Migalhas Consensuais

Possibilidade de dilação do prazo de 60 dias na mediação antecedente

O texto trata da mediação antecedente no contexto da recuperação empresarial e falência, prevista na Lei 11.101/05, que visa oferecer às empresas em crise econômico-financeira uma alternativa à recuperação judicial.

19/12/2024

A mediação antecedente, introduzida na lei de recuperação empresarial e falência (lei 11.101/05) há 05 anos, felizmente, vem sendo cada vez mais utilizada por empresas que atravessam crises econômico-financeiras.

Nos termos dos artigos 20-A e 20-B da referida lei, o devedor pode instaurar um procedimento de mediação, no âmbito do CEJUSC (Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania) ou junto a Câmaras privadas de mediação, convidando seus credores para negociarem um plano de reestruturação.

O objetivo primordial da mediação antecedente é permitir ao devedor atravessar a crise, sem a necessidade do ajuizamento de um processo de recuperação judicial. É, sem sombra de dúvidas, um importante passo dado pelo Poder Legislativo no sentido de valorização da autocomposição e da desjudicialização, tão relevante e necessária nos dias atuais, em que permanecemos com 80 milhões de processos aguardando julgamento nos nossos tribunais.

Um passo, aliás, dentre tantos outros que o Poder Legislativo vem dando no sentido de incentivar o diálogo e a busca do consenso pelas próprias partes, como se vê de recentes alterações legislativas promovidas, por exemplo, na Lei de licitações e no Código de Defesa do Consumidor.

A mediação antecedente é, em sua essência, um convite à negociação extrajudicial, que contará com o apoio de um mediador, terceiro imparcial e experiente em técnicas de negociação e na matéria de insolvência, que ajudará as partes a dialogarem.

Ao convocar seus credores para participar de um procedimento de mediação, o devedor tem a faculdade de pedir ao Poder Judiciário, ou, mais precisamente, ao juiz competente para processar e julgar seu processo de recuperação judicial, uma tutela cautelar.

Essa tutela, nos termos do art. 20-B, §1º, da Lei 11.101/05, garante ao devedor 60 dias para negociar em ambiente mais equilibrado, já que os credores convidados ficam impedidos de promover atos de constrição no seu patrimônio. É uma medida que, ao equilibrar a balança da negociação, favorece a busca do consenso.

O magistrado, ao receber o pedido de obtenção da tutela, deve verificar se os requisitos previstos na lei foram preenchidos, a saber: (i) se foi instaurado um procedimento de mediação perante o Cejusc ou uma Câmara especializada e (ii) se a empresa preenche os requisitos legais para requerer recuperação judicial.

A comprovação do primeiro requisito se dá mediante a juntada de documento emitido pelo centro de mediação (Cejusc ou Câmara privada) informando sobre a instauração do procedimento.

O segundo requisito se preenche com a prova de que a empresa (a) exerce regularmente suas atividades há mais de 2 anos; (b) não é falida; (c) não obteve concessão de recuperação judicial há menos de 5 anos; e (d) não foi condenada por crime falimentar. É o que dispõe o art. 48 da lei 11.101/05.

Essa é a comprovação que a lei exige no momento do ajuizamento da cautelar, não sendo correto exigir do devedor os documentos previstos do art. 51 da lei 11.101/05, que somente devem ser apresentados se e quando o devedor decidir ingressar com o processo de recuperação judicial, o que poderá acontecer a depender do resultado da mediação.

Exigir os documentos descritos no art. 51 quando do ajuizamento da cautelar é medida que viola a função primordial da mediação antecedente: evitar o processo de recuperação judicial. Nesse sentido, aliás, é o teor do enunciado 10 do FONAREF - Fórum Nacional de Recuperação Empresarial do Conselho Nacional de Justiça.

Preenchidos, então, os requisitos legais, o juiz defere a cautelar para suspender as execuções propostas contra o devedor pelo prazo de 60 dias.

