Migalhas Consensuais

Mediação na recuperação empresarial - Cuidados e alertas aos advogados, mediadores e juízes, em especial quanto a mediação antecedente

Mediação na recuperação empresarial - Cuidados e alertas aos advogados, mediadores e juízes, em especial quanto a mediação antecedente.

22/4/2022

A lei 14.112/20 promoveu significativas inovações e alterações na lei 11.101/05, que regulava especificamente o instituto da Recuperação Judicial. Dentre os inúmeros avanços destaca-se a inserção de nova seção destinada à mediação antecedente ou incidental nos processos de recuperação judicial, um momento prévio para tentativa de superação da insolvência com o emprego da mediação antes de um pedido de recuperação, em claro incentivo do legislador ao uso da mediação no sistema de insolvência empresarial, para além do contexto das recuperações puramente judiciais.

A mediação é regulada pelo Código de Processo Civil de 2015 e pela lei 13.140/2015. Trata-se de um procedimento que pode ser definido como um método de resolução de disputas  em que um terceiro imparcial e independente, o mediador, coordena reuniões com as pessoas envolvidas, com o objetivo de facilitar o diálogo entre elas, utilizando técnicas e ferramentas próprias e adequadas, a fim de alcançar uma solução que atenda a todos os envolvidos.

As grandes vantagens da mediação, razão pelas quais vem alcançando cada vez mais adeptos e usuários no Brasil, seja no âmbito empresarial, familiar, societário, consumerista, obrigacional, contratual, recuperacional, dentre outros, são: maior agilidade e flexibilidade, confidencialidade, e autonomia das partes na decisão e construção da solução para o conflito  que vivem, mantendo ainda a necessária segurança jurídica, uma vez que o acordo firmado forma título executivo extrajudicial (art. 784, IV, CPC) ou judicial, neste caso se levado à homologação por um juiz de direito. 

Especificamente no âmbito da recuperação judicial, cabe lembrar que a Recomendação n. 58 do CNJ incentiva magistrados de varas especializadas, ou não, a se valerem do uso da mediação entre empresário/sociedade, em recuperação ou falidos, e seus credores, fornecedores, sócios, acionistas e terceiros interessados no processo, nos termos da lei 13.105/2015, da lei 13.140/2015 e agora do art. 20-A e seguintes da lei 11.101/2005 (art. 1o.).

Além disso, esta Recomendação n. 58 determina que para exercer a função de mediador, além da qualificação para atuar como tal, o profissional deverá ter experiência em processos de insolvência e em negociações complexas com múltiplas partes, podendo tais requisitos serem dispensados na hipótese de nomeação por consenso entre as partes ou de nomeação de um comediador que possua referida experiência (art. 3º., § 2º).

Com relação aos avanços promovidos pela lei 14.112/20 no sistema de insolvência, damos destaque, para os fins deste texto, ao novíssimo artigo 20-B, que permite a mediação antecedente e incidental nos processo de recuperação judicial, mesmo antes do processo e durante o mesmo em todas as relações mencionadas acima, incluindo empresas e entes da administração pública direta ou indireta, até mesmo concessionárias.

A hipótese de mediação antecedente prevista no inciso IV do referido artigo 20-B, conferida em sede de tutela de urgência cautelar, com a possibilidade de suspensão das execuções existentes contra a empresa requerente por até 60 (sessenta) dias, para que esta possa tentar negociar e se compor com seus credores, é uma grande inovação no ordenamento jurídico brasileiro, que já vem sendo contemplada e deferida em algumas decisões judiciais nesse sentido após a entrada em vigor da lei 14.112/20.

Assim, considerando esse momento “inicial” de adoção desta nova previsão legal, e também em razão da enorme valia que a mediação antecedente pode oferecer às empresas que se adequem aos requisitos para sua concessão, cabe uma importante reflexão para advogados, mediadores e juízes sobre os limites éticos da utilização da mediação nesta situação.

