Migalha Trabalhista

Reflexões sobre a recente decisão do STJ quanto ao uso da CNIB nas execuções civis

As ferramentas eletrônicas SISBAJUD, RENAJUD e CNIB formam, portanto, uma tríade necessária na fase da pesquisa patrimonial básica nas execuções.

9/2/2024

Ao lado dos sistemas de constrição patrimonial SISBAJUD (Sistema de busca de ativos do Poder Judiciário) e RENAJUD (Sistema online de restrição judicial de veículos), considera-se a Central Nacional de Indisponibilidade de Bens - CNIB como uma das ferramentas eletrônicas de maior efetividade na pesquisa patrimonial no processo executivo, tendo sido “desenvolvida a partir do Termo de Acordo de Cooperação Técnica Nº 084/2010, firmado em 14 de junho de 2010, entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (ARISP) e o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB), e regulamentada pelo Provimento nº 39/2014 da Corregedoria Nacional de Justiça, tendo como escopo integrar todas as indisponibilidades de bens imóveis decretadas por magistrados e autoridades administrativas”1.

As ferramentas eletrônicas SISBAJUD, RENAJUD e CNIB formam, portanto, uma tríade necessária na fase da pesquisa patrimonial básica nas execuções.

Conforme tivemos a oportunidade de expor em nossa obra: 

“[...] a pesquisa patrimonial básica é aplicada na fase inicial da execução forçada, logo após o transcurso do prazo legal para pagamento voluntário da dívida pelo devedor, e contempla as ferramentas eletrônicas de constrição de bens de alta liquidez, seguindo esta ordem: ativos financeiros, veículos e imóveis, tendo como referência o rol dos bens preferencialmente penhoráveis previsto no art. 835 do CPC, e permitem oferecer um panorama inicial sobre o patrimônio do executado com deflagração imediata do procedimento de penhora e expropriação do patrimônio do devedor”2. 

E na referida obra ainda se continua: 

O trio formado pelo SISBAJUD, RENAJUD e CNIB representa, portanto, o núcleo essencial das ferramentas eletrônicas básicas, cuja utilização é mandatória no início de qualquer processo executivo. Essas ferramentas são complementadas por outras, especializadas na localização de bens imóveis urbanos e rurais, como a Penhora Online e o SNCR, assim como pelo IdAgro, que se especializa no rastreamento de tratores e demais maquinários agrícolas automotores3. 

A CNIB possui gênese normativa no Código Tributário Nacional (art. 185-A do CTN)4, o que levanta discussões sobre sua aplicabilidade fora do contexto de execuções fiscais. Bem por isso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio de sua 3ª Turma, se debruçou acerca desta polêmica questão: é possível a utilização da CNIB na execução civil?

No informativo nº 15 do STJ, de 23.1.2024, foi veiculada decisão da 3ª Turma do Tribunal da Cidadania que, de forma positiva, autorizou a utilização da ferramenta CNIB nas execuções civis. Porém, classificou a CNIB como uma medida executiva atípica, criando, com isso, uma condicionante para seu uso na fase inicial da execução forçada: “[...] por se tratar de medida executiva atípica, a utilização do CNIB será admissível somente quando exauridos os meios executivos típicos, ante a sua subsidiariedade [...]”.

Confira-se o inteiro teor da ementa do julgado: 

EMENTA: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. CONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ADI N. 5.941/DF). UTILIZAÇÃO DO CADASTRO NACIONAL DE INDISPONIBILIDADE DE BENS (CNIB). POSSIBILIDADE. EXAURIMENTO DOS MEIOS EXECUTIVOS TÍPICOS. NECESSIDADE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.

1. O propósito recursal consiste em verificar a possibilidade de o Magistrado, com base no seu poder geral de cautela, determinar a busca e a decretação de indisponibilidade de bens da parte executada por meio do sistema Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB).

2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 5.941/DF, recentemente declarou a constitucionalidade da aplicação concreta das medidas atípicas previstas no art. 139, IV, do CPC/2015, desde que não avance sobre direitos fundamentais e observe os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

3. A fim de regulamentar o Cadastro Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB), o Conselho Nacional de Justiça editou o Provimento n. 39/2014, o qual prevê busca pela racionalização do intercâmbio de informações entre o Poder Judiciário e os órgãos prestadores de serviços notariais e de registro, constituindo uma importante ferramenta para a execução, a propiciar maior segurança jurídica aos cidadãos em suas transações imobiliárias.

