Migalhas Contratuais

Os efeitos da covid-19 nos contratos de locação de bens móveis

Os efeitos da covid-19 nos contratos de locação de bens móveis.

1/6/2020

Texto de autoria de Cesar Calo Peghini e Renato Mello Leal

"Inteligência é a capacidade de se adaptar a mudanças.
A genialidade é antes de tudo a habilidade de aceitar a disciplina".
Srephen Hawking

Muitos e excelentes artigos jurídicos têm sido escritos e publicados, inclusive e especialmente nesta coluna Migalhas Contratuais, acerca dos impactos da pandemia da covid-19 sobre as relações contratuais.

De fato, as necessárias e prudentes restrições impostas pelas autoridades públicas à maior parte das pessoas e respectivas atividades geram inevitáveis alterações em suas rotinas, hábitos e negócios, o que repercute em praticamente todos os contratos, sejam eles civis, empresarias ou de consumo, haja vista que a maioria das relações interpessoais são disciplinadas por contratos.

Nesse sentido, relevante tem sido a contribuição da comunidade jurídica acadêmica na análise e divulgação dos efeitos desta gravíssima pandemia nas mais diversas espécies de contratos, inclusive e especialmente nos contratos de locação de imóveis, sejam eles comerciais ou residenciais, com suas respectivas particularidades, pois nos imóveis comerciais, via de regra, houve uma grande diminuição – quiçá impossibilidade – de fruição, enquanto que nos imóveis residenciais, por outro lado, a flagrante tendência foi de incremento na utilização, inclusive por força da quarentena que adveio da lei Federal 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, que dispôs sobre as medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública envolvendo a covid-19, bem como do decreto Federal 10.282, de 20 de março de 2020, que regulamentou a referida lei, provocando, em larga medida, o aumento da atuação profissional em home office, de tal modo que, em geral, as pessoas passaram a ficar muito mais tempo dentro de suas residências.

O maior foco na análise dos impactos da pandemia nas locações imobiliárias é plenamente justificável não apenas por elas fazerem parte do cotidiano da maioria dos brasileiros, que via de regra não possuem imóveis próprios, dependendo, portanto, da locação de imóveis residenciais e comerciais de terceiros, mas principalmente pela circunstância desses contratos, quanto ao momento do seu cumprimento, serem classificados como de trato sucessivo ou de execução continuada.

Ao revés, nos contratos classificados como instantâneos ou de execução imediata, os efeitos da pandemia geram pouco ou nenhum efeito, pois tanto o aperfeiçoamento quanto o cumprimento de tais contratos se operam de imediato, como é o caso, por exemplo, de uma compra e venda à vista de gêneros alimentícios em um supermercado, ou até mesmo de uma compra e venda à vista de máscaras descartáveis em uma farmácia. Neste último exemplo, é interessante observar que o motivo da contratação é a pandemia da covid-19, mas os efeitos desta sobre tal contrato são inexistentes.

Por outro lado, nos contratos de execução continuada ou de trato sucessivo, dentre os quais o contrato de locação imobiliária é um clássico exemplo, o cumprimento das obrigações de ambas as partes (a do locador disponibilizando o imóvel e a do locatário pagando os aluguéis) se dá de modo sucessivo ou periódico.

Não se olvide que há uma terceira categoria nessa classificação quanto ao momento do cumprimento do contrato, qual seja, a dos contratos de execução diferida, em que o cumprimento se dá de uma só vez, mas posteriormente ao momento do aperfeiçoamento do contrato, como é o caso de uma compra e venda de um bem móvel a prazo, em que o negócio se aperfeiçoa com a entrega da coisa, mas o pagamento se dá no futuro, mediante o pagamento de um boleto bancário com vencimento para dali a 30 dias, por exemplo. Não há dúvidas de que esses contratos também podem ser afetados pelas consequências da pandemia, mas as hipóteses são mais restritas e fogem do escopo do presente artigo.