Considerando que a lei concede 60 dias para o devedor negociar com seus credores, é equivocado determinar o ajuizamento da ação principal em 30 dias. Apesar do art. 20-B, §1º, fazer referência ao art. 305 e seguintes do Código de Processo Civil, obrigar o devedor a apresentar a ação principal em 30 dias é transformar em letra morta o próprio artigo, pensado especificamente para essa cautelar em mediações de empresas em crise.  Nesse sentido, o FONAREF aprovou o enunciado 4, que diz que o prazo de 30 dias previsto no art. 308 do CPC não se aplica à cautelar antecedente.

A mediação antecedente, repita-se, é um convite ao diálogo; uma oportunidade para o devedor apresentar aos seus credores sua situação real e concreta, com transparência de informações e boa-fé, e uma oportunidade para os credores analisarem o endividamento e as soluções pensadas pelo devedor, propondo medidas. Busca-se construir conjuntamente, a várias mãos, um plano de soerguimento com a adesão daqueles credores que querem/podem continuar apostando, confiando e colaborando com o devedor na reestruturação empresarial. É, também, uma reconstrução de laços e parcerias comerciais.

Na maioria dos casos, senão em todos, a mediação antecedente deve ser o primeiro degrau a ser galgado pela empresa em crise. Esse espaço colaborativo permite a aproximação entre as partes, conhecendo-se os personagens envolvidos naquela negociação, o que, por si só, já representa um ganho. Permite, ainda, que questões relacionadas à classificação e valor dos créditos sejam tratadas e consensadas. Garante, em muitos casos, que, ao invés de ajuizar uma recuperação judicial, o devedor consiga aprovar um plano de recuperação extrajudicial.

Criar um ambiente de construção colaborativa faz com que os credores não sejam surpreendidos com um processo de recuperação judicial ou com um plano de recuperação elaborado unilateralmente. Na mediação antecedente, os credores têm a oportunidade de construir algo em conjunto com o devedor, sem surpresas. Os credores fazem parte do projeto; são protagonistas da reestruturação.

E não apenas os grandes credores. Esses, normalmente, já estão mais inseridos no processo de reestruturação, pois o devedor trava negociação direta com eles. A mediação tem o condão de alcançar todos os credores, inclusive os pequenos, que normalmente ficariam alijados do projeto.

Engana-se quem pensa que os pequenos têm pouco ou quase nada a contribuir em razão de seu reduzido poder de voto. Justamente por ser um espaço de escuta ativa, construção e diálogo, um credor pouco relevante pode trazer ideias, sugestões e caminhos não pensados pelo devedor.

Como o objetivo da mediação antecedente é criar soluções conjuntas e evitar a judicialização, credores extraconcursais também podem e devem participar do procedimento de mediação. Ainda que o legislador tenha definido quais créditos são sujeitos ao concurso de credores e quais não são, a empresa devedora precisa tratar do seu endividamento de forma global. Como se diz popularmente, o cobertor é um só. Negociar com credores extraconcursais e até mesmo com o Fisco faz parte dos projetos de reestruturação empresarial, especialmente quando eles pretendem evitar a recuperação judicial.

Com esse espírito, aliás, o art. 20-B, III, que foi pensado e introduzido na lei no curso da pandemia de Covid-19, diz ser possível mediar sobre créditos extraconcursais, no período de vigência do estado de calamidade pública, para permitir a continuidade da prestação de serviços essenciais.

A conversa deve ser a mais ampla possível, abrangendo credores pequenos, grandes, sujeitos ou não sujeitos ao concurso, com ou sem garantias, mais ou menos beligerantes, financeiros ou fornecedores. A escolha acerca dos credores convidados deve ser bem pensada pelo devedor e a lista pode, no curso da mediação, ser, inclusive, ampliada.

A prática tem revelado os benefícios da mediação antecedente e igualmente tem mostrado que, em alguns casos, as negociações entre as partes mereciam alguns dias extras para serem concluídas com êxito.

Apesar da lei prever a suspensão das execuções contra o devedor por 60 dias, em situações excepcionais, esse prazo poderia ser aumentado. Não se trata de prorrogação automática ou mesmo de concessão de um prazo maior de início, mas da possibilidade de se conceder dias adicionais, caso demostrado pelas partes envolvidas na mediação que as negociações estão fluindo e que há o desejo de se manter o ambiente equilibrado de tratativas, com a suspensão das execuções.

