Migalha Trabalhista

Atestado emitido pela Defesa Civil e a ausência do empregado ao trabalho

Aborda-se a questão da falta do empregado ao trabalho e a apresentação de atestado emitido pela Defesa Civil em situações de emergência ou calamidade.

7/6/2024

Este breve artigo pretende abordar a problemática que relaciona à falta do empregado ao trabalho e a apresentação de atestado emitido pela Defesa Civil, nas hipóteses de decretação da situação de emergência ou de calamidade pública por município ou Estado da Federação.

Antes de adentrar efetivamente no problema lançado, faz-se necessário conceituar as hipóteses de interrupção e suspensão contratual:

  1. Na interrupção o empregado percebe a totalidade ou parte do salário e há o cômputo do tempo de serviços para todos os efeitos (trabalhistas e previdenciários);
  2. Já na suspensão contratual o empregado deixa de prestar os serviços contratados e não percebe nenhuma contraprestação ou vantagem do empregador, de modo que o pacto laborativo não produz seus principais e regulares efeitos.

A legislação pátria, a partir do art. 473 da CLT, determina quais são as hipóteses fáticas de interrupção do contrato de trabalho, ou seja, a norma celetária impõe obrigação ao empregador de satisfazer o salário ao empregado, mesmo que não tenha havido o respectivo labor.

Entretanto, em se verificando no caso em concreto que o empregado não prestou o labor contratado, ou tampouco que não restaram preenchidos os suportes fáticos das previsões legais de interrupção contratual, está autorizada a não satisfação do salário correspondente.

E mais especificamente quanto à falta do empregado ao trabalho, torna-se imperioso analisar o contexto em que tal ausência ocorreu, como também o tratamento adotado nas esferas coletiva e individual.

Com o intuito de ser extremamente pedagógico e elucidativo, tem-se que determinada falta poderia ser devidamente autorizada pelo empregador (e, portanto, abonada com o correspondente pagamento do salário), ou, ainda, possuir previsão expressa em norma coletiva de idêntico sentido. Aliás, existe a hipótese de enunciado jurisprudencial que igualmente determina a satisfação salarial ao empregado (como no caso da súmula 155 do TST, que estabelece que “as horas em que o empregado falta ao serviço para comparecimento necessário, como parte, à Justiça do Trabalho, não serão descontadas de seus salários”).  

Contudo, a falta ao trabalho somente é considerada injustificada quando não autorizada em lei, em norma coletiva ou mediante consentimento do empregador, acarretando no não pagamento do respectivo salário.

Por outro lado, recentes episódios climáticos vêm produzindo eventos adversos com efeitos desastrosos em nosso país, acarretando em prejuízos sociais e econômicos a municípios e Estados da Federação.

A depender dos danos e das suas consequências, os Entes Públicos se valem de suas prerrogativas e acabam por decretar situação de emergência (hipótese de anormalidade provocada por algum desastre e que implica um comprometimento parcial da capacidade de resposta do Poder Público do ente atingido) ou estado de calamidade pública (hipótese de anormalidade provocada por algum desastre e que implica um comprometimento substancial da capacidade de resposta do Poder Público do ente atingido), levando em consideração a gravidade do evento desastroso e a capacidade do Poder Público de (re)agir.

Para fins de decretação de ambos os estados supramencionados, o Ente Público se vale das previsões da lei 12.340, de 1º/12/10, e da lei 12.608, de 10/4/12, para implementarem ações preventivas, de socorro, assistenciais e reconstrutivas da sociedade por intermédio da Defesa Civil.

A Defesa Civil é uma pasta do Poder Executivo que não dispõe de personalidade jurídica própria, mas possui autonomia e prerrogativa para sugerir ações positivas, inclusive para requisitar força coercitiva (policial e/ou militar) e buscar recursos públicos a fim de cumprir sua finalidade administrativa.

Diante de um evento adverso que enseja a declaração de situação de emergência ou de calamidade pública, com o respaldo de decreto emitido pelo chefe do Poder Executivo, podem ser emitidos atestados pela Defesa Civil com o condão declaratório de informar que determinadas localidades ou endereços foram atingidos, resultando na impossibilidade de pessoas acessarem e/ou permanecerem em suas residências (seja por dificuldade de locomoção, seja por condenação dos imóveis).

Note-se que este atestado em questão não se compara a um atestado médico, menos ainda para efeitos de abono de faltas ou encaminhamento da pessoa ao INSS para o gozo de benefício previdenciário. Tem-se a finalidade apenas de comprovar que a pessoa (neste caso, o empregado) está impossibilitada de comparecer ao trabalho pela dificuldade de acessar ou sair e sua residência ou localidade.

De outra banda, considerando o atestado que corrobora a situação emergencial ou calamitosa, onde constam especificamente os detalhes técnicos do evento adverso e a COBRADE - Classificação e Codificação Brasileira de Desastres, entende-se que o empregador não poderá punir o empregado pela ausência ao trabalho com advertência, suspensão ou até mesmo a aplicação da despedida com justa causa ao trabalhador.

Por isso, conclui-se que o empregador não está obrigado ao pagamento do salário ao empregado relativo à falta do trabalho, assim como do respectivo repouso semanal remunerado, mesmo quando apresentado um atestado emitido pela Defesa Civil, após decretada situação de emergência ou de calamidade pública, por não ser considerada uma hipótese legal de interrupção do contrato de trabalho.

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Colunista

Ricardo Calcini é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista. Estratégica, atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs, TST e STF). Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/SP. Pós-Graduado em Direito Processual Civil (EPM TJ/SP) e em Direito Social (Mackenzie). Professor Convidado de Cursos Jurídicos e de Pós-Graduação (FADI, ESA, IEPREV, Católica de SC, PUC/PR, PUC/RS, Ibmec/RJ, FDV e USP/RP). Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Professor indicado pela Câmara dos Deputados para presidir o grupo de estudos técnicos para a elaboração do PL 5.581/2020 acerca do Teletrabalho. Coordenador Acadêmico do projeto "Migalha Trabalhista" (Migalhas). Palestrante e Instrutor de eventos corporativos pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, especializada na área jurídica trabalhista com foco nas empresas, escritórios de advocacia e entidades de classe. Autor do livro "Prática Trabalhista nos Tribunais: TRT's e TST". Coautor dos livros "Execução Trabalhista na Prática" (2ª Edição) e "Manual de Direito Processual Trabalhista". Organizador das obras coletivas "CLT Comentada: Artigo por Artigo" – Mizuno (2ª Edição), "Estratégias da Advocacia no TST", "ESG – A Referência da Responsabilidade Social Empresarial", "Prática de Processo de Trabalho: Técnica Visual Law", "Reflexões Jurídicas Contemporâneas: Estudos em homenagem ao Ministro Douglas Alencar Rodrigues", "Relações Trabalhista e Sindicais – Teoria e Prática" (2ª Edição), "LGPD e Compliance Trabalhista" e "Reforma Trabalhista na Prática: Anotada e Comentada" (2ª Edição). Coordenador do livro digital "Nova Reforma Trabalhista" (Editora ESA OAB/SP, 2020). Coordenador dos livros "Perguntas e Respostas sobre a Lei da Reforma Trabalhista" (Editora LTr) e "Reforma Trabalhista: Primeiras Impressões" (Editora Eduepb). Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (GETRAB-USP), do GEDTRAB-FDRP/USP e da CIELO LABORAL. Contatos: Instagram ricardo_calcini | Website www.ricardocalcini.com.br