Um primeiro alerta que se faz necessário é o de que, após obter o deferimento da tutela cautelar de urgência para suspender as execuções propostas contra a empresa pelo prazo de 60 (sessenta) dias, a empresa em dificuldade tente compor com seus credores para evitar a recuperação judicial. Advogados envolvidos e mediadores convocados devem certificar-se de quais credores a empresa procurou listar e chamar para negociação e mediação. O ideal seria que efetivamente todos os credores das ações que serão suspensas por tal decisão judicial sejam chamados para mediar. Já se sabe de casos em que a empresa, apesar de beneficiada pela suspensão da totalidade das execuções que correm contra si, acabou por chamar apenas alguns selecionados credores para efetivamente negociar, ainda que houvessem outros credores em situação similar ou detentores de créditos similares, sem que houvesse algum critério objetivo que justificasse tal segregação ou seleção, ignorando os demais credores, também com as execuções suspensas. Poder-se-ia tratar de desconhecimento do funcionamento dessa nova previsão legal, ou artimanha processual para ganhar “fôlego” (até eventualmente aceitável no julgamento das partes envolvidas). Seja como for, cabe aos advogados e mediadores manterem-se alertas para evitar problemas no desenho do sistema de solução de disputas chamando para a mediação apenas os credores indicados pela empresa em dificuldade, sob pena de se colocar em risco a reputação da mediação e a boa utilização dessa inédita previsão legal dentro dos preceitos legais e éticos que regem nosso ordenamento e o instituto da mediação em si. 

Um segundo ponto de atenção aos advogados e mediadores é o de se lembrar que a mediação pressupõe uma fase muito importante de negociações, para a qual devem vir todos muito bem preparados, munidos de propostas interessantes e criativas, diversas e variadas, que contemplem os interesses de ambos os lados, de forma a realmente fazer valer essa grande oportunidade que está sendo dada às empresas em dificuldades que almejam ter um tempo para se compor com seus credores sem se preocupar com a pressão das execuções em andamento. Assim, não pode ser aceitável que a empresa beneficiada com uma decisão judicial que defere a tutela de urgência cautelar e determina a suspensão de suas execuções por 60 (sessenta) dias apresente-se nas sessões de mediação com propostas inexequíveis, fracas, não atraentes, não fundamentadas e nem minimamente razoáveis. Lembramos que é papel do mediador, especialmente nas sessões de pré-mediação, explicar a importância das partes terem um papel ativo na construção das possíveis soluções de seus conflitos, de forma que, se apesar de devidamente orientada, a empresa beneficiada com a mediação antecedente comparece às sessões munida de propostas vazias ou desprovidas da seriedade que se espera, corre o risco de passar a imagem de estar agindo de má-fé, perdendo a credibilidade dos mediadores e dos próprios credores.

Outro alerta que merece destaque, agora mais direcionado aos mediadores que forem eventualmente nomeados nessas mediações, é o de ser conveniente que atentem-se às movimentações processuais e procedimentais das empresas que tenham obtido tal possibilidade de suspensão das execuções para composição com credores em sessões de mediação. É preciso observar se a empresa e seus representantes movimentam-se ativamente no processo em que obtiveram a tutela de urgência cautelar e nas sessões, buscando agendar os encontros com os credores, atentas ao exíguo prazo que possuem para tanto, demonstrando, enfim, um verdadeiro e genuíno interesse pela composição com seus credores. Uma empresa que pouco faz para movimentar o processo ou fazer acontecer as sessões de mediação com a totalidade dos seus credores pode, novamente, estar dando indícios claros de comportamento nefasto à dignidade e seriedade da mediação, e de má-fé.

Não menos importante é relembrar os advogados e mediadores que em razão da possibilidade da realização de sessões de mediação com a utilização de plataformas de videoconferência, é crucial que todos estejam familiarizados com a utilização do sistema e dos equipamentos (computadores, microfones e câmeras) e ainda disponham de acesso à internet com velocidade que permita a realização das sessões sem interrupções, afinal o prazo de 60 (sessenta) dias corridos é exíguo e todos os esforços e adaptações devem ser feitos para que seja bem aproveitado, evitando-se intercorrências que atrapalhem o desenvolvimento fluído do processo de mediação.

Também é deveras importante que tanto os advogados quanto os mediadores verifiquem se as pessoas que participarão das sessões de mediação têm poderes de representação e autoridade (alçada) para efetivamente negociar, aceitar ou rejeitar eventuais propostas de acordo. É sabido, entretanto, que especialmente em grandes empresas e instituições financeiras muitas vezes a estrutura organizacional e os procedimentos internos são burocráticos e lentos e não permitem a agilidade e representação esperada, sendo essas situações excepcionais.