Voltando aos contratos de execução continuada ou de trato sucessivo, é perfeitamente possível que, no momento do aperfeiçoamento de um contrato de locação de um imóvel comercial, por exemplo, o cenário econômico, político e social seja um, que esse estado de coisas se mantenha estável inclusive por um longo período, mas que, a partir de um determinado momento, seja tal contrato direta e fortemente impactado por um evento extraordinário e imprevisível, que dificulte o cumprimento das obrigações contratuais das partes, como é o caso da pandemia que atualmente nos castiga.

Mas há uma outra espécie de locação, a de bens móveis, que, a despeito de ser regida por um outro diploma legal, também é naturalmente um contrato de execução continuada ou de trato sucessivo, contrato esse igualmente impactado pelos efeitos da pandemia, mas de maneira diferente, dadas as peculiaridades que decorrem da própria natureza da coisa locada.

À primeira vista, pode parecer que o contrato de locação de bens móveis seja um negócio jurídico de menor relevância econômica. No entanto, além do clássico exemplo da locação de veículos, setor econômico nada desprezível, que atende não apenas aqueles que viajam a lazer ou a negócios, mas também milhares de motoristas de aplicativos e inúmeras e gigantescas frotas de empresas diversas, como daquelas que prestam serviços de telecomunicações, há um outro segmento de grande envergadura econômica que também envolve a locação de bens móveis, qual seja, aquele que fornece para a construção civil – uma das molas propulsoras da economia nacional –, os mais diversos equipamentos auxiliares de tal atividade, tais como guindastes, gruas, elevadores de cremalheira, plataformas de trabalho aéreo, andaimes suspensos e tubulares, fôrmas para concreto, escoramentos metálicos, equipamentos de proteção coletiva, dentre outros.

Diversamente da locação imobiliária, regida por legislação esparsa, especificamente pela Lei Federal n.º 8.245, de 18 de outubro de 1991, com suas alterações, promovidas, dentre outras, pela lei Federal 12.112, de 09 de dezembro de 2009, a locação de bens móveis é regida pelo próprio Código Civil de 2002, precisamente pelos artigos 565 a 578.

Também de modo diferente do que ocorre com a locação imobiliária, a locação de bens móveis sofre impactos de mais fácil solução em decorrência da pandemia da covid-19, e isso em decorrência da própria natureza da coisa locada.

É que na locação de bens móveis, a própria mobilidade do objeto contratual facilita a devolução das coisas locadas e a subsequente extinção do contrato, caso as partes contratantes não cheguem a bons termos quanto ao reequilíbrio econômico‑financeiro do negócio, especialmente quando os bens móveis locados estiverem empregados em atividades tidas como não essenciais.

De fato, se os bens móveis locados estiverem empregados em atividades tidas como essenciais, não nos parece haver razão para a alteração das bases negociais, pois, via de regra, o locatário estará desenvolvendo normalmente as suas atividades empresariais, recebendo também regularmente as respectivas contraprestações, de tal modo que não se apresenta como razoável a sua eventual pretensão de, em tais circunstâncias, buscar a redução ou inexigibilidade temporária dos aluguéis dos bens móveis empregados na sua atividade, sob pena inclusive de violação aos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, em sua eficácia interna. A título de exemplo, imaginemos os contratos de locação de ambulâncias para o transporte de enfermos ou os contratos de locação de equipamentos metálicos auxiliares da construção de hospitais definitivos e de campanha, de obras públicas de infraestrutura e de saneamento básico, dentre outras obras inequivocamente tidas como essenciais.

Sobre a essencialidade ou não das atividades em tempos de quarentena e de isolamento social, não se pode olvidar que o Brasil é um país de dimensões continentais, com grande variedade de culturas, hábitos, atividades econômicas e fluxo de pessoas.

Também por essa razão, nos pareceu acertada a decisão do Supremo Tribunal Federal ao reconhecer, em 15 de abril de 2020, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6341, a competência concorrente dos entes federativos para, dentre outras ações administrativas e normativas, legislarem sobre a essencialidade ou não de certas atividades, pois com isso são melhor consideradas e atendidas as particularidades de cada região, inclusive no tocante à velocidade e abrangência do contágio comunitário pela covid-19.

