Muito se discute acerca da "pejotização" de profissionais liberais na área trabalhista, se lícita ou ilícita. E antes de entrar no mérito do tema, é salutar entendermos de onde ela surgiu.
Com efeito, a "pejotização" surgiu com o advento da lei 11.196/05, no qual seu artigo 129 permitiu a contratação do profissional liberal “PJ” para os serviços intelectuais, científicos, artísticos e culturais.
Já com a reforma trabalhista, lei 13.467/17, permitiu-se a terceirização da atividade-fim, e, neste cenário, erroneamente entendeu-se que, doravante, que a "pejotização" estaria liberada a partir do acréscimo dos artigos 4-A e 5-C, na lei 6.079/74.
Do ponto de vista da relação empregatícia, o contrato de emprego é bem específico e está dentro da teoria dos contratos que, por sinal, é inserido na teoria geral do negócio jurídico. Logo, isso quer dizer que, para a validade do negócio jurídico, faz-se necessária a análise de todos os seus elementos, quais sejam, consentimento, erro, dolo, coação e a simulação.
O erro é causado pela falsa ideia de realidade da situação do liame empregatício. Em outras palavras, pretende-se praticar um ato, mas, em verdade, pratica-se outro, com amplo dolo (intenção de fraudar leis trabalhistas, tributárias e previdenciárias) de burlar leis trabalhistas, mascarando a relação de emprego. Já a coação é aquela pressão física ou psicológica usada contra o "PJ" a fim de obrigá-lo a aceitar todas aquelas situações impedindo sua manifestação de vontade.
Nesses casos, não só apenas o empregado é lesado com a supressão de todos os seus direitos trabalhistas, como também terceiros - a exemplo do FISCO, cuja previsão do artigo 167, §1º, II, do Código Civil, é o fundamento para que possamos analisar a simulação do negócio jurídico. Trata-se de previsão legal que nos ensina que todo negócio jurídico é nulo se for simulado - se aparentemente conferir ou transmitir, conter declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira -, o que também vai envolver a questão da boa-fé prevista no artigo 113, §1º, do Código Civil.
A "pejotização" representa uma total simulação dentro da atividade desempenhada, ou seja, uma simulação de contrato de "PJ", que, em verdade, se afigura uma nítida relação de emprego.
Importante analisarmos também que a proteção trabalhista não pode ser renunciada e, por consequência, se o empregado não tem o direito de renunciar, isso torna-se uma obrigação a ser seguida.
Não se pode esquecer, e muitos se esquecem, que a base principal do Direito do Trabalho não é apenas a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como também, e, sobretudo, a nossa a Constituição Federal (CF), precisamente no inciso I do seu artigo 7º que protege a relação de emprego. Portanto, é o próprio valor social trabalho que está em um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.
Não outro outra razão que a Lei Maior de 1988 coloca o trabalho como o valor primordial. Isso quer dizer, na prática, que uma vez identificada a relação empregatícia, o empregado não pode renunciá-la, por se tratar de uma previsão da nossa CF/88 e que visa garantir valores e direitos básicos. Resumidamente, mesmo que o empregado queira ser "pejotizado", se ele tem todos os requisitos da relação de emprego, o vínculo deve ser reconhecido.
E antes de entramos na análise da relação de emprego em si, é importante entendermos o princípio da primazia da realidade. Este, como é sabido, trata-se de um mecanismo que tem o poder de viabilizar o confronto entre aquilo que se encontra disposto no contrato formal de prestação de serviços, e aquilo que de fato ocorre no dia a dia laboral.
Inúmeros são os casos em que pode ser aplicado tal princípio, sendo óbvio que as relações trabalhistas devem sempre ser pautadas na boa-fé objetiva, muito usada nas mudanças de rotina trabalhista que sofrem alterações práticas e que nunca são incluídas no contrato inicial.
