Migalha Trabalhista

Programa Emprega + Mulheres: a divisão igualitária das responsabilidades parentais

No último dia 21 de setembro foi publicada lei 14.457/22, apelidada como "Emprega + Mulheres", que modifica a CLT com o intuito de fomentar a inserção e manutenção de mulheres com vínculo parental no mercado de trabalho.

14/10/2022

No último dia 21 de setembro foi publicada lei 14.457/22, apelidada como "Emprega + Mulheres", que modifica a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) com o intuito de fomentar a inserção e manutenção de mulheres com vínculo parental no mercado de trabalho.

Entre as medidas, destacam-se as principais diretrizes:

Apesar do avanço em relação à preocupação do legislador com o ambiente de trabalho da mulher mãe - aqui leia-se, legisladora: senadora e médica, dra. Eudócia, relatora do texto original -, a nova legislação amplifica a discussão ainda elementar sobre direitos e nos contextualiza com a realidade incipiente do tema.

Isso porque, ao trazer, por exemplo e forma expressa, que a mulher que exerce mesma função que um homem deve receber idêntico salário, a norma está reafirmando texto existente em nossa Constituição Cidadã desde 1988, cujo princípio da igualdade é pilar fundamental da República (artigo 5º, inciso I), ou, ao menos, deveria ser.

De mais a mais, outro ponto que também chama a atenção é a criação de possibilidade de suspensão do contrato de trabalho do empregado homem, desde que a empresa seja inscrita no programa Empresa Cidadã, em 60 dias após o término da licença maternidade da empregada mãe.

De se ver que, num primeiro momento, a medida se equipararia à flexibilização da fruição com prorrogação da licença-maternidade. Porém, em uma análise mais atenta, a palavra "suspensão" possui ressalvas no Direito do Trabalho. Afinal, por suspensão contratual se entende uma cessação, ainda que temporária, de obrigações das partes na relação empregatícia: o empregado não prestaria serviços e a empresa não pagaria salários, de forma simplificada.

Neste novo contexto, como é possível encorajar homens a parentar sem garantia do sustento? A solução encontrada pela lei foi prever o pagamento de uma bolsa de qualificação profissional, a ser custeada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT, que hoje está em R$ 776,46, facultado ao empregador possível complementação, a seu critério e liberalidade.

Ainda sobre o tema acima, ressalta-se que a suspensão do contrato de trabalho pressupõe a participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional, oferecido pelo empregador, com no máximo 20 horas semanais e na modalidade não presencial.

Por outro lado, como ponto positivo, ressalta-se o uso da lei para obrigar a adoção de medidas claras e concretas para a prevenção e o combate ao assédio sexual e às demais formas de violência no âmbito do trabalho por meio das CIPAA's tais como: inclusão de regras de conduta a respeito de assédio sexual e outras formas de violência com ampla divulgação entre todos; fixação de procedimentos não só para recebimento, mas também acompanhamento de denúncias para apuração de fatos e punição, garantindo o anonimato do denunciante; realização de capacitação no mínimo a cada 12 meses, com orientações e sensibilização dos empregados sobre o tema, entre outros.

Fato é que, na prática, com a permanência dos prazos de licenças maternidade e paternidade tão díspares, 120 e 5 dias respectivamente, há um tácito reforço do estigma sobre a contratação e manutenção de empregos pelas mulheres, pois, com isso, passa-se a nítida mensagem de desobrigação sobre o homem da responsabilidade de parentalidade, com raras exceções1.

Conclui-se, portanto, que a letra de uma lei tem papel fundamental numa organização social, sobretudo para a conscientização, a capacitação, a informação e a não discriminação, cujos valores representam princípios da própria sociedade, atuando tanto individualmente como coletivamente para promoção de igualdade, empregabilidade e melhores práticas.

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1 Em decisão inédita e recente, o STF garantiu a um homem, servidor público federal, a possibilidade de extensão em 180 dias, conforme estatuto, a licença paternidade em virtude de a família ser monoparental. 

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Colunista

Ricardo Calcini é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista. Estratégica, atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs, TST e STF). Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/SP. Pós-Graduado em Direito Processual Civil (EPM TJ/SP) e em Direito Social (Mackenzie). Professor Convidado de Cursos Jurídicos e de Pós-Graduação (FADI, ESA, IEPREV, Católica de SC, PUC/PR, PUC/RS, Ibmec/RJ, FDV e USP/RP). Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Professor indicado pela Câmara dos Deputados para presidir o grupo de estudos técnicos para a elaboração do PL 5.581/2020 acerca do Teletrabalho. Coordenador Acadêmico do projeto "Migalha Trabalhista" (Migalhas). Palestrante e Instrutor de eventos corporativos pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, especializada na área jurídica trabalhista com foco nas empresas, escritórios de advocacia e entidades de classe. Autor do livro "Prática Trabalhista nos Tribunais: TRT's e TST". Coautor dos livros "Execução Trabalhista na Prática" (2ª Edição) e "Manual de Direito Processual Trabalhista". Organizador das obras coletivas "CLT Comentada: Artigo por Artigo" – Mizuno (2ª Edição), "Estratégias da Advocacia no TST", "ESG – A Referência da Responsabilidade Social Empresarial", "Prática de Processo de Trabalho: Técnica Visual Law", "Reflexões Jurídicas Contemporâneas: Estudos em homenagem ao Ministro Douglas Alencar Rodrigues", "Relações Trabalhista e Sindicais – Teoria e Prática" (2ª Edição), "LGPD e Compliance Trabalhista" e "Reforma Trabalhista na Prática: Anotada e Comentada" (2ª Edição). Coordenador do livro digital "Nova Reforma Trabalhista" (Editora ESA OAB/SP, 2020). Coordenador dos livros "Perguntas e Respostas sobre a Lei da Reforma Trabalhista" (Editora LTr) e "Reforma Trabalhista: Primeiras Impressões" (Editora Eduepb). Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (GETRAB-USP), do GEDTRAB-FDRP/USP e da CIELO LABORAL. Contatos: Instagram ricardo_calcini | Website www.ricardocalcini.com.br