4. A adoção do CNIB atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, assim como não viola o princípio da menor onerosidade do devedor, pois a existência de anotação não impede a lavratura de escritura pública representativa do negócio jurídico relativo à propriedade ou outro direito real sobre imóvel, exercendo o papel de instrumento de publicidade do ato de indisponibilidade.

5. Contudo, por se tratar de medida executiva atípica, a utilização do CNIB será admissível somente quando exauridos os meios executivos típicos, ante a sua subsidiariedade, conforme orientação desta Corte Superior.

6. Determinação de retorno dos autos à origem para que o Magistrado, verificando se houve ou não o esgotamento dos meios executivos típicos, aprecie o pedido de utilização do CNIB.

7. Recurso especial conhecido e provido.

(STJ – REsp n. 1.963.178/SP – 3ª Turma - Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze – Data de julgamento: 12/12/2023) 

Apesar de ser um avanço, entende-se equivocada a decisão ao enquadrar a CNIB como uma medida atípica, uma vez que a indisponibilidade de bens em geral do devedor está expressamente prevista no artigo 828 do Código de Processo Civil (CPC)5, e não possui nenhum caráter extraordinário.

O artigo 854 do CPC6, ao tratar do SISBAJUD, considera a indisponibilidade como a primeira etapa no iter procedimental da penhora de ativos financeiros. Ainda, não se pode olvidar que os bens imóveis, que são alvo da CNIB, ocupam uma posição de destaque no rol de bens preferencialmente penhoráveis (art. 835, V, do CPC)7.

Consoante destacado em nossa obra literária, “a referida ferramenta eletrônica é de uso obrigatório pelos magistrados de primeiro grau, conforme preceitua o art. 5º do Provimento nº 39/2014 da Corregedoria Nacional de Justiça. O referido provimento não faz distinção de acesso a qualquer ramo do Poder Judiciário, razão pela qual a ferramenta deve ser utilizada em todas as execuções judiciais, seja fiscal, trabalhista ou civil, como principal forma de constrição eletrônica de bens imóveis”8.

Além disso, o STJ fez referência inadequada ao julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI 5.941, pois o objeto de discussão naquele caso era a constitucionalidade de medidas coercitivas atípicas, enquanto a CNIB visa implementar uma medida executiva direta de constrição, algo completamente diferente do que foi debatido pela Suprema Corte.

Desse modo, na prática, ao prevalecer esse aludido entendimento, o credor civil precisará, ao menos, diligenciar no Cartório de Registro de Imóvel (CRI) local acerca da existência de imóvel em nome do devedor, como etapa preparatória do requerimento da CNIB no processo executivo. Assim, é recomendável fundamentar o pedido de CNIB, indicando a ausência de ativos financeiros (SISBAJUD negativo), veículos (RENAJUD negativo), além da ausência de imóveis na comarca onde tramita a execução.

É válido também, como etapa preparatória ao uso da CNIB, em razão da “regra de subsidiariedade” criada pelo STJ, requerer a extração do relatório “Declaração sobre operações imobiliárias – DOI” disponível na ferramenta INFOJUD (Sistema de informações ao poder Judiciário), para verificar a existência de bens imóveis do devedor que já tenham sido registrados em seu nome ou alienados em fraude à execução ou, ainda, mediante prática de blindagem patrimonial, por exemplo.

Atualmente, percebe-se uma tendência evolutiva no processo executivo de adotar os sistemas eletrônicos destinados à busca patrimonial do devedor, em superação ao antigo modelo de diligências executivas mediante expedição de ofícios, e que muito contribui para a maior celeridade do processo e confere efetividade à atividade executiva de modo a solucionar os entraves na recuperação de créditos no país9. Portanto, o Poder Judiciário precisa fomentar o uso eficiente dessas tecnologias, sem impor entraves jurídicos ao seu emprego em prol da concretização dos princípios constitucionais da efetividade da jurisdição e da razoável duração do processo, incluindo a atividade satisfativa.

__________

1 GUIMARÃES, Rafael; CALCINI, Ricardo; JAMBERG, Richard Wilson. Execução trabalhista na prática, 3ª ed. Leme-SP: Mizuno, 2024, p. 819.

2 Idem, p. 796.

3 Idem.

4 CLT, Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial. § 1o A indisponibilidade de que trata o caput deste artigo limitar-se-á ao valor total exigível, devendo o juiz determinar o imediato levantamento da indisponibilidade dos bens ou valores que excederem esse limite. § 2o Os órgãos e entidades aos quais se fizer a comunicação de que trata o caput deste artigo enviarão imediatamente ao juízo a relação discriminada dos bens e direitos cuja indisponibilidade houverem promovido.  

