O FONAREF é o Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falência criado pelo Conselho Nacional de Justiça em 2022, por meio da Portaria 466/22, com o objetivo de elaborar estudos e propor medidas para aperfeiçoar a gestão dos processos de recuperação judicial, extrajudicial e falências.
O Fórum surgiu das relevantes contribuições que o Grupo de Trabalho, composto por especialistas na matéria e criado em dezembro de 2018, deu ao sistema de insolvência. Ao longo de quatro anos de atuação, o Grupo apresentou uma dezena de atos normativos que foram aprovadas pelo plenário do CNJ e vêm contribuindo para a melhoria do sistema.
Há recomendações sobre:
- a organização e padronização dos trâmites para realização das Assembleias Gerais de Credores na forma virtual e híbrida e da coleta de votos de forma eletrônica de maneira antecipada e dá outras providências. (Recomendação 110/2021);
- a adoção de modelos de comunicação ao ser distribuída ação contra o devedor em recuperação judicial. (Recomendação 109/2021);
- a padronização dos documentos necessários ao ajuizamento dos processos de recuperação judicial (Recomendação 103/2021);
- a padronização dos relatórios apresentados pelo administrador judicial em processos de recuperação empresarial. (Recomendação 72/2020);
- a criação do Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania – Cejusc Empresarial para fomentar o uso de métodos adequados de tratamento de conflitos de natureza empresarial. (Recomendação 71/2020);
- a adoção de medidas para a mitigação do impacto decorrente das medidas de combate à contaminação pelo novo coronavírus causador da Covid-19. (Recomendação 63/2020);
- a promoção pelos magistrados do uso da mediação. (Recomendação 58/2019);
- a adoção de procedimentos prévios ao exame do pedido de processamento da recuperação judicial. (Recomendação 57/2019);
- a criação de varas e câmaras/turmas especializadas em falência, recuperação empresarial e outras matérias de Direito Empresarial. (Recomendação 56/2019)
E resoluções, que têm caráter vinculante, acerca:
- do cadastro dos administradores judiciais nos Tribunais de Justiça (Resolução 393/2021); e
- de regras de cooperação e de comunicação com juízos estrangeiros em casos de insolvência transnacional (Resolução 394/2021)
Dando continuidade ao trabalho do Grupo, hoje um Fórum permanente, realizou-se, em março de 2023, o primeiro Congresso do FONAREF em Brasília, no qual 15 enunciados foram aprovados.
Os enunciados são fórmulas que sintetizam e apresentam à comunidade jurídica o entendimento de determinada fonte: um tribunal, um fórum de discussão, uma classe de operadores do Direito.
Assim como ocorre com os enunciados aprovados nas Jornadas organizadas pelo Conselho da Justiça Federal, os enunciados discutidos e aprovados no 1º Congresso do FONAREF têm natureza doutrinária e servem como orientação aos advogados, magistrados, servidores, administradores judiciais, mediadores, estudantes e demais personagens que atuam em recuperações empresariais e falências.
Os 15 enunciados, abaixo transcritos, visam incentivar o uso adequado da mediação na recuperação empresarial, elucidando relevantes dúvidas, especialmente sobre o art. 20-B introduzido na lei de recuperação (lei 11.101/05) pela Lei 14.112/2020. São eles:
Enunciado 1 - A definição exata dos credores convidados a participar do procedimento de mediação ou de conciliação instaurado no CEJUSC do tribunal competente ou na câmara privada deve ser exigida como requisito para a concessão da medida cautelar prevista no art. 20-B, § 1º, da lei 11.101/2005.
Enunciado 2 - A concessão da medida cautelar prevista no art. 20-B, §1º, da lei 11.101/2005 pressupõe a demonstração pelo requerente de que o procedimento de mediação ou conciliação foi instaurado no CEJUSC do tribunal competente ou da câmara especializada, com a comprovação do requerimento da expedição de convite para participar do referido procedimento.
Enunciado 3 - O prazo de 60 dias de suspensão previsto no art. 20-B, § 1º, da lei 11.101/2005 é improrrogável e contado em dias corridos.
Enunciado 4 - O prazo de 30 dias previsto no art. 308 do Código de Processo Civil não é aplicável à medida cautelar ajuizada com base no art. 20-B § 1º da lei 11.101/2005.
Enunciado 5 - Cabe ao requerente comunicar aos juízos responsáveis pelas execuções a concessão da medida cautelar de suspensão deferida com base no art. 20-B, § 1º, da lei 11.101/05.
