Introdução
A Mediação, processo auto compositivo de Resolução de Conflitos, vem avançando no Brasil, seguindo a tendencia de outros Países, como nos Estados Unidos, em toda a Europa, na América do Sul com destaque da Argentina e Chile e em países do leste europeu, como na Turquia. A aprovação no Brasil da Lei de Mediação de número 13.140/2015, juntamente com Resolução 125/2010 do CNJ e o Novo Código de Processo Civil- Lei 13.105/ 2015, criando um robusto aparato juridico em prol da Mediação, permitiu que ela passasse a ser utilizada em processos judiciais e extrajudiciais e que vem se estendo às Câmaras Privadas de Mediação e a mediações Ad Hoc.
Hoje a mediação já é utilizada em conflitos intra e inter Governos, mediações familiares e empresariais neste atingindo diversas áreas como conflitos com consumidores, negociação de dívidas, conflitos trabalhistas e de recuperação judicial. Também atinge o setor de prestação de serviços e gradativamente o agronegócio com resultados surpreendentes em termos de redução de custos e brevidade de solução que ainda avança a passos mais lentos no Judiciário.
Na área empresarial a mediação começa a ser adotada também pelas empresas familiares particularmente em conflitos societários, de sucessão, de competição, de financiamento, com os fornecedores e trabalhistas.
A mediação nesse segmento de empresas familiares será o foco da presente dissertação destacando-se as causas da ocorrência dos conflitos e suas possíveis consequências e a utilização do instituto da Mediação para o enfrentamento desses conflitos.
Os conflitos nas empresas familiares – causas mais comuns e suas possíveis consequências
As empresas controladas pelas famílias, segundo dados do Sebrae e do IBGE, representam cerca de 90% de todas as empresas brasileiras, geram 65% do Produto Interno Bruto (PIB) e empregam 75% da força de trabalho do país.
De acordo com GERSICK, Kelin E., DAVIS, John A. , Hampton, Marion Mc Collom e LANSBERG, Ivan, no livro De Geração Para Geração -Alta Books Editora) essas empresas podem ser segmentadas, simplificadamente, em três tipos de empresas: empresa tradicional familiar, tradicional híbrida e com influência familiar.
Nas empresas tradicionais familiares, o capital é fechado. É esse o caso da absoluta maioria das empresas familiares, que são de micro, pequeno e médio portes. Já nas empresas tradicionais híbridas, o capital é aberto, embora o controle permaneça com a família e esta detenha o maior número de ações. Nas empresas com influência familiar, por sua vez, o capital é aberto e as famílias tradicionais não têm o controle, mas mantêm forte influência, particularmente através de seu fundador.
O foco deste artigo será a empresa tradicional familiar, que representa, também de acordo com dados do Sebrae, cerca de 80% a 90% do total das empresas familiares, e que costuma enfrentar grandes desafios para a sua longevidade e permanência.
Também de acordo com os citados autores, as empresas acima passam em geral por três momentos durante a sua existência: a) no início, há uma forte iniciativa empreendedora. A empresa é criada objetivando a subsistência das famílias e a prioridade é o negócio; b) no segundo momento, o negócio se amplia, o lucro cresce e a relação Família–Negócio se modifica; nesta fase em geral, os membros da família diversificam seus papéis na empresa sejam como sócios e/ou como gestores e funcionários da empresa, ou ainda , continuam sendo apenas membros da família mas, muitas vezes, com grande influência na empresa; c) no terceiro momento, com o crescimento da quantidade de gerações no negócio, em proporção maior do que o do crescimento do seu lucro, mas com a demanda para continuarem a ter o mesmo padrão anterior de renda, as despesas aumentam, o endividamento cresce, os lucros são cadentes, os reinvestimentos no negócio se reduzem, a inovação é esquecida, a competitividade é decrescente e a preservação do caixa é sacrificada.
Nesse terceiro momento, em geral, as famílias já não conseguem mais buscar seu sustento na empresa e, mais do que isso, pelo surgimento dos prejuízos, começam a ver seu patrimônio e a propriedade da empresa ameaçados. Em muitos casos, quando a crise se agrava, o negócio é sacrificado em função da proteção ou manutenção da propriedade. A confusão entre a família, o negócio e a propriedade levam, invariavelmente, a uma necessidade de reorganizar as empresas familiares, de diferentes maneiras.