Com isso, é perfeitamente possível que uma atividade específica seja considerada como essencial num certo estado, no Distrito Federal ou num determinado município, ao mesmo tempo em que, em outros entes federativos, a mesmíssima atividade seja considerada como não essencial e, por conta disso, seja legitimamente impedida de prosseguir em operação durante o período de quarentena e de isolamento social.

É justamente nesse ponto que residem as maiores dificuldades, pois, como vimos, são nas atividades não essenciais que pode se verificar de modo legítimo a necessidade de alteração das bases negociais de um contrato de locação de bens móveis e pode haver, como de fato há, uma diversidade de enquadramentos de certas atividades, Brasil afora, como essenciais ou como não essenciais.

Um ótimo exemplo disso é a atividade da construção civil e a sua respectiva cadeia produtiva, aqui incluída a locação de equipamentos metálicos que lhe são auxiliares, tais como fôrmas, andaimes e escoramentos. No município de São Paulo, por exemplo, os serviços de construção civil em geral e também a comercialização de materiais de construção são consideradas atividades essenciais, nos termos do anexo único e do artigo 2º do decreto municipal 59.298, de 23 de março de 2020, alterado, dentre outros, pelo decreto municipal 59.405, de 08 de maio de 2020. Por outro lado, no Estado do Ceará, somente as obras públicas foram excepcionadas, pelo respectivo inciso VIII, da determinação de suspensão de funcionamento de que trata o artigo 1º do decreto Estadual 33.519, de 19 de março de 2020, alterado, dentre outros, pelo decreto Estadual 33.544, de 19 de abril de 2020.

Como se vê, no município de São Paulo continuam em pleno funcionamento, por exemplo, as obras privadas de construção de edifícios, sejam eles residenciais ou comerciais. Todavia, no Estado do Ceará, as mesmíssimas obras estão impedidas de funcionar.

Nesses locais e casos em que as obras estão suspensas por imperativo normativo, tem sido muito frequente que as construtoras locatárias notifiquem as empresas locadoras dos respectivos equipamentos auxiliares, alegando que a pandemia provocada pelo novo coronavírus seria um motivo de força maior ou um caso fortuito, pretendendo com isso eximir-se totalmente de suas contraprestações contratuais de pagamento dos aluguéis enquanto as suas obras estiverem suspensas, ainda que permanecendo na posse direta de tais equipamentos.

Não é essa, no entanto, a solução jurídica que nos parece a mais adequada. Como se sabe, no que diz respeito ao inadimplemento das obrigações, o caso fortuito e a força maior estão previstos no artigo 393, caput e parágrafo único, do Código Civil de 2002.

Conforme as lições de Flávio Tartuce1, caso fortuito é um evento totalmente imprevisível, enquanto a força maior é um evento previsível, mas inevitável.

A despeito da distinção entre os dois institutos ser academicamente importante, tanto que é feita, muito embora com algumas divergências conceituais, pela maioria – quiçá pela totalidade – dos doutrinadores civilistas, o fato é que, na prática, tal diferenciação é de pouca relevância, quer por ser muito tênue a diferença entre as duas figuras em alguns casos concretos, quer porque a consequência prática de ambas costuma ser a mesma, qual seja, a extinção da obrigação sem consequências para as partes. Corroborando esse entendimento, vejamos os seguintes ensinamentos de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho2:

Advertimos, outrossim, que as situações da vida real podem tornar muito difícil a diferenciação entre caso fortuito e força maior, razão por que, a despeito de nos posicionarmos a respeito do tema, diferenciando os institutos, não consideramos grave erro a identificação dos conceitos no caso concreto.

Ademais, para o direito obrigacional, quer tenha havido caso fortuito, quer tenha havido força maior, a consequência, em regra, é a mesma: extingue-se a obrigação, sem qualquer consequência para as partes.

