Migalhas Consensuais

As empresas como agentes na promoção do bem-estar e pacificação dos conflitos

O conflito é inerente ao convívio social, mas, se abordado de forma apropriada e com técnicas adequadas, ele pode se tornar um importante meio de conhecimento, amadurecimento e aproximação de seres humanos, proporcionando o crescimento e a evolução das pessoas e, em última análise, da sociedade.

5/10/2023

Os seres humanos anseiam por convivência. Sem relações e conexões de qualidade, dificilmente a pessoa se desenvolve em sua plenitude. Além de conviver, o indivíduo precisa se sentir parte integrante de uma comunidade, de um grupo ou de uma sociedade.

Se, por um lado, é inato ao ser humano viver em grupo e se relacionar, também sabemos que cada pessoa é geneticamente única, e que essa individualidade dá, a cada um, gostos, necessidades e interesses diferentes. Nada mais natural, então, que esses interesses entrem em rota de colisão, gerando tensão, discussão, disputa e até violência.

O conflito é, portanto, inerente ao convívio social, mas, se abordado de forma apropriada e com técnicas adequadas, ele pode se tornar um importante meio de conhecimento, amadurecimento e aproximação de seres humanos, proporcionando o crescimento e a evolução das pessoas e, em última análise, da sociedade.

As empresas, como se sabe, são formadas por seres humanos integrados por uma missão. Além de ser fundamental para a economia, a empresa tem um importante papel social. Ao lado do desenvolvimento econômico e da busca do lucro, caminham a dignidade da pessoa humana e o respeito aos direitos dos indivíduos e do meio ambiente, que são impactados pela atividade empresarial.

Ao gerar empregos, recolher tributos e respeitar as regras legais que protegem o trabalhador, o consumidor, o meio ambiente e a concorrência sadia, a empresa cumpre uma função social.

Quando a empresa, mesmo sem a existência de um comando legal que a obrigue a seguir determinada regra, desenvolve sua atividade com um olhar voltado às questões sociais e ambientais, e ao impacto que sua atividade gera na sociedade, dizemos que ela atua com responsabilidade ou cidadania empresarial.

A empresa cidadã é mais ética, mais humana, mais consciente de sua função enquanto agente econômico e social. Ela enxerga seus funcionários, não como um custo a ser gerenciado, e sim como seres humanos que têm ambições, temores, ideias, opiniões e querem sentir que têm valor, investindo não apenas em uma boa remuneração e um adequado local de trabalho.

Ela se preocupa com a diversidade da equipe e relacionamento com a comunidade, adota boas práticas ESG e de governança corporativa, está atenta à satisfação dos seus consumidores e às relações com seus fornecedores e parceiros comerciais.

Atuar com responsabilidade empresarial é, portanto, uma etapa maior de conscientização do empresário, que busca colaborar com o alcance da justiça social e com a erradicação das desigualdades sociais, atraindo e fidelizando seus clientes, atrelando sua boa imagem a ações colaborativas do bem-estar social, mesmo sem estar obrigado a tal.

A empresa que exerce cidadania empresarial promove um ambiente saudável e produtivo, e isso passa por eliminar as tensões e conflitos que surgem no exercício da atividade empresarial de maneira humana e eficiente. Uma boa maneira para tratar os conflitos é criar um centro, órgão ou espaço dentro da empresa que seja dedicado à busca do consenso e do respeito.

Nesse sentido, o Enunciado nº 162 da II Jornada de Prevenção e solução extrajudicial de litígios organizada pelo Conselho da Justiça Federal afirma que "contribui para a função social a empresa que conta em sua estrutura organizacional com uma área dedicada a prevenir e solucionar conflitos."

Os ganhos com a implementação deste centro são sociais e financeiros. Sociais porque a medida valoriza e empodera o ser humano, melhora o ambiente de trabalho e contribui para a pacificação social. Já o benefício financeiro se materializa na redução de custos com demandas judiciais e no aumento da produtividade, trazendo benefícios e vantagens aos empregados e funcionários, aos líderes, aos colaboradores e parceiros comerciais, à própria atividade empresarial e à coletividade em que a empresa está inserida.

A empresa, que é formada e constituída por pessoas, e exerce uma atividade para pessoas, deve ter essa preocupação e esse olhar e estar focada nos seres humanos, na harmonia, no ambiente saudável e produtivo e na pacificação social, como sustento na obra Direito Empresarial e Cidadania: A responsabilidade da empresa na pacificação de conflitos (Porto Alegre: Ed. Paixão, 2023).

Dentre os dezessete objetivos de desenvolvimento sustentável definidos pela ONU a serem atingidos até 2030, o chamado Pacto Global da ONU, estão o de assegurar uma vida saudável, promover o bem-estar para todos e promover sociedades pacíficas e inclusivas.

Em 2022, o Brasil ocupou o 53º lugar no ranking dos países comprometidos com o Pacto. Certamente, a implementação de centros de pacificação de conflitos por empresas, sejam de grande, médio ou pequeno porte, é um importante passo para atingir os objetivos das Nações Unidas.

Com mais escuta, diálogo, respeito, tolerância, compreensão e diversidade, os ambientes corporativos tendem a ser mais harmoniosos, agradáveis, criativos e eficientes.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunistas

Mariana Freitas de Souza é advogada e mediadora. Presidente do ICFML Brasil. Diretora do CBMA. Membro da Comissão de Mediação do Conselho Federal da OAB. Membro da Comissão de Arbitragem da OAB/RJ. Membro da Comissão de Conciliação, Mediação e Arbitragem do IAB. Membro do Global Mediation Panel da ONU. JAMS Weinstein International Fellow. Sócia do PVS Advogados.

Samantha Longo é advogada e professora. Membro do FONAREF – Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências e membro do Comitê Gestor de Conciliação, ambos do CNJ. Conselheira da OAB/RJ. Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pela UniCuritiba. Negotiation and Leadership Program na Harvard University. LLM. em Direito Empresarial pelo IBMEC/RJ. Autora de diversos artigos, coordenadora de obras coletivas, coautora da obra "A Recuperação Empresarial e os Métodos Adequados de Solução de Conflitos" e autora do livro "Direito Empresarial e Cidadania: a responsabilidade da empresa na pacificação dos conflitos".