Migalhas Consensuais

Manual prático de mediação empresarial

O manual visa contribuir com uma perspectiva de expansão de uma política pública judiciária de tratamento adequado dos conflitos voltada às especificidades da recuperação e falência de empresas.

3/8/2023

O Conselho Nacional de Justiça lançou na 10ª sessão ordinária de 20231, sob a presidência da Ministra Rosa Weber, o Manual Prático de Mediação Empresarial2, idealizado no âmbito do Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências (Fonaref).

A sessão marcou o encerramento das atividades do semestre e deu espaço para o lançamento e divulgação dessa obra, a qual pretende servir de recomendação para auxiliar mediadores, advogados, juízes, mebros do Ministério Público, administradores judiciais e toda a comunidade jurídica na prática da mediação empresarial nos processos de insolvência.

O Ministro Luis Felipe Salomão, corregedor nacional de justiça e coordenador do Fonaref, destacou que a atualização da legislação de recuperação e falências, por meio da lei 14.112 de 2020, além de normativas do CNJ como a Recomendação N°. 58 de 2019, que recomenda aos magistrados responsáveis pelo processamento e julgamento dos processos de recuperação empresarial e falências que promovam o uso da mediação, e a Recomendação N°. 71 de 2020, que cria os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) Empresarial e fomenta o uso de métodos adequados para o tratamento desses litígios, colocam em evidência a priorização da solução consensual, sempre que cabível, para esses casos.

O conselheiro Marcos Vinicius Jardim, um dos idealizadores desse manual, afirmou que o Fonaref deu mais um passo importante no sentido de proporcionar uma contribuição concreta à área de recuperação e falências de empresas, que constitui um indicador econômico relevante para o país.

A seara do direito empresarial e, particularmente, a recuperação e falência, exige profissionais especializados na matéria. Por isso, o CNJ orienta que os tribunais capacitem esses profissionais na matéria ou providenciem o cadastramento de câmaras privadas. Diante desse contexto, o manual se propõe a ser um material de consulta, tendo em vista o aperfeiçoamento desses procedimentos.

O manual foi elaborado pela Comissão de falência e recuperação judicial, em parceria com a Comissão de Mediação e Métodos Consensuais da OAB-RJ. Sob a liderança de Juliana Bumachar, participaram como autoras as advogadas Bianca Souza Sant Anna, Juliana de Siqueira Castro, Maria Clara Leoncy Malheiros, Nabia de Miranda Assed Estefan Rangel, Samantha Longo, Bárbara Bueno Brandão, Bruna Bisi Ferreira de Queiroz, Fernanda Bragança e Renata Braga.

O manual está dividido em quatro partes. A primeira reúne noções gerais acerca da mediação empresarial. O material destaca as escolas, modelos e etapas da mediação, a evolução normativa desde a lei 13.140 de 2015, até a aprovação dos enunciados nas jornadas de prevenção e solução extrajudicial de litígios do Conselho da Justiça Federal, esmiuça algumas hipóteses concretas de uso da mediação, como nos incidentes de verificação do crédito, aprovação do plano de recuperação judicial, disputas entre sócios ou acionistas do devedor, participação de agências reguladores, credores extraconcursais, além de tratar sobre a mediação incidente e a incidental.

A segunda detalha aspectos procedimentais, como os diversos atores envolvidos (mediador, advogado, administrador judicial e do juiz), direta e indiretamente, na mediação, aponta os documentos necessários para requerer o procedimento de mediação nos Cejuscs empresariais, a estrutura dos Cejuscs e das Câmaras privadas, os momentos oportunos para a mediação em processos de falência e recuperação judicial, impactos de ação cautelar e tutela provisória, construção do acordo, homologação e execução, e finaliza com o fluxograma da mediação.

A terceira parte mostra alguns casos práticos que envolveram a Oi, a Saraiva e Siciliano S.A, o Santa Cruz Futebol Clube, dentre outros, em que a mediação teve um papel fundamental para o resultado positivo.

O caso da Oi tem caráter paradigmático em razão de ter gerado o desenho de um sistema customizado para o tratamento dos litígios e, também, por se tratar da maior empresa de telefonia da América Latina, que acumulava um passivo de mais de 65 milhões de reais, com mais de 70 mil credores espalhados pelo Brasil e pelo exterior. Essa experiência exitosa motivou que outros cases de recuperação judicial, independentemente do porte, passassem a ser encaminhados à mediação.