Nesses segundo e/ou terceiro momento por que passam as empresas, os conflitos latentes vêm à tona, impulsionados, em primeiro lugar, pelos diversos interesses e opiniões dos membros da família, cada um exercendo diferentes papéis conforme mostrado no gráfico abaixo:
XXX
Detalhamento:
(1) só pertencente à família; (2) só acionista; (3) só trabalhando na empresa, inclusive na alta gestão; (4) Acionista e pertencendo à família; (5) acionista e trabalhando na empresa-inclusive na alta gestão; (6) pertencente à família e trabalhando na empresa e (7) pertencendo simultaneamente à família, trabalhando na empresa e sendo acionista. sendo acionista. (Fonte: “De Geração Para Geração” -Kelin E. Gersick, John A. Davis, Marion Mc Collom Hampton, Ivan Lansberg-Alta Books Editora)
Em segundo lugar, pela mistura de sentimentos e emoções acumulados e não exteriorizados nas famílias, e que se transferem para as empresas familiares, nos diferentes assuntos nelas discutidos.
Em terceiro lugar ressalte-se a convivência de diferentes personalidades, (simplificadamente 10 ao todo, conforme trabalho realizado pela psicóloga Catherine Briggs e sua filha Isabel Briggs baseado em estudo elaborado por Jung e conhecida como MBTI – Classificação Tipológica de Myers Briggs.)1
Assim esses conflitos de relacionamento e emoções ao lado dos diferentes papéis exercidos pelos membros da família antes descritos são levados às Empresas e são potencializados nas discussões empresariais em um ambiente em que a sobrevivência do negócio está se mostrando crucial.
Isto significa que as empresas precisarão redefinir a sua atuação e seu modus operandi, alcançando mudanças na relação societária, organizacional e operacional. Para sobreviver, terão de mudar de uma posição de empresa da família para Família Empresária, mais profissionalizada e esta realidade leva ao aparecimento de inúmeros conflitos.
Na redefinição de sua organização podemos citar as seguintes mudanças mais comuns:
a) Desentrelaçar a família do negócio. Citamos como exemplo que as despesas da família não podem ser mais despesas do negócio e que os familiares que ingressam na empresa têm de ter preparo profissional para trazer uma contribuição clara para a empresa.
b) Mudança na relação societária, redefinindo regras claras e transparentes de convivência entre os sócios e para todos os assuntos pertinentes à empresa, alcançando a política de dividendos, direito de preferência, base de salários e explicitação da meritocracia. No entanto, a experiência da família no negócio deve ser valorizada, sendo um dos caminhos para isso o acolhimento, na gestão, de membros da família que tenham condições de atuar como conselheiros.
c) Mudanças operacionais que se reflitam na recuperação do controle do caixa, na elevação da capacidade de investimentos – particularmente em inovação e digitalização –, no aumento da produtividade e no aperfeiçoamento da gestão e governança, que podem levam à recuperação da empresa.
A partir daí, poderá haver a migração da empresa familiar para Família Empresária, onde a Mediação pode ter um papel crucial nessa transformação.
Utilização da mediação para o enfrentamento desses conflitos
Os conflitos, antes latentes e ocultos, aparecem em todas as suas formas de expressão, com disputas abertas entre sócios sobre governança, hierarquia, dividendos, salários, cultura e meritocracia. A solução para esses conflitos, quando pela via judicial, leva geralmente um enorme tempo2, comprometendo definitivamente o negócio e a propriedade da empresa.
Nesse momento em que a família percebe que a forma de gestão da empresa precisa ser modificada, o advogado da empresa ou das famílias, com o amplo conhecimento do conflito e da possibilidade do uso da mediação/conciliação, poderá ajudar a conduzir a empresa a optar pela melhor solução para o conflito.