Por fim, mas não menos relevante, sugere-se que os mediadores estejam envolvidos na troca de informações e documentos entre credores e devedora, mesmo fora das sessões. A participação dos mediadores na troca de informações e documentos é imprescindível para que os mesmos possam acompanhar a evolução das tratativas e então ajudar as partes na manutenção, cadência e continuidade do diálogo.

A lei 14.112/20 trouxe significativas, importantes e positivas alterações no processo de recuperação de empresas, demonstrando a intenção do legislador de favorecer e aprimorar o ambiente de negociação entre empresas e credores, especialmente nesta nova seção acrescentada na lei 11.101/05 através dos artigos 20-A e seguintes.

A evolução oferecida por esta lei é tão impactante que foi tema de dois enunciados da segunda edição das Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios do Conselho de Justiça Federal (CJF), organizado pelo Centro de Estudos Judiciários. Fato inédito, pois o tema não foi objeto de debate da edição anterior. Ambos estabelecem que na mediação antecedente a empresa devedora e seus credores possuem liberdade para criar o melhor entendimento para adimplemento das obrigações e durante a recuperação judicial, não cabe ao mediador julgar a existência, exigibilidade e legalidade do crédito. Ademais, em mediação em recuperação judicial, todos os participantes, colaborativamente, devem zelar pela observância da ordem de preferência dos créditos e pela verificação de existência, exigibilidade e legalidade dos créditos.

É esperado que aprendizados e melhores entendimentos sobre a aplicação dos novos artigos inseridos na lei 11.101/05 se desenvolvam na prática a cada concessão de uma tutela de urgência cautelar para a suspensão das execuções e realização das sessões de mediação. A intenção desse texto é, então, colaborar para um aprimoramento cada vez maior da utilização da mediação no sistema de insolvência, na esperança de que as mediações antecedentes aconteçam da melhor forma possível, com o maior aproveitamento possível por todos os envolvidos, sejam partes, credores, devedores, mediadores, advogados e juízes.

Adolfo Braga Neto é advogado, graduado pela USP, mestre pela PUC/SP, mediador, árbitro, instrutor do CNJ. Presidente do Conselho de Administração do IMAB - Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil. Diretor de Relações Internacionais do CONIMA - Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem e diretor do ISCT - Institute for the Study of Conflict Transformation.

Alexandre Augusto Fiori de Tella é advogado, graduado pela PUCCAMP, mestre pela UNIP e pela University of Missouri (MIZZOU). Doutorando pela MIZZOU; mediador certificado pela Escola Paulista da Magistratura, pela Suprema Corte do Estado do Missouri e pela U.S. District Court for the Eastern District of Missouri; e Professor Universitário na MIZZOU.

Camila Peixoto Olivetti Regina é advogada, negociadora, e mediadora certificada pelo ICFML, cadastrada no CNJ e no TJ/SP. Especialista em Direito Processual Civil pela EPM. LLM em Direito Internacional por Oxford Brookes University (Inglaterra). Possui diversos cursos complementares de mediação, com destaque para Mediação em Recuperação Judicial (IMAB e IBAJUD), Mediação e Negociação Empresarial (CBMAE). Membro da Task Force IMAB de Mediação para Empresas em Recuperação, coordenada pelo Prof. Adolfo Braga.

 

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunistas

Mariana Freitas de Souza é advogada e mediadora. Presidente do ICFML Brasil. Diretora do CBMA. Membro da Comissão de Mediação do Conselho Federal da OAB. Membro da Comissão de Arbitragem da OAB/RJ. Membro da Comissão de Conciliação, Mediação e Arbitragem do IAB. Membro do Global Mediation Panel da ONU. JAMS Weinstein International Fellow. Sócia do PVS Advogados.

Samantha Longo é advogada e professora. Membro do FONAREF – Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências e membro do Comitê Gestor de Conciliação, ambos do CNJ. Conselheira da OAB/RJ. Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pela UniCuritiba. Negotiation and Leadership Program na Harvard University. LLM. em Direito Empresarial pelo IBMEC/RJ. Autora de diversos artigos, coordenadora de obras coletivas, coautora da obra "A Recuperação Empresarial e os Métodos Adequados de Solução de Conflitos" e autora do livro "Direito Empresarial e Cidadania: a responsabilidade da empresa na pacificação dos conflitos".