Seja como for, não nos parece ser o artigo 393 do Código Civil a norma aplicável a contratos de trato sucessivo ou de execução continuada afetados pela pandemia da covid-19, isto é, àqueles contratos que geram obrigações sucessivas que se protraem no tempo, sendo o contrato de locação de bens móveis, como vimos, um clássico exemplo de tal modalidade contratual, haja vista que a prestação convencional de disponibilização do bem locado se renova mensalmente, ao mesmo tempo em que também se renova mensalmente a contraprestação obrigacional de pagamento dos aluguéis.

Ora, vimos que a principal consequência do caso fortuito ou força maior é a extinção da obrigação, sem culpa, isentando as partes de responsabilidades, o que parece ir de encontro ao princípio da conservação contratual, um dos corolários da função dos contratos, especial e naturalmente naqueles de trato sucessivo.

Além disso, a própria parte final do caput do artigo 393 do Código Civil traz a seguinte e expressa ressalva quanto à ausência de responsabilidade pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior: "se expressamente não se houver por eles responsabilizado". Ou seja, ainda que fosse aplicável o artigo 393 aos contratos de locação de bens móveis impactados pela pandemia do novo coronavírus, em muitos casos os locatários teriam ainda assim de responder pelos prejuízos resultantes do suposto caso fortuito ou de força maior, haja vista que é muito frequente, nos contratos de locação de móveis, que haja cláusula prevendo a responsabilidade do locatário pelos eventos decorrentes de caso fortuito ou força maior. E isso decorre do fato do locatário estar na posse direta do bem. Ora, sendo a posse um dos atributos da propriedade, é natural que as partes de um contrato de locação de bens móveis convencionem regra similar à da res perit domino, segundo a qual a coisa perece nas mãos do dono, ou, no caso, nas mãos daquele que estiver na posse direta do bem, inclusive por serem deste os respectivos deveres de guarda e conservação da coisa locada.

Como se não bastasse, o artigo 575 do Código Civil de 2002, inserido no Capítulo que trata da Locação de Coisas, também prevê que é o locatário quem responde por dano decorrente de caso fortuito, valendo ressaltar que, atualmente, tanto a doutrina quanto a jurisprudência conferem rigorosamente o mesmo tratamento jurídico tanto para o caso fortuito quanto para a força maior, haja vista a identidade de efeitos para ambos os institutos jurídicos. Aliás, também vimos que essa regra de que é o locatário quem responde pelos infortúnios decorrentes de caso fortuito ou força maior decorre não apenas da lei e do contrato, mas inclusive dos costumes, ou seja, das regras de tráfego, pois é intuitivo que, nos contratos em que há transferência da posse direta da coisa, quem deve responder pelos eventos de caso fortuito ou força maior é quem estiver na posse da coisa, até mesmo por influência da referida regra da res perit domino.

Até aqui, parece-nos ter restado evidenciado que não é o artigo 393 do Código Civil que deve ser aplicado para os impactos da pandemia da covid-19 sobre as relações contratuais, inclusive e especialmente sobre os contratos de locação de bens móveis.

Para reforçar tal conclusão, vejamos as seguintes e recentes lições de José Fernando Simão3, em artigo publicado nesta mesma coluna Migalhas Contratuais:

Em tempos de coronavírus, revisitar as categorias jurídicas é preciso. Preciso, como necessário. A precisão teórica é o objetivo.

(...)

A força maior (e, aqui, acreditem: é inútil fazer a distinção com o caso fortuito como se verá a seguir e mais inútil ainda se fazer a distinção entre fortuito externo e interno) conta com definição legal (art. 393, parágrafo único, do CC).

(...)

Por que a distinção é irrelevante para se abordar os efeitos do vírus sobre as relações contratuais? A um porque não se há distinção eficacial entre o caso fortuito e a força maior (explico isso a seguir). A duas porque não se trata de caso fortuito nem de força maior a pandemia.

(...)

Se a prestação é exequível, porém de maneira mais custosa ao devedor, não estamos diante da força maior em seu sentido clássico. Isso porque há uma figura específica para resolver exatamente essa situação. Há categoria própria.

(...)