Importante citar os princípios que regem a mediação e que a tornam eficaz na utilização dos conflitos: independência e imparcialidade do mediador, isonomia entre as partes, oralidade, confidencialidade, autonomia da vontade das partes, informalidade, busca do consenso, princípio da boa-fé e decisão informada, presentes na Lei da Mediação (lei 14.140/2015)3.
Baseado nesses princípios, o mediador utiliza-se das diversas técnicas de mediação, que podem ser usadas isoladamente ou combinadas, dependendo das características do caso. São elas: simpatia /empatia, acolhimento, escuta ativa, parafraseamento/recontextualização, perguntas abertas, afago, enfoque prospectivo, teste de realidade, resumo e caucus.
Ressalta-se que as técnicas de Escuta Ativa (atenção não somente à linguagem falada mas também às linguagens – corporal, tom de voz, forma de olhar etc. – para compreender com profundidade o conflito) e Caucus (reuniões privadas com mediados e advogados) podem ter especial destaque na Mediação.
A partir daí se torna mais fácil a construção de acordos viáveis para ambas as Partes embora o Acordo não deva ser a principal preocupação da mediação e sim o restabelecimento das relações.
Conclusão
A mediação, com a utilização das técnicas acima citadas ajuda a desvendar as razões ocultas do conflito e a caminhar para a solução adequada deles, devolvendo à empresa familiar a possibilidade de buscar as melhores alternativas para o seu respectivo crescimento e a manutenção do seu legado.
Como nos conflitos familiares, os conflitos empresariais vêm sendo resolvidos cada vez mais pela Mediação nos diferentes setores de atuação, seja no agronegócio seja nas indústrias e serviços particularmente em conflitos societários, de sucessão, de competição, de financiamento, com os fornecedores e trabalhistas. etc., com custos baixos e grande celeridade.
A disseminação do conhecimento sobre a mediação na sociedade brasileira, popularizando esse instrumento como ocorreu nos Estados Unidos, Europa, América do Sul e no Leste Europeu, poderá torná-lo presente na maior parte dos conflitos no Brasil, incluindo os empresariais familiares. Destaque-se que em países como a Itália, Colômbia e na Argentina já existe na legislação, a presença da cláusula conhecida como opt-out, que torna a mediação obrigatória antes da judicialização das ações, diminuindo-as sobremaneira. São casos de sucesso que revelam o potencial positivo do uso da mediação na solução de conflitos, que certamente beneficiarão empresas de todos os tipos.
Em especial, nas empresas familiares – nas quais, além da resolução do problema, é importante a preservação das boas relações familiares – a utilização desse instrumento é extremamente recomendável.
Referências bibliográficas
BRASIL. Lei no 14.140, de 26 de junho de 2015. Lei da Mediação. Disponível aqui. Acesso em: 30.abr.2021.
CARAN, María Elena, EILBAUM, Diana Teresa; RISOLÍA, Matilde, Mediación – Diseño de una Práctica. Buenos Aires, Librería Histórica, 2010.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2020: ano-base 2019/. Brasília: CNJ, 2020. Disponível aqui. Acesso em 30.abr.2021.
DECARO, Julio. A Cara Humana da Negociação. CreateSpace Independent Publishing Platform, 2013.
GERSICK, Kelin E; DAVIS, John A.; HAMPTON, Marion McCollom; LANSBERG, Ivan. De geração para geração: ciclos de vida das empresas familiares. São Paulo: Negócio Editora, 1997.
PRADO, Roberta Nioac (Coord.). Empresas Familiares e Famílias Empresárias: Governança e planejamento jurídico e sucessório. São Paulo, Quartier Latin, 2019.
STONE, Douglas, PATTON, Bruce e HEEN, Sheila. Conversas Difíceis, Elsevier Editora Ltda., 1999 -2004.
THE MYERS & BRIGGS FOUNDATION. MBTI® Basics. Disponível aqui. Acesso em: 30.abr.2021.
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1 Disponível aqui. Acesso em 30.abr.2021.
2 Conforme demonstra o relatório Justiça em Números 2020. Disponível aqui. Acesso em 30.abr.2021.
3 Disponível em: BRASIL. Lei 14.140, de 26 de junho de 2015. Lei da Mediação. Disponível aqui. Acesso em: 30.abr.2021.