Migalha Trabalhista

Metaverso, compliance e os riscos da nova realidade

Dos jogos infantis para os negócios surge um novo mundo, uma nova realidade aumentada e paralela, que combina diversos ambientes virtuais em um novo conceito de universo online 3D e que opera com a ajuda de funções de blockchain.

16/9/2022

Contextualização

Dos jogos infantis para os negócios surge um novo mundo, uma nova realidade aumentada e paralela, que combina diversos ambientes virtuais em um novo conceito de universo online 3D e que opera com a ajuda de funções de blockchain. Um futuro que se tornou presente, a ficção que se transformou em realidade e que pode ser utilizada para trabalhar, para reuniões e socialização, operando com a ajuda de funções de blockchain, como tokens não fungíveis (NFTs) e criptomoedas.

O Metaverso consiste no aumento do mundo real, um ambiente tridimensional, o qual permite que os indivíduos penetrem e se envolvam. Neal Stephenson inicialmente apresentou a noção do Metaverso em seu livro "Snow Crash" (1992). Este é um sistema aberto, onde os indivíduos produzem e compartilham seus trabalhos com os outros, independentemente do conteúdo, ou de formato1.

Cria-se uma nova economia totalmente digital, com a criação de avatares e com um mercado de criptomoedas, tokens de utilidade (utility tokens) e colecionáveis virtuais (NFTs)2, os quais são produzidos por blockchain. No metaverso é possível percorrer aplicativos de varejo para comprar digitalmente uma roupa de luxo, ou relógios.

Na Meta-Realidade cibernética há possibilidade de moldar as próprias realidades, podendo a realidade paralela ajudar na obtenção de melhores escolhas e de decisões para as realidades físicas, alcançando-se uma maior auto-realização final da humanidade, em cada realidade. Com a nova meta-realidade cibernética as fronteiras existentes vêm se apagando3.

A interação no metaverso é ao vivo e síncrona, permitindo desfrutar-se de uma experiência de realidade virtual, verdadeiramente atraente, mas, ao lado de todas as vantagens que a nova tecnologia nos brinda, precisamos ficar atentos para os riscos que os empregadores e trabalhadores poderão enfrentar ao aderirem a esta nova realidade.  

Riscos à saúde dos trabalhadores 

Se pensarmos em metatrabalhadores, ainda que sem deficiências pré-existentes, estes poderão vir a enfrentar vários tipos de riscos à saúde e segurança ao trabalhar. A intensa utilização de fones de ouvido VR poderá prejudicar a audição do trabalhador. A utilização dos óculos VR por longos períodos também poderá causar fadiga ocular, assim como dores de cabeça, ou de pescoço. Há risco ainda de lesões por esforço repetitivo pela manipulação de teclado, mouse e controle. O uso de equipamentos de acesso metaverso poderá ainda aumentar a frequência de lesões relacionadas ao trabalho4.

Os riscos psicológicos também emergem na meta realidade e os possíveis impactos de uma vida conectada para a saúde mental. O metaverso não pode substituir as interações e a vida real. Devemos vê-lo como um complemento, mas jamais como um substituto das relações presenciais, o que poderá trazer sérias consequências para a saúde mental. 

Assédio moral e sexual

O assédio cibernético, também denominado de cyber, on line, virtual, ou digital, bullying, mobbing, ou harassment, consiste naquele praticado por meios eletrônicos de comunicação. No assédio moral, ou terror psicológico digital, o agressor se utiliza da tecnologia para constranger, ameaçar ou intimidar uma pessoa. O assédio moral cibernético inclui desde textos agressivos, intimidatórios, ameaças, ou comentários em redes sociais, e-mails, mensagens eletrônicas e outros meios eletrônicos, utilizados para a comunicação perversa.  Muitos dos métodos utilizados para intimidar as pessoas, em meios cibernéticos, não são tão diferentes daqueles utilizados nas formas tradicionais de bullying. No passado, o uso de mensagens ameaçadoras envolvia insultos diretos e falados5.

Quando falamos de uma meta realidade e da forma como os humanos processam as informações, dentro desta nova realidade, paralela e aumentada, onde o espaço é diferente, as informações podem se mover em velocidades tão rápidas que se aproximam à velocidade da luz no ciberespaço, comprimindo-se assim o espaço e podendo-se chegar a um local muito mais rapidamente do que se esperava e que no espaço físico6. 

Desta forma, a realidade paralela poderá acentuar riscos de assédio moral e mesmo sexual - este, muitas vezes, ao lado e acumulado com práticas discriminatórias, principalmente de gênero e preponderantemente -, mas não apenas, praticadas por superiores hierárquicos. O risco se potencializa, trazendo um maior prejuízo, principalmente, quando estamos diante de relações assimétricas. O agressor, ao navegar em uma realidade virtual, torna-se mais irracional e o terror psicológico leva, na maioria das vezes, a vítima a problemas de saúde.