Há uma pandemia e, por ato do Poder Executivo, os Shoppings Centers fecham. Não há público, não há faturamento. O shopping center cobra dos lojistas a componente fixa do aluguel. Há uma pandemia e o comércio de rua, por ato do Estado, fecha suas portas. Não há público e o lojista precisa pagar o aluguel. A pergunta que cabe em ambos os casos é: há uma impossibilidade de se cumprir a prestação que é pecuniária (dar dinheiro)?

A resposta é obviamente negativa. Aliás o jornal Valor econômico de hoje, dia 27.03.2020, afirma que “caixa alto ajuda grandes empresas a enfrentar a crise”. Segundo o jornal, 85% das companhias que tem ação na bolsa conseguem honrar seus compromissos trabalhistas mesmo que ficassem 12 meses sem faturar. E metade das empresas restantes (15%, portanto) suportariam 6 meses. São 97 empresas não financeiras que fazem parte do IBOVESPA e do Índice Small Caps.

(...)

Há setores da economia realmente colapsados pelo caos pandêmico e o confinamento preventivo.

Alguns contratos têm o sinalagma afetados por conta das mudanças profundas verificadas entre o momento de sua celebração e o de sua execução. A alteração radical da base do negócio exige que se busque um reequilíbrio das prestações, se possível, ou sua resolução, se impossível.

(...)

Assim, a base jurídica da revisão contratual será, em leitura alargada, o art. 317 do Código Civil. In verbis: Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

(...)

Em notas conclusivas, podemos afirmar que será intenso o trabalho do Poder Judiciário para garantir a conversação dos contratos firmados pré-pandemia, ou seja, 20 de março de 2020.

A tendência de resolução do contrato, bem como de suspensão total de seus efeitos é nefasta ao equilíbrio contratual e ao sistema jurídico como um todo, com gravíssimos reflexos econômicos.

Como se vê, a pandemia da covid-19 pode, em tese, configurar hipótese de onerosidade excessiva para uma das partes, o que permitiria a revisão contratual, nos termos do art. 317 do CC, a fim de se restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, mas não se admite, em absoluto, a simples exoneração de responsabilidades do devedor por suposto motivo de caso fortuito ou força maior.

E mais, em se tratando de contrato de execução continuada ou de trato sucessivo, como é o caso do contrato de locação de bens móveis, o dispositivo legal efetivamente aplicável é o art. 478 do Código Civil, que assim preceitua: "Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato".

Registre-se, por oportuno, que o artigo 478 do Código Civil exige a presença de diversos requisitos concomitantes, dentre eles a "extrema vantagem para a outra" parte do contrato, em contraposição à onerosidade excessiva verificada para uma delas. Não nos parece despropositado admitir que a pandemia da covid-19 seja um acontecimento extraordinário e imprevisível. Também é possível admitir que em razão disso teria surgido uma onerosidade excessiva para o locatário, especialmente quando este estava empregando a coisa locada em uma atividade regionalmente considerada como não essencial. Mas não nos parece razoável admitir que tais circunstâncias provoquem "extrema vantagem" para a locadora, muito pelo contrário, pois é de se presumir que a locadora dos bens móveis também esteja sofrendo intensamente todos os impactos da pandemia da covid-19, com queda abrupta no fechamento de novos contratos, aumento significativo da inadimplência de seus clientes e subsequente redução dramática de suas receitas.

Feitas todas essas ponderações, parece-nos que, diante da pandemia da covid-19, as alternativas que estariam legitimamente à disposição dos locatários de bens móveis, especialmente daqueles que empregam as coisas locadas em atividades não essenciais, seriam as seguintes: a) pleitear amigável ou judicialmente a revisão do contrato, por onerosidade excessiva, nos termos do artigo 317 do Código Civil, a fim de que se restabeleça o equilíbrio econômico-financeiro do contrato; ou b) resilir unilateralmente o contrato, contanto que antes proceda à devolução à locadora das coisas locadas.

