Texto de autoria de Bruna Duarte Leite
"Mediante essas regras, consegue o homem diminuir,
de muito, o arbitrário da vida social, a desordem dos interesses,
o tumultuário dos movimentos humanos à cata
do que deseja, ou do que lhe satisfaz algum apetite"
(Pontes de Miranda, F. C. Tratado de direito privado. t. II. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 13).
Resumo: o objetivo do presente artigo é discriminar as consequências da alteração e do cancelamento de passagens aéreas, tanto pelo consumidor quanto pelo transportador, em face da legislação aplicável ao contrato de transporte aéreo de pessoas, considerando-se, nesse particular, a MPV 925/2020, que dispõe sobre medidas emergenciais para a aviação civil brasileira em razão da pandemia da covid-19.
Sumário: 1 – Introdução. 2 – As regras jurídicas aplicáveis ao transporte aéreo de pessoas. 3 – As consequências do coronavírus para o transporte aéreo de pessoas. 3.1 – A alteração de passagens aéreas adquiridas até 31/12/2020. A. Alteração pelo consumidor. B. Alteração pelo transportador. 3.2. O cancelamento de passagens aéreas adquiridas até 31/12/2020. A. Cancelamento pelo consumidor (resilição). B. Cancelamento pelo transportador (resolução culposa). 4 – Conclusão. 5 – Bibliografia.
1 – Introdução
Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde declarou oficialmente a pandemia de Covid-191. A doença tem se alastrado de forma rápida e sido implacável aos sistemas de saúde de diversos países, até mesmo daqueles tradicionalmente considerados desenvolvidos, como Estados Unidos da América e Itália2. Sua gravidade, contudo, torna natural que as consequências do coronavírus não se limitem ao âmbito da saúde. A sociedade já começa a sentir a intensidade dos impactos econômicos da pandemia3.
Dentre os setores bastante afetados, destaca-se o setor de transporte aéreo de pessoas. O risco de contágio, o fechamento de museus e parques, o cancelamento de eventos e a quarentena obrigatória imposta em diversos países são fatores que levam as pessoas a não mais viajarem, bem como tornam desvantajoso às companhias aéreas operar voos com pouquíssimos ou até mesmo sem passageiros.
Diante disso, sobe o número de alterações e cancelamentos de passagens aéreas, seja por passageiros, seja pelas próprias companhias, gerando dúvidas sobre o direito dos consumidores e das companhias aéreas, que, notadamente, sofrem de imediato e sofrerão no futuro enormes perdas em razão da pandemia. O Poder Executivo, por sua vez, tentando minimizar os impactos da covid-19 em relação aos contratos de transporte aéreo de pessoas e ciente da importância estratégica da aviação civil, editou a Medida Provisória 925 em março de 2020 (MPV 925/2020), porém com esclarecimentos insuficientes e que precisam ser considerados juntamente a todas as outras regras jurídicas sobre o transporte aéreo de pessoas4.
Assim, apesar de os problemas apontados merecerem respostas céleres, é evidente que elas não podem ser precipitadas. Embora o momento seja de medo e tumulto, o direito deve dar soluções lógicas a partir de regras pré-determinadas. Em tempos de caos, as regras jurídicas tornam possível diminuir o arbitrário da vida social, o tumultuário dos movimentos humanos e dos interesses particulares5, mostrando a importância, para a ordem social, de se viver em um Estado de Direito.
Nesse sentido, o presente texto se propõe a discriminar e analisar as consequências jurídicas da alteração e do cancelamento de passagens aéreas no Brasil, no cenário de pandemia, à luz das regras jurídicas em vigor sobre o tema.
Para isso, o estudo tomará em consideração, em primeiro lugar, as regras jurídicas cabíveis (Item 2 – "As regras jurídicas aplicáveis ao transporte aéreo de pessoas"). Em seguida, à luz do ordenamento jurídico brasileiro, o presente texto irá avaliar qual é o impacto do coronavírus em relação aos contratos de transporte aéreo de pessoas (Item 3 – "As consequências do coronavírus para o transporte aéreo de pessoas"). A partir de tais ponderações, será possível apontar quais as consequências jurídicas cabíveis para as hipóteses de alteração e cancelamento de passagens aéreas adquiridas até 31/12/2020 (3.1 – Alteração de passagem. A. Alteração pelo consumidor. B. Alteração pelo transportador e 3.2 – Cancelamento de passagem. A. Cancelamento pelo consumidor (resilição). B. Cancelamento pelo transportador (resolução culposa).
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*Bruna Duarte Leite é graduada em Direito e mestranda em Direito Civil pela USP. Advogada.
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1 OMS declara pandemia de coronavírus. Acesso em 11/4/2020.
2 Em 11/04/2020, os EUA é o país com mais mortes por coronavírus no mundo. A Itália, por sua vez, teve uma expansão extremamente rápida do número de casos, o que também colocou em xeque seu sistema de saúde e teve como resultado um número expressivo de mortes por coronavírus. Fonte. Acesso em 11/4/2020.
3 A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – o “clube dos países ricos”) afirmou em que a economia global levará anos até se recuperar do impacto da Covid-19. Fonte. Acesso em 11/4/2020.
4 Importa esclarecer que a medida provisória, embora tenha força de lei, é ato do Presidente da República, cuja eficácia legal, caso não seja ratificada pelo Congresso Nacional, é de apenas 120 (cento e vinte) dias (art. 62 da Constituição da República). Assim, a medida provisória não tem o condão de revogar leis, mas somente de suspender sua eficácia, justamente por ser editada em caso de urgência.
5 Pontes de Miranda, F. C. Tratado de direito privado. t. II. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 13.