O caso Santa Cruz Futebol Clube, que tramita na 9ª Vara Cível da Comarca da Capital de Pernambuco, é um exemplo de uso na mediação em fase pré-recuperacional e do pedido de tutela cautelar antecedente, ambas novidades legislativas decorrentes da lei 14.112 de 2020.

Por fim, a obra aponta dados sobre os procedimentos de recuperação e falência de duas pesquisas realizadas pelo pelo Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV Conhecimento. A primeira pesquisa, intitulada “Métricas de qualidade e efetividade da justiça brasileira: um estudo do processo de recuperação de empresas”3, foi elaborada em parceria com a Associação de Magistrados Brasileiros e o Instituto Recupera Brasil.

Esse primeiro estudo, realizado entre os meses de janeiro a julho de 2021, diagnosticou que, dentre outras questões, que (i) há ainda pouca especialização no âmbito das estruturas dos Tribunais de Justiça, não só em relação aos juízos especializados, como também entre facilitadores com especialização em matéria empresarial; (ii) o tempo é um fato bastante relevante para o ajuizamento de um pedido de recuperação empresarial; (iii) há forte tendência dos advogados de optar previamente por algum tipo de solução consensual para a recuperação da empresa.

Em 2022, a pesquisa caminhou para uma 2ª fase, dessa vez coordenado pela juíza Clarissa Tauk, que também é membro do Fonaref. No estudo “Especialização e Consensualidade na Recuperação de Empresas” do Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV Conhecimento4, verificou-se que a especialização das varas ainda é um ponto passível de melhora e apenas seis tribunais de justiça indicaram que possuem Cejuscs empresariais. Outro ponto de melhoria encontrado é na promoção de capacitação dos mediadores, tendo em vista que poucos tribunais conseguem realizar treinamento ou atualizações periódicas. 

A alocação dos mediadores nos procedimentos é feita, majoritariamente, com base apenas na disponibilidade desses profissionais. O aperfeiçoamento e até a maior eficiência do sistema de recuperação e falência empresarial brasileiro depende, diretamente, da especialização dos mediadores na matéria, tendo em vista a própria compreensão das particularidades atinentes a esses litígios.

Esse manual visa contribuir com uma perspectiva de expansão de uma política pública judiciária de tratamento adequado dos conflitos voltada às especificidades da recuperação e falência de empresas.

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1 Cf. Fonaref lança manual de mediação empresarial. CNJ, 21 jun. 2023. Disponível aqui. Acesso em: 28 jun. 2023.

2 Manual prático de mediação empresarial: recuperação judicial, extrajudicial e falência. Brasília: Fonaref, 2023. Disponível aqui. Acesso em: 28 jun. 2023.

3 Cf. CENTRO DE INOVAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E PESQUISA DO JUDICIÁRIO DA FGV CONHECIMENTO. Um Estudo do processo de recuperação de empresas: Relatório Preliminar Analítico Propositivo: Métricas de qualidade e efetividade da justiça brasileira: um estudo do processo de recuperação de empresas. Rio de Janeiro: FGV, 2022. Disponível aqui. Acesso em: 28 jun. 2023.

4 Cf. CENTRO DE INOVAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E PESQUISA DO JUDICIÁRIO DA FGV CONHECIMENTO. Especialização e consensualidade na recuperação de empresas. Rio de Janeiro: FGV, 2023. Disponível aqui. Acesso em: 28 jun. 2023.

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Colunistas

Mariana Freitas de Souza é advogada e mediadora. Presidente do ICFML Brasil. Diretora do CBMA. Membro da Comissão de Mediação do Conselho Federal da OAB. Membro da Comissão de Arbitragem da OAB/RJ. Membro da Comissão de Conciliação, Mediação e Arbitragem do IAB. Membro do Global Mediation Panel da ONU. JAMS Weinstein International Fellow. Sócia do PVS Advogados.

Samantha Longo é advogada e professora. Membro do FONAREF – Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências e membro do Comitê Gestor de Conciliação, ambos do CNJ. Conselheira da OAB/RJ. Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pela UniCuritiba. Negotiation and Leadership Program na Harvard University. LLM. em Direito Empresarial pelo IBMEC/RJ. Autora de diversos artigos, coordenadora de obras coletivas, coautora da obra "A Recuperação Empresarial e os Métodos Adequados de Solução de Conflitos" e autora do livro "Direito Empresarial e Cidadania: a responsabilidade da empresa na pacificação dos conflitos".