O Código de Processo Civil de 2015, mais especificamente no inciso VI e nos parágrafos 1º, 2º e 3º do artigo 337, define o conceito da litispendência.
De acordo com a referida definição legal (artigo 337, VI do CPC), a litispendência ocorrerá quando: a) verifica-se a litispendência ou a coisa julgada quando se reproduz ação anteriormente ajuizada (§ 1º); b) uma ação é idêntica a outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido (§ 2º); e c) há litispendência quando se repete ação que está em curso (§ 3º).
Tal como visto, para que seja aplicada a litispendência há a necessidade da presença de todas as disposições legais mencionadas e destacadas. Contudo, não se pode aplicar a lei “ao pé da letra”, visto que deve se analisar o caso concreto, pois há situações em que estão presentes todas as definições legais da litispendência, porém ela pode não ser aplicada.
Analisando, por exemplo, uma situação prática trabalhista, pode-se destacar a situação que segue: ingressou-se, certa feita, com uma ação trabalhista, em virtude da alteração definida pela Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), mais especificamente no artigo 840 da CLT, o qual passou a exigir que os pedidos iniciais sejam liquidados.
Considerando esta nova definição legal (artigo 840 da CLT), que dispõe sobre a necessidade de liquidação dos pedidos da petição inicial trabalhista, verifica-se o seguinte: a) sendo escrita, a reclamação deverá conter a designação do juízo, a qualificação das partes, a breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio, o pedido, que deverá ser certo, determinado e com indicação de seu valor, a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante (§ 1º); b) se verbal, a reclamação será reduzida a termo, em duas vias datadas e assinadas pelo escrivão ou secretário, observado, no que couber, o disposto no § 1º deste artigo (§ 2º); e c) os pedidos que não atendam ao disposto no § 1º deste artigo serão julgados extintos sem resolução do mérito (§ 3º).
Na prática trabalhista, após a entrada em vigor da Lei Reformista, diversas foram as decisões a respeito da aplicação desta nova determinação legal.
Com efeito, num primeiro momento, havia entendimentos de que, aplicando efetivamente o novo texto legal, poderia haver a limitação dos valores incluídos na petição inicial. Atualmente, porém, o entendimento majoritário se dá na obrigação efetiva de liquidação dos referidos pedidos, mas que sejam traduzidos como “mera estimativa de valores”, não se aplicando, portanto, a limitação.
Entrementes, por precaução, orienta-se que se deixe bem enfatizado na petição inicial que os valores indicados são por mera estimativa, tal como vem destacando algumas decisões de lavra do Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Maurício Godinho Delgado1. Para este entendimento, não se pode aplicar nenhuma limitação de valores.
Em sentido contrário, algumas outras decisões, ao aplicarem a literalidade do artigo 840 da CLT, acabavam por extinguir pedidos específicos, ou até mesmo o processo na íntegra. Recomenda-se, porém, que caso algum pedido não tenha sido liquidado, o juízo deve deferir prazo para a efetiva “emenda à inicial”, com fulcro na Súmula n.º 263 do TST. Em outras palavras, caso a petição inicial esteja “deficiente”, o juízo trabalhista deve dar a oportunidade de que referido “defeito” seja sanado.
Mas o que fazer no caso de ser o processo trabalhista extinto sem resolução de mérito, em particular quando não houver a observância da súmula 263 do TST?
Partindo-se da celeridade processual, na prática, muito(a)s advogado(a)s não recorreriam da decisão terminativa, deixando o processo arquivar e, posteriormente, ingressariam com outro processo, correto?
Acontece que se houver recurso da parte contrária no processo extinto, como, por exemplo, para pleitear o afastamento da justiça gratuita e o deferimento dos honorários de sucumbência, o que fazer? E qual seria a eventual consequência prática?
Antes de adentrar ao mérito da tese aqui mencionada, impende destacar outra mudança trazida pela lei 13.467/17 (Reforma Trabalhista), mais especificamente no artigo 791-A da CLT, que trouxe à Justiça Especializada a possibilidade de pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais no âmbito trabalhista. E, mais, através da ADIn 5766, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que não são devidos os honorários advocatícios sucumbenciais se a parte sucumbente for beneficiária de justiça gratuita, cuja exigibilidade ficará suspensa pelo prazo de dois anos.
Logo, numa situação hipotética, caso tenha tido recurso da parte adversa pleiteando os honorários advocatícios, em um processo extinto sem resolução de mérito, a referida reclamatória continuará tramitando em relação ao pedido de honorários sucumbenciais.
Mas se após a extinção do processo trabalhista a parte vier a repropor a reclamatória, e, em sentido contrário, a parte adversa pleitear a aplicação da litispendência, ou mesmo que a litispendência seja reconhecida de ofício, o que fazer?
Na prática, estar-se-á diante de situação que trará a coexistência de 2 (dois) processos trabalhistas. E neste cenário, analisando friamente o texto legal, teoricamente estariam presentes os requisitos do artigo 337, VI do CPC de 2015, no que se refere ao conceito e aplicação da litispendência.
Dessarte, na situação hipotética aqui destacada, o primeiro processo continuará em trâmite, enquanto o segundo processo trará a reprodução da ação anteriormente ajuizada, muito embora possuindo ambos pedidos idênticos, possuindo as mesmas partes e causa de pedir.
Ora, no primeiro caso, cujos pedidos foram julgados extintos sem resolução de mérito, apesar de o processo ainda se encontrar em trâmite, a única discussão que permaneceu foi com relação aos honorários advocatícios sucumbenciais, não sendo mais discutidos os demais pedidos, ou seja, não houve a discussão e a conclusão dos pedidos meritórios. Já no segundo processo, porém, a discussão efetivamente se dará em relação a todos os pedidos contidos no processo.
Na presente situação, portanto, deve-se observar o que dispõe o artigo 486 do CPC, que diz: “(...) O pronunciamento judicial que não resolve o mérito não obsta a que a parte proponha de novo a ação. (...)”. Como se vê, no primeiro processo não houve discussão do mérito dos pedidos da ação trabalhista, sendo aplicável o artigo 486 do CPC.
Diante de todo o aqui exposto, inaplicável a litispendência no caso de extinção de processo trabalhista sem a resolução de seu mérito, com a repropositura de nova reclamatória.
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1 “[...] o autor foi cauteloso ao expressar tratar-se de ‘valor estimativo’ naquelas parcelas que dependem de liquidação de sentença [...].” (Processo: AIRR-228-34.2018.5.09.0562).