Você já ouviu falar na Estratégia do Oceano Azul? Em poucas palavras, essa estratégia é uma metáfora que estipula um paralelo entre um oceano azul (representando um mar calmo e inexplorado, com menos perigoso e mais aberto a novas oportunidades para "navegar") e o oceano vermelho (cheio de tubarões, extremamente concorrido, onde existem mais ameaças). Esse tema é explorado no famoso livro de W. Chan Kim e Renée Mauborgne "A Estratégia do Oceano Azul"1.
É aí que entra a oportunidade para os advogados saírem desse oceano vermelho, um mercado extremamente concorrido, com uma proporção altíssima de candidato para cada vaga de emprego. O resultado nós, do meio jurídico, sabemos: baixos salários e profissionais que muitas vezes não tem o seu devido valor reconhecido.
Quero propor a você, leitor, quebrar paradigmas e mergulhar num oceano azul, pouco habitado, mas com muita oportunidade, onde você pode explorar um lado que talvez você nem saiba que exista. O nome desse oceano azul é a MEDIAÇÃO. A seguir, vou trazer alguns pontos para que você comece refletir e ver que há uma saída para quem quer se destacar na carreira e ainda não sabe como.
E qual seria esse paradigma? Desapegar da ideia de que advocacia e mediação concorrem. Vou mostrar para você que essa ideia limita nosso mercado, limita os profissionais e prejudica a entrega do judiciário.
Vamos refletir juntos?
Você já parou para analisar os dados do Justiça em Números?2 Já teve a oportunidade de verificar os índices de judicialização no Brasil, o tempo médio que dura um processo e quanto se gasta anualmente com o uso da máquina do Judiciário?
Apenas no período do auge pandemia da Covid-19, em 2020, a Justiça brasileira recebeu 25,8 milhões de novos processos.
O tempo médio de tramitação dos processos no Brasil é de 3 anos e 6 meses, levando em conta todos os ramos do Judiciário.
Além disso, nosso Judiciário é mais caro do que em qualquer outro país da OCDE, em termos de porcentual de PIB, segundo estudo do Prof. Luciano Timm "Propostas para uma reforma do sistema de Justiça no Brasil: como evitar a tragédia do poder judiciário"3 publicado no projeto Millenium Papers, do Instituto Millenium, o autor analisa e apresenta soluções para vencer alguns dos principais problemas do Judiciário: a morosidade, o excesso de litigância e a falta de acesso dos pobres à Justiça.
Sem dúvida, são dados alarmantes e que mostram um vício da sociedade de querer acionar o judiciário de qualquer forma. Isso sufoca nossa estrutura de acesso à Justiça e, infelizmente, aumenta o risco de ter um desfecho injusto.
É nesse ponto que entra a Mediação. Desde que a Lei 13.140 começou a ser discutida, levou-se em consideração a capacidade da mediação de auxiliar e andar de mãos dadas com o Judiciário, conseguindo, nos últimos anos, ganhar espaço principalmente no meio empresarial, mostrando sua capacidade de trazer soluções que diminuem gastos financeiros e desgastes psicológicos e de relacionamento entre as partes.
Eu quis abordar esse cenário em minha introdução para trazer uma reflexão em torno do papel do mediador e do advogado. São antagônicos? São complementares? Existe uma ameaça mútua a ambas as profissões? Existe algum entrave ético?
Como advogada e mediadora, quero apresentar a mediação como ferramenta poderosíssima que pode, como falei anteriormente, auxiliar o nosso saturado Judiciário, sem prejudicar ninguém. Pelo contrário, serve como um diferencial comercial para ser apresentado a seus clientes.
Há décadas que mediadores e advogados constituem parcerias em países com uma cultura de resolução de conflitos de forma pacífica mais desenvolvida. Trago aqui uma experiência pessoal que tive quando migrei da advocacia para a mediação, quando viajei aos Estados Unidos para pesquisar, estudar e conhecer profissionais mediadores.
Tive a oportunidade de conhecer grandes referências do assunto mediação e fiquei encantada com a filosofia que o americano desenvolveu ao longo do tempo de pensar de forma coletiva e prática, com o objetivo de solucionar conflitos de forma célere e menos desgastante para todos.
E foi lá que pude constatar que a mediação é uma oportunidade para os advogados como uma forma de oferecer um diferencial aos seus clientes.
