos estratégicos, vinculado ao Ministério da Saúde (art. 20, do decreto 7.646/11). É ele quem dá a última palavra no processo de incorporação (art. 23).

Uma vez aprovada a incorporação de um medicamento, ele deverá estar disponível no SUS 180 dias após a publicação da portaria que o incorporou (art. 25, do decreto) e passará a constar da RENAME - Relação Nacional de Medicamentos, em que são arrolados todos os medicamentos oferecidos nacionalmente pelo SUS. Significa dizer que ela deverá ser entregue em todo o território nacional no prazo previsto.

2.2 Listas estaduais e municipais

Paralelamente à relação nacional, estados, DF e municípios podem ter suas próprias listas de medicamentos, com distribuição limitada aos seus territórios, em relações estaduais e municipais, estas últimas denominadas REMUME. Esses entes federados podem identificar doenças de maior prevalência e adotar as medidas que entenderem necessárias para combatê-las.

Ocorre que, a despeito de deixar margem para a ampliação do elenco de medicamentos, as relações estaduais e municipais podem gerar desigualdades quando se considera o território nacional. Isso se torna especialmente relevante quando as doenças atingem uma parcela importante da população, como é o caso dos transtornos mentais.

Por isso, é relevante que a RENAME possua um elenco satisfatório não só para o tratamento de doenças psiquiátricas, mas para outros agravos à saúde. Com isso, a igualdade prevista constitucionalmente no SUS será obedecida (art. 196, CF/88).

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunistas

Fernanda Schaefer tem pós-Doutorado no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Bioética da PUC/PR, bolsista CAPES. Doutorado em Direito das Relações Sociais na UFPR, curso em que realizou Doutorado Sanduíche nas Universidades do País Basco e Universidade de Deusto (Espanha) como bolsista CAPES. Professora do UniCuritiba. Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Direito Médico e da Saúde da PUC/PR. Assessora Jurídica CAOP Saúde MP/PR.

Igor de Lucena Mascarenhas é advogado e professor universitário nos cursos de Direito e Medicina (UFPB / UNIFIP). Doutorando em Direito pela UFBA e doutorando em Direito pela UFPR. Mestre em Ciências Jurídicas pela UFPB. Especialista em Direito da Medicina pelo Centro de Direito Biomédico vinculado à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Miguel Kfouri Neto é desembargador do TJ/PR. Pós-doutor em Ciências Jurídico-Civis junto à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Mestre em Direito das Relações Sociais pela UEL. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Maringá. Licenciado em Letras-Português pela PUC/PR. Professor-Doutor integrante do Corpo Docente Permanente do Programa de Doutorado e Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA). Coordenador do grupo de pesquisas "Direito da Saúde e Empresas Médicas" (UNICURITIBA). Membro da Comissão de Direito Médico do Conselho Federal de Medicina.

Rafaella Nogaroli é assessora de desembargador no TJ/PR. Mestre em Direito das Relações Sociais pela UFPR. Especialista em Direito Aplicado, Direito Processual Civil e Direito Médico. Supervisora acadêmica do curso de especialização em direito médico e bioética da EBRADI. Coordenadora do grupo de pesquisas "Direito da Saúde e Empresas Médicas" (UNICURITIBA), ao lado do prof. Miguel Kfouri Neto. Diretora adjunta e membro do IBERC.

Wendell Lopes Barbosa de Souza é juiz de Direito do TJ/SP desde 2003 e Membro Titular da COMESP (Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do TJ/SP). Pós-doutor e professor da temática "Feminicídio" na pós em "Direitos Humanos, Saúde e Justiça" pelo POSCOHR, sediado na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Especialista em Direito Penal pela Escola Paulista da Magistratura. Mestre e doutor em Direito Civil Comparado pela PUC/SP. Pesquisa e Curso de Introdução ao Direito Americano na Fordham University – NY/EUA. Professor em diversas instituições. Autor de livro e publicações. MBA Executivo em Gestão da Saúde pela FGV.