As situações concretas podem ser variadas. A título exemplificativo, imagine-se a hipótese em que o devedor convida 10 credores para participar do procedimento. Nove aceitam e as negociações fluem, mas um credor se recusa a participar. Com o término do prazo de 60 dias, esse credor, que não teve interesse em conversar com o devedor, pode voltar a promover atos de constrição no patrimônio, em prejuízo às negociações que estão bem encaminhadas.

Nesse cenário, sem a possibilidade de ampliar em mais alguns dias o prazo de suspensão, a mediação ficaria comprometida e o devedor acabaria judicializando a matéria, o que certamente seria ruim para todos os envolvidos.

A lei, cabe lembrar, não proíbe a prorrogação do prazo de suspensão de 60 dias, o que permitiria ao magistrado, diante do caso concreto, analisar o cabimento da concessão de mais prazo.

Essa análise casuística já é feita, por exemplo, na recuperação judicial com relação à prorrogação do período de suspensão de 180 dias previsto no art. 6º, II e §4º-A, II da Lei 11.101/05 (stay period). Há, inclusive, decisões judiciais que, analisando o caso concreto e apesar da lei só permitir uma única prorrogação deste prazo, determinam uma segunda prorrogação – em alguns casos até a realização da assembleia geral de credores.

O magistrado, ao receber eventual pedido de prorrogação do prazo da cautelar, pode, inclusive, contar com o auxílio do mediador, terceiro imparcial que conduz o procedimento de mediação, para prestar esclarecimentos e fornecer informações sobre o andamento da mediação antecedente e sobre a participação e envolvimento dos mediandos no procedimento.

Há casos em que mais alguns dias de manutenção do ambiente equilibrado e construtivo da mediação antecedente poderão fazer uma enorme diferença para as partes envolvidas e até para os que não participam diretamente da mediação, evitando um longo e penoso processo de recuperação judicial.

E, considerando que o art. 20-B, §3º da lei 11.101/05 determina que os 60 dias da cautelar deverão ser descontados dos 180 dias do stay period, eventual acréscimo nesse prazo poderia ser igualmente descontado do prazo de suspensão em caso de ajuizamento de recuperação judicial ou extrajudicial1.

Com a preocupante previsão, para 2025, de um aumento do número de empresas em crise, que precisarão do apoio de seus credores para se reestruturarem, a mediação antecedente é uma excelente ferramenta, que traz inúmeros benefícios ao devedor e aos credores e, em última análise, ao Judiciário e à sociedade, que ganham com a não judicialização da crise.

__________

1 Cabe pontuar que o Enunciado 3 do FONAREF foi aprovado em sentido contrário, estabelecendo a improrrogabilidade do prazo de 60 dias. Passados cerca de dois anos de sua discussão e ancorada em ampla experiência prática, considero que o enunciado merece ser rediscutido.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunistas

Mariana Freitas de Souza é advogada e mediadora. Presidente do ICFML Brasil. Diretora do CBMA. Membro da Comissão de Mediação do Conselho Federal da OAB. Membro da Comissão de Arbitragem da OAB/RJ. Membro da Comissão de Conciliação, Mediação e Arbitragem do IAB. Membro do Global Mediation Panel da ONU. JAMS Weinstein International Fellow. Sócia do PVS Advogados.

Samantha Longo é advogada e professora. Membro do FONAREF – Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências e membro do Comitê Gestor de Conciliação, ambos do CNJ. Conselheira da OAB/RJ. Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pela UniCuritiba. Negotiation and Leadership Program na Harvard University. LLM. em Direito Empresarial pelo IBMEC/RJ. Autora de diversos artigos, coordenadora de obras coletivas, coautora da obra "A Recuperação Empresarial e os Métodos Adequados de Solução de Conflitos" e autora do livro "Direito Empresarial e Cidadania: a responsabilidade da empresa na pacificação dos conflitos".