Registre-se que a renegociação das bases do contrato é a meta a ser buscada, tanto por uma questão de respeito ao princípio da conservação contratual, desdobramento da eficácia interna da função social dos contratos, quanto porque o locador, ao se deparar com as dificuldades do locatário que teve as suas atividades suspensas em decorrência da pandemia, seja por força do princípio constitucional da solidariedade social ou da fraternidade, seja por uma questão de cooperação, dever anexo ao princípio contratual da boa-fé objetiva, tem o dever de renegociar.

REFERÊNCIAS

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume 2: obrigações – 20. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

SIMÃO, José Fernando. O contrato nos tempos da covid-19. Esqueçam a força maior e pensem na base do negócio. Migalhas Contratuais. 03 abr. 2020. Disponível aqui. Acesso em: 30 maio 2020.

TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v.2: direito das obrigações e responsabilidade civil – 12. ed. rev. atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017.

*Cesar Calo Peghini é doutor em Direito Civil pela PUC/SP. Mestre em Função Social do Direito pela FADISP. Especialista em Direito do Consumidor na experiência do Tribunal de Justiça da União Europeia e na Jurisprudência Espanhola, pela Universidade de Castilla-La Mancha, em Toledo, Espanha. Especialista em Direito Civil pela Instituição Toledo de Ensino (ITE). Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD). Graduado em Direito pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Professor da Rede de Ensino Luis Flávio Gomes (LFG). Professor em cursos de pós-graduação lato sensu da Escola Paulista de Direito (EPD). Professor da pós-graduação do Centro Universitário Mackenzie. Membro fundador do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCont). Autor de livros e artigos jurídicos. Advogado em SP.

**Renato Mello Leal é mestrando em Função Social do Direito pela Faculdade FADISP. Especialista em Direito Contratual pela Escola Paulista de Direito (EPD). Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Graduado em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE). Professor em cursos de pós-graduação lato sensu da Escola Paulista de Direito (EPD). Membro fundador do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCont). Autor de artigos jurídicos. Advogado em SP.

__________

1 TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v.2: direito das obrigações e responsabilidade civil – 12. ed. rev. atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 214.

2 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume 2: obrigações – 20. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 325.

3 SIMÃO, José Fernando. O contrato nos tempos da covid-19. Esqueçam a força maior e pensem na base do negócio. Migalhas Contratuais. 03 abr. 2020. Disponível aqui. Acesso em: 30 maio 2020.

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Eroulhts Cortiano Jr. é professor da Faculdade de Direito da UFPR. Doutor em Direito pela UFPR. Pós-doutor em Direito pela Universitá di Torino e pela Universitá Mediterranea di Reggio Calabria. Conselheiro Estadual da OAB/PR. Secretário-geral do IBDCONT. Advogado em Curitiba/PR.

Flávio Tartuce é pós-doutor e doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP. Professor Titular permanente e coordenador do mestrado da Escola Paulista de Direito (EPD). Professor e coordenador do curso de mestrado e dos cursos de pós-graduação lato sensu em Direito Privado da EPD. Patrono regente da pós-graduação lato sensu em Advocacia do Direito Negocial e Imobiliário da EBRADI. Diretor-Geral da ESA da OABSP. Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCONT). Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família em São Paulo (IBDFAMSP). Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico.

José Fernando Simão é professor da USP. Advogado.

Luciana Pedroso Xavier é professora da Faculdade de Direito da UFPR. Doutora e Mestre em Direito pela UFPR. Advogada sócia da P.X Advogados.

Marília Pedroso Xavier é professora da graduação e da pós-graduação stricto sensu da Faculdade de Direito da UFPR. Doutora em Direito Civil pela USP. Mestre e graduada em Direito pela UFPR. Coordenadora da Escola Superior de Advocacia da OAB/PR. Diretora do Instituto Brasileiro de Direito Contratual - IBDCONT. Mediadora. Advogada do PX ADVOGADOS, com especialidade em Famílias, Sucessões e Empresas Familiares.

Maurício Bunazar é mestre, doutor e pós-doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Diretor executivo e fundador do IBDCONT. Professor do programa de mestrado da Escola Paulista de Direito. Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e do IBMEC-SP.