5 CPC, Art. 828. O exequente poderá obter certidão de que a execução foi admitida pelo juiz, com identificação das partes e do valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade. §1º No prazo de 10 (dez) dias de sua concretização, o exequente deverá comunicar ao juízo as averbações efetivadas. §2º Formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, o exequente providenciará, no prazo de 10 (dez) dias, o cancelamento das averbações relativas àqueles não penhorados. §3º O juiz determinará o cancelamento das averbações, de ofício ou a requerimento, caso o exequente não o faça no prazo. §4º Presume-se em fraude à execução a alienação ou a oneração de bens efetuada após a averbação. §5º O exequente que promover averbação manifestamente indevida ou não cancelar as averbações nos termos do § 2º indenizará a parte contrária, processando-se o incidente em autos apartados.

6 CPC, Art. 854. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, sem dar ciência prévia do ato ao executado, determinará às instituições financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional, que torne indisponíveis ativos financeiros existentes em nome do executado, limitando-se a indisponibilidade ao valor indicado na execução. §1º No prazo de 24 (vinte e quatro) horas a contar da resposta, de ofício, o juiz determinará o cancelamento de eventual indisponibilidade excessiva, o que deverá ser cumprido pela instituição financeira em igual prazo. §2º Tornados indisponíveis os ativos financeiros do executado, este será intimado na pessoa de seu advogado ou, não o tendo, pessoalmente. §3º Incumbe ao executado, no prazo de 5 (cinco) dias, comprovar que: I - as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis; II - ainda remanesce indisponibilidade excessiva de ativos financeiros. §4º Acolhida qualquer das arguições dos incisos I e II do § 3º, o juiz determinará o cancelamento de eventual indisponibilidade irregular ou excessiva, a ser cumprido pela instituição financeira em 24 (vinte e quatro) horas. §5º Rejeitada ou não apresentada a manifestação do executado, converter-se-á a indisponibilidade em penhora, sem necessidade de lavratura de termo, devendo o juiz da execução determinar à instituição financeira depositária que, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, transfira o montante indisponível para conta vinculada ao juízo da execução. §6º Realizado o pagamento da dívida por outro meio, o juiz determinará, imediatamente, por sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional, a notificação da instituição financeira para que, em até 24 (vinte e quatro) horas, cancele a indisponibilidade. §7º As transmissões das ordens de indisponibilidade, de seu cancelamento e de determinação de penhora previstas neste artigo far-se-ão por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional. §8º A instituição financeira será responsável pelos prejuízos causados ao executado em decorrência da indisponibilidade de ativos financeiros em valor superior ao indicado na execução ou pelo juiz, bem como na hipótese de não cancelamento da indisponibilidade no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, quando assim determinar o juiz. §9º Quando se tratar de execução contra partido político, o juiz, a requerimento do exequente, determinará às instituições financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido por autoridade supervisora do sistema bancário, que tornem indisponíveis ativos financeiros somente em nome do órgão partidário que tenha contraído a dívida executada ou que tenha dado causa à violação de direito ou ao dano, ao qual cabe exclusivamente a responsabilidade pelos atos praticados, na forma da lei.

7 CPC,  Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: [...] V - bens imóveis;

8 Idem, p. 820.

9 Um exemplo dessa eficácia é destacado em recente reportagem do G1, que revela como o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15) alcançou um recorde na recuperação de créditos. Esse sucesso é atribuído, entre outas, à adoção de ferramentas eletrônicas de pesquisa patrimonial associada ao elevado nível de especialização de sua equipe e à formação de centros de inteligência vinculados à Coordenadoria de Pesquisa Patrimonial. Para mais detalhes, confira a matéria completa no G1: “Como o 2º maior tribunal trabalhista do Brasil atingiu o recorde de valores pagos em solução de processos desde 1986”. Acesso em 07 fev. 2024.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunista

Ricardo Calcini é advogado, Parecerista e Consultor Trabalhista. Sócio Fundador de Calcini Advogados. Atuação Especializada e Estratégica (TRTs, TST e STF). Professor M. Sc. Direito do Trabalho (PUC/SP). Docente vinculado ao programa de pós-graduação de Direito do Trabalho do INSPER/SP. Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno. Colunista nos portais JOTA, Migalhas e ConJur. Autor de obras e de artigos jurídicos em revistas especializadas. Membro e Pesquisador: GETRAB-USP, GEDTRAB-FDRP/USP e CIELO Laboral. Membro do Comitê Executivo da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Professor Visitante: USP/RP, PUC/RS, PUC/PR, FDV/ES, IBMEC/RJ, FADI/SP e ESA/OAB.