Migalhas Consensuais

Não é mágica, é mediação!

Em mediação, meu papel é facilitar a comunicação entre as pessoas em conflito, não decidir por elas. Um acordo sustentável é aquele construído pelas próprias partes, com minha ajuda na escuta ativa e no esclarecimento de interesses.

25/7/2024

Começo este texto plagiando a frase de minha grande amiga e inspiração, Samantha Longo. 

As transformações que assistimos durante uma sessão de mediação, me faz refletir o quanto sou importante, apesar de não ser a responsável pelo acordo, mas uma ferramenta na retomada da comunicação entre as pessoas (detesto a denominação partes).

Quem tem que ser responsável pelos acordos são as pessoas envolvidas nos conflitos que as trouxeram até aquela mesa de conversa, não eu. Um acordo construído sem a minha participação efetiva, mas agindo como uma alinhadora de trilhos, é um acordo sustentável, em que por isto mesmo, não cabe recurso. É a expressão mais pura das vontades.

Cabe a mim, mediadora, a atenção aos detalhes (escuta ativa), a certeza dos entendimentos (parafraseado), e liberdade para que todos expressem suas vontades e sentimentos (isonomia das partes), bem como o esclarecimento dos próximos passos (decisão informada), sem falar no sigilo (confidencialidade) que possibilita a liberdade e segurança para expressarem seus sentimentos, sem falar nas muitas vezes em que criamos  movimentos para separar as pessoas dos problemas bem como as posições dos interesses.

Algumas das vezes, as técnicas utilizadas não são suficientes para que os envolvidos deixem suas posições de lado, como o caso de uma criança autista em um colégio de alto padrão. De um lado uma mãe amorosa, mas extremante inflexível exigindo o que entendia como de direito do seu filho. De outro lado, o colégio representado pelo advogado com perfil litigante, que não considerou ou tentou a possibilidade de resolver de forma pacífica a situação. Não viram que o único prejudicado, de verdade era a criança que, no meio da desavença ficava esquecido no meio do tiroteio.  Não se trata só de ceder... Se trata de juntos concluírem como diminuir o sofrimento de alguém que sabidamente já carregará um fardo pesado a vida inteira. Apesar da possibilidade de uma suspensão com o objetivo de dar um tempo nas decisões, os adultos não conseguiram se entender e deixaram na mão de um juiz, uma decisão que com certeza não agradará a ninguém.

Então, porque terceirizar-se a composição do acordo a alguém que não tem a menor ideia de quem são as partes, seus sentimentos, valores e receios?

O mediador estará sempre atento para que as pessoas (comumente chamadas de partes e eu, de novo detesto esta nomenclatura) que as pessoas olhem para os dois lados! Mesmo que a rua seja de mão única, a atenção na hora de atravessar, pode dar uma nova chance de recomeçar ou consertar uma situação que vem se arrastando pelo simples motivo de não terem alguém para chamar atenção dos dois lados da moeda, ops... da rua!

(Imagem: Divulgação)

E é isto que o mediador precisa fazer. Criar uma condição especial para que as pessoas se abram para novas possibilidades. 

Por outro lado, e nada me dá mais prazer do que assistir a construção de um acordo desenhado por pessoas que, por exemplo não se falavam há dois anos e que, concluíram juntos o mal que já causavam e que poderiam mais ainda causar aos filhos. E, com isto resolveram rever suas posições e desta forma permitiram, que os interesses das crianças falassem mais alto. Emoção pura e agradecimentos intermináveis! 

Situações de construção de acordos são extremamente rotineiras na vida de um mediador que exerce esta atividade com vocação, que se refere a um forte sentimento de ter sido chamado para uma determinada missão de ajudar na transformação para um mundo com mais paz.

Resumindo, vocação e talento aliados, não fazem mágica na vida das pessoas. Criam momentos mágicos nas sessões de mediação.

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Colunistas

Mariana Freitas de Souza é advogada e mediadora. Presidente do ICFML Brasil. Diretora do CBMA. Membro da Comissão de Mediação do Conselho Federal da OAB. Membro da Comissão de Arbitragem da OAB/RJ. Membro da Comissão de Conciliação, Mediação e Arbitragem do IAB. Membro do Global Mediation Panel da ONU. JAMS Weinstein International Fellow. Sócia do PVS Advogados.

Samantha Longo é advogada e professora. Membro do FONAREF – Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências e membro do Comitê Gestor de Conciliação, ambos do CNJ. Conselheira da OAB/RJ. Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pela UniCuritiba. Negotiation and Leadership Program na Harvard University. LLM. em Direito Empresarial pelo IBMEC/RJ. Autora de diversos artigos, coordenadora de obras coletivas, coautora da obra "A Recuperação Empresarial e os Métodos Adequados de Solução de Conflitos" e autora do livro "Direito Empresarial e Cidadania: a responsabilidade da empresa na pacificação dos conflitos".