Um dos aspectos mais complexos da Bioética é a percepção da sua materialização. Afinal, ao se falar sobre uma ciência tão rica e jovem como a Bioética, pode ser que haja certa dificuldade em se enxergar as formas como pode ser materializada.
Os Comitês de Bioética são um importante instrumento que viabilizam a essa materialização da Bioética. Contudo, não se tratam de mecanismos conhecidos, infelizmente.
Inclusive, pode-se ressaltar que no Brasil ainda não existe uma cultura de Comitês de Bioética nas associações de saúde e ambientes clínicos e hospitalares. Tal fato enfraquece o diálogo acerca dos conflitos éticos que permeiam a Bioética e que são rotineiros nos ambientes das instituições de Saúde.
No Brasil não existe legislação robusta acerca da obrigatoriedade de estabelecimento de Comitês de Bioética nas instituições de Saúde. O que se tem é, apenas, uma recomendação do Conselho Federal de Medicina – CFM. Neste caso, cumpre ressaltar que as normas do CFM são de natureza administrativa, e não legal. Além disso, a norma em questão (Recomendação CFM nº 08/20151) não é colocada como mandatória, apenas se tratando de uma sugestão normativa, visto se tratar de uma recomendação.
Conforme descrito na normativa supramencionada, os Comitês de Bioética são, a princípio, órgãos institucionais estabelecidos em hospitais e entidades assistenciais de saúde não hospitalares também. Trata-se de um órgão colegiado, multiprofissional, com autonomia, além de consultivo e educativo.
Registra-se o fato de que os Comitês de Bioética, enquanto órgãos colegiados e multiprofissionais, visam proporcionar às discussões bioéticas características refletidas na própria ciência em questão, pois se relaciona com o caráter multi-inter-transdisciplinar2 da Bioética: tais Comitês não são formados apenas por técnicos da saúde, mas também por pessoas com conhecimentos sobre outras áreas, além dos representantes da sociedade civil.
Chama-se atenção também para a característica de que os Comitês de Bioética se tratam de órgãos consultivos e educativos. Isso significa dizer que os Comitês de Bioética servem, justamente para deliberar sobre os conflitos e dilemas que lhe chegam, além de ter iniciativa de educar tanto os pacientes como os profissionais da instituição acerca dos temas consultados e já analisados.
Os Comitês de Bioética são extremamente importantes para a condução de situações diversas que podem acontecer nas relações de saúde, visto que podem debater e pacificar o entendimento institucional acerca dos diversos dilemas atinentes às peculiaridades cada estabelecimento de saúde.
Logo, veja-se o que reza a Recomendação CFM nº 08/2015 acerca do que os Comitês de Bioética têm como funções e o que foge às suas atribuições:
São funções do Comitê de Bioética:
a) Dispor sobre e subsidiar decisões sobre questões de ordem moral.
b) Sugerir a criação e a alteração de normas ou de documentos institucionais em assuntos que envolvam questões bioéticas.
c) Promover ações educativas em Bioética.
Não são funções dos Comitês de Bioética:
a) Impor decisões.
b) Assumir a responsabilidade do consulente.
c) Emitir juízos de valor sobre práticas profissionais.
d) Exercer controle sobre práticas profissionais.
e) Realizar perícias.
Finalmente, é interessante contextualizar que neste momento de pandemia, a existência de Comitês de Bioética se mostra fundamental para dirimir aspectos éticos relacionados à distribuição de recursos limitados, alocação de mão de obra, priorização de atendimentos, etc. Entretanto, poucas são as instituições que contam com esse órgão em sua estrutura.
É válido lembrar que o Brasil não possui um Comitê Nacional de Bioética, apesar de haver projetos de lei neste sentido, a exemplo do PL 3497/2004 e do 6032/2005. O Comitê Nacional de Bioética poderia operar enquanto balizador nacional para questões éticas em Saúde, as quais são comumente desprezadas, o que leva a prejuízos suportados tanto pelos pacientes, como também pelos profissionais de saúde e demais colaboradores da esfera.
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1 CFM. Conselho Federal de Medicina, 2015. Recomendação nº 08 de 2015.
2 Garrafa V. Bioe'tica. In: Giovanella L; Escorel S, Lobato LVC, Noronha JC, Carvalho AI, organizadores. Políticas e Sistemas de Sau'de no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2008, p. 853-69.