Referido princípio deve ser militado em favor da parte hipossuficiente da relação jurídica, com o intuito de assegurar a verdade real e a obtenção de uma justa decisão, ou seja, o que realmente importa é aquilo que aconteceu, e não o que está escrito. Em resumo, este princípio na seara do Direito do Trabalho assegura a veracidade dos fatos concretos.
Ressalta-se que o artigo 9º da CLT é um mecanismo utilizado para proibir contratações ilegais, nas quais se identificam todas as condições para o vínculo, a saber: pessoalidade, subordinação, habitualidade e onerosidade. Esta é diretriz legislativa do artigo 3º da CLT: "Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual (habitualidade) a empregador, sob a dependência (subordinação) deste e mediante salário (onerosidade)". (g.n.)
O outro requisito que falta está previsto no artigo 2º da CLT, ao tratar do princípio da alteridade, de sorte que os riscos da atividade econômica não devem ser suportados pelo empregado, mas sim pela empresa: "Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica (alteridade), admite, assalaria e dirige a prestação pessoal (pessoalidade) de serviço". (g.n.)
O trabalho por pessoa física (pessoalidade) é uma relação de emprego pactuada por uma pessoa física ou natural, tem o caráter de fungibilidade, não podendo ser substituído por iniciativa do empregado, ou seja, o empregado não pode enviar ninguém em seu lugar.
O princípio da não eventualidade rege-se pela continuidade da relação de emprego (habitualidade), escalarem-se que a noção de permanência deve ser relevante para a formação da relação de emprego.
Subordinação deriva de um estado de dependência em relação a uma hierarquia de posição ou de valores, segundo a qual o empregado é controlado e cobrado por metas, por exemplo, de sorte que presente a subordinação jurídica, corolário lógico será reconhecido o vínculo empregatício.
A onerosidade é a contraprestação pecuniária, ou seja, a obrigação do empregador, a qual contrapõe-se à obrigação de prestar serviços, ou seja, o efetivo pagamento.
Se for autônomo, esse sim assume o risco, pois os diversificados vínculos de trabalhos autônomos existentes afastam-se da figura técnico-jurídica da relação de emprego, essencialmente pela falta do elemento fático-jurídico da subordinação.
De maneira geral, no contrato autônomo o risco da prestação em desenvolvimento é do próprio prestador, ou seja, o prestador tende a assumir os riscos da prestação laborativa, conforme estatui o art. 442-B da CLT: "contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3o desta Consolidação". (g.n.)
Sendo assim, não há problema nenhum em ser o profissional contratado nos termos do art. 442-B da CLT. Porém, a depender da realidade fática, não poderá ter subordinação e, ao final, ter quebrado o vínculo ainda pela ausência de pessoalidade.
Dessarte, se a empresa contrata trabalhadores subordinados para burlar a legislação, sem conferir ao prestador dos serviços todos os seus direitos trabalhistas, tem-se na "pejotização" uma fraude trabalhista. E ao tratar de tal tema não se pode partir da premissa de que o empregado seja HIPER SUFICIENTE para entender as ilegalidades cometidas pela empresa.
A "pejotização", em verdade, acontece em vários ramos de atuação - como médicos, engenheiros, advogados – e, mesmo nessas classes de trabalhadores, é possível identificar a obrigação da forma de contratação como "PJ". E com isso, temos que a discussão vai além daquilo que é legal, passando a ser fato social, situação que engana empregados, o meio social e terceiros.
A hipossuficiência que deve ser discutida não está ligada ao discernimento intelectual, tampouco às possibilidades econômicas do trabalhador. A hipossuficiência é jurídica, a coação é jurídica e a subordinação, por fim, também é jurídica. Se temos uma relação que é estritamente pautada pela CF/88 e pela CLT, se temos subordinação, pessoalidade, onerosidade, e, claro, se o trabalho é feito por aquela pessoa, por mais que o profissional seja o mais bem HIPERSUFICIENTE do mundo, tudo isso não importa, pois deve ser considerado indiscutivelmente o vínculo empregatício.