Dwight Golann4, um dos maiores professores de mediação que conheço e autor de 5 livros sobre diversos temas relacionados a mediação, resumiu muito bem essa interação em uma entrevista que me concedeu:
"De certa forma, é como numa dança – os advogados pedem certas coisas aos mediadores, os mediadores têm que decidir se vão atender aos pedidos, e, caso positivo, como e quando. Contudo, ainda me surpreendo ao constatar que, há 30 anos, quando comecei, advogados americanos sabiam pouquíssimo sobre mediação. Hoje, os advogados recorrem à mediação praticamente em 25% a 65% das causas, por iniciativa própria, sem ordem judicial, e estão dispostos a pagar bem aos mediadores para lhes assessorar. Isto acontece porque os advogados acreditam que mediadores podem contribuir muito para o seu trabalho e garantir maior satisfação aos clientes."
D. Golann também me trouxe alguns exemplos de como isso pode acontecer na prática:
"Eles (advogados) podem fazer isso, naturalmente, em sessões conjuntas. Mas podem também atribuir tarefas, mandar mensagens para o mediador levar para o tomador da decisão na sala de reuniões ao lado, na outra sala de caucus.
Advogados podem ser mais duros na barganha (negociação) quando há um mediador na sala, porque sabem que ele será capaz de amortecer o impacto da estratégia.
Advogados usam mediadores também para lidar com clientes emocionalmente mais sensíveis, para dar notícias desagradáveis, e, especialmente, para tornar as pessoas responsáveis, nas devidas medidas, por decisões difíceis, mas necessárias para o acordo."
Essa visão refere-se ao uso de mediadores de forma estratégica por parte de advogados, mas essa cooperação pode existir na via contrária, com mediadores sempre aconselhando seus clientes a consultarem seus advogados antes, durante e depois das mediações.
A participação dos advogados durante todo o processo de mediação, desde a escolha do mediador, até a conclusão do acordo, é muito importante para passar segurança às partes e esse papel de "conselheiro" ajuda bastante a estreitar os laços entre o advogado e seu cliente.
Dadas as devidas diferenças culturais e práticas atuais entre o que é feito nos EUA e aqui no Brasil, é de se levar em consideração que existe sim um potencial de aprimoramento na prestação de serviços de advogados e mediadores e esse potencial precisa ser difundido entre esses profissionais. O conhecimento das técnicas e do ofício do mediador abre um horizonte de possibilidades para os advogados.
Não podemos nos deixar levar por lendas de que "os EUA é outro mundo, lá a mentalidade é outra devido a cultura". Lembre-se que a interação entre mediadores e advogados não aconteceu do dia para noite. Foram décadas de aprimoramento, de diálogo, de experimentações para se chegar no nível que é hoje e ter os resultados que eles conquistaram.
Nós podemos chegar lá também e quando chegarmos, poderemos ver de forma concreta os benefícios que isso trará para nosso sistema judicial, para nossa sociedade e para nossa economia.
Mediadores e advogados são duas faces da mesma moeda. São profissionais que se complementam e que fazem parte de uma engrenagem muito maior que pode mudar o rumo do nosso país e trazer justiça para quem precisa.
Vamos virar essa chave juntos? Vamos, juntos, ajustar o nosso mindset e transformar o nosso país numa referência em resolução de conflitos? A oportunidade está aí e os primeiros que agarrarem com unhas e dentes, lá na frente colherão os frutos e terão seu Oceano Azul.
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1 KIM, W. Chan Kim, MAUBORGNE, Renée. A Estratégia do Oceano Azul: Como criar novos mercados e tornar a concorrência irrelevante. São Paulo: Editora Sextante, 2019.
2 BRASIL.. Justiça em números 2021 / Conselho Nacional de Justiça. – Brasília: CNJ, 2021. Disponível aqui. Acesso em: 2 mai. 2022.
3 TIMM,Luciano. Estudo "Propostas para uma reforma do sistema de Justiça no Brasil: como evitar a tragédia do poder judiciário” disponível aqui. Acesso em 30 de jun de 2022
4 GOLANN, Dwight. Professor na Suffolk University Law School e autor de diversos livros referência na mediação como: Mediating Legal Disputes: Effective Strategies for Lawyers and Mediators.