Enunciado 6 - A medida cautelar de suspensão prevista no art. 20-B, § 1º, da lei 11.101/2005 vincula os credores convidados a participar do procedimento de mediação ou conciliação instaurado no CEJUSC do tribunal competente ou na câmara privada, ainda que não tenham aceitado o convite, não vinculando os credores que não tenham sido convidados.
Enunciado 7 - A devedora não poderá renovar o pedido de suspensão previsto no art. 20-B, § 1º, da lei 11.101/2005 depois de cessada a sua eficácia, salvo em relação a credores que não participaram do procedimento de mediação ou conciliação antecedente, nos termos do art. 309, parágrafo único, do Código de Processo Civil.
Enunciado 8 - Pode o magistrado revogar a medida cautelar deferida com base no art. 20-B, §1º, da lei 11.101/2005, diante da demonstração, por qualquer credor, de que a devedora não promove ou procrastina o regular andamento do procedimento de mediação ou conciliação instaurado no CEJUSC do tribunal ou na câmara privada.
Enunciado 9 - Os acordos obtidos durante o procedimento de mediação ou conciliação vinculam apenas os credores anuentes, não se aplicando nessa fase a regra da maioria ou a extensão aos dissidentes do acordo aceito pela maioria dos credores.
Enunciado 10 - Os documentos demonstradores de que a empresa em dificuldade preenche os requisitos legais para requerer recuperação judicial, para os fins do art. 20-B, § 1º, da lei 11.101/2005, são aqueles previstos no art. 48 da lei 11.101/2005.
Enunciado 11 - A mediação antecedente e incidental de que trata o art. 20-B da lei 11.101/2005 deve ser conduzida por profissional capacitado em técnicas de mediação e negociação complexa com múltiplas partes e conhecedor da matéria recuperacional e falimentar, sendo recomendada a co-mediação quando não houver profissional que reúna ambas as expertises.
Enunciado 12 - A mediação é compatível com a recuperação extrajudicial, sendo recomendada sua utilização.
Enunciado 13 - A fiscalização pelo Administrador Judicial da regularidade das negociações entre devedor e credores, nos termos do art. 22, II, e e f da lei 11.101/2005 não implica em sua obrigatória participação em procedimento de mediação incidental, caso este venha a ser instaurado. O Administrador Judicial participará das sessões, caso convidado pelo mediador, respeitando-se o sigilo e a confidencialidade inerentes à mediação.
Enunciado 14 - Nos incidentes de impugnação ou habilitação de crédito apresentados na recuperação judicial em que a parte contrária concorde com o pedido, não haverá condenação ao pagamento de honorários de sucumbência.
Enunciado 15 - A novação decorrente do acordo feito entre devedora e credor no procedimento previsto nos artigos 20-B e 20-C da lei 11.101/2005 somente se consolida com o decurso do prazo de 360 dias a contar do acordo firmado e desde que a devedora não ajuíze pedido de recuperação judicial ou extrajudicial, nos termos do art. 20-C, parágrafo único, da referida norma.
Não se pretende aqui esmiuçar cada um dos enunciados1, mas a leitura deles revela que a tônica foi estimular que a mediação, especialmente a antecedente, seja utilizada com a maior eficácia possível.
Sem dúvidas, a mediação é uma excelente ferramenta para auxiliar devedor e credores a sentarem e negociarem o plano de recuperação e tratarem de outras questões relevantes na recuperação empresarial2. O grupo de trabalho, hoje FONAREF, tem se debruçado sobre esse tema desde sua criação em 2018, como se vê, por exemplo, das Recomendações 58/19 e 71/20.
Os enunciados foram muito debatidos e bem recebidos pela comunidade jurídica. O único que despertou maior preocupação foi o enunciado 6, segundo o qual só se sujeitam aos efeitos da cautelar de suspensão das execuções os credores convidados à mediação antecedente. Para parte da doutrina, a suspensão deveria abranger todos os credores, ainda que não convidados pelo devedor.3
Que os debates continuem intensos e cordiais, pois o diálogo, os questionamentos e os enfrentamentos dos temas são fundamentais para o desenvolvimento do sistema. Os conflitos de ideias, livremente manifestadas, geram transformação, ajustes e evolução. E quanto mais falarmos em busca do consenso, mais próximos estaremos da tão almejada pacificação social.
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1 As justificativas de cada enunciado, que ajudam a entendê-los, podem ser acessadas aqui.
2 LONGO, Samantha Mendes. NETTO, Antonio Evangelista de Souza. A Recuperação Empresarial e os Métodos Adequados de Solução de Conflitos. Porto Alegre: Paixão Editores, 2020.
3 Bortolini, Pedro Rebello. A necessária revisão do Enunciado 6 do Fonaref. Publicado no portal Jota de 29/03/2023.