Já vêm ocorrendo agressões sexuais, no metaverso, mesmo fora das relações de trabalho, em casos noticiados como de uma pesquisadora da organização Sum of Us de 21 anos, que foi vítima de assédio sexual no metaverso e de uma empresária britânica. A Meta e a Microsoft já anunciaram que aplicarão uma bolha de proteção, a qual envolverá os avatares, para se evitar aproximações com menos de um metro de distância.

Privacidade na realidade paralela 

Com as novas tecnologias, cada vez menores e mais rápidas aumenta a coleta de informações pessoais. Com as normas de proteção de dados, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), no Brasil, deve ser garantida sempre a privacidade por padrão, apenas sendo coletados dados necessários para cada finalidade e sendo a atividade de tratamento,  enquadrada em uma base legal de tratamento, nos termos da LGPD.  

Estas novas plataformas coletam contrações oculares e frequência cardíaca, inclusive informações financeiras e preferências de navegação para personalizar a metavisita de cada usuário. Na verdade, uma revisão dos pedidos de patentes apresentados pela Meta sugere que a empresa tem planos ativos para extrair informações biométricas para aprimorar a interface do usuário e refinar a publicidade direcionada7.

Os metaempregadores deverão implementar a Lei Geral de Proteção de Dados, adequando seus processos, em respeito à legislação de proteção de dados e adotar medidas administrativas de segurança da informação, incluindo políticas de segurança da informação, com diretrizes - por exemplo, de uso de senha, internet, correio eletrônico, mesa limpa, tela limpa, descarte,  entre outras, além de treinamentos e palestras e termos de confidencialidade para os metaempregados. Também deverão ser publicados avisos de privacidade para candidatos, clientes e demais público externo, no site e internamente para empregados. Deverá ser indicado encarregado de proteção de dados, mais conhecido como DPO e serem criados canais de comunicação com os titulares para atender seus direitos. 

Conclusão

O Metaverso, como ambiente virtual compartilhado, permite simular as interações humanas do mundo real em um mundo virtual, paralelo, revolucionando as interações sociais e de trabalho, mas os possíveis perigos colocados pelo Metaverso exigem uma atenção imediata dos metaempregadores e das empresas que tentam substituir a realidade física pela virtual.

Marcas fortes já adotaram esta nova realidade e cientistas e pesquisadores já estão navegando por esta nova realidade, que é o futuro dos negócios, mas precisamos estar atentos aos riscos, criando-se uma nova advocacia preventiva e firmando-se a necessidade de crescente compliance trabalhista, ao trafegarmos nesta nova realidade paralela, que nos brinda com seus benefícios trazidos pela tecnologia.

Os riscos são muitos e variados, podendo-se exemplificar desde os psicossociais, doenças ocupacionais, riscos de privacidade e proteção de dados e o de atuação de pessoas perversas, até falarmos de riscos de asseédio moral e sexual, que precisamos contornar e eliminar.

Todos devem estar preparados para esta nova realidade paralela e aumentada, mas buscando-se a ética e transparência nas novas relações de uma meta realidade.

__________

1 CLEMENS, Andrew. Metaverse For Beginners. A Guide To Help You Learn About Metaverse, Virtual Reality And Investing In NFTs.

2 Non Fungible Tokens- em português, tokens não fungíveis.

3 SIPPER, Joshua A. Sipper. The Cyber Meta-Reality Beyond the Metaverse.

4 Disponível aqui. Acesso em 09 set. 2022

5 CARLOTO, Selma. Revista LTR, maio de 2022. Assédio "cibernético" e "virtual" nas relações de trabalho.

6 CARLOTO, Selma. Revista LTR, maio de 2022. Assédio "cibernético" e "virtual" nas relações de trabalho

7 Disponível aqui. Acesso em 09 set. 2022.

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Colunista

Ricardo Calcini é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista. Estratégica, atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs, TST e STF). Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/SP. Pós-Graduado em Direito Processual Civil (EPM TJ/SP) e em Direito Social (Mackenzie). Professor Convidado de Cursos Jurídicos e de Pós-Graduação (FADI, ESA, IEPREV, Católica de SC, PUC/PR, PUC/RS, Ibmec/RJ, FDV e USP/RP). Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Professor indicado pela Câmara dos Deputados para presidir o grupo de estudos técnicos para a elaboração do PL 5.581/2020 acerca do Teletrabalho. Coordenador Acadêmico do projeto "Migalha Trabalhista" (Migalhas). Palestrante e Instrutor de eventos corporativos pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, especializada na área jurídica trabalhista com foco nas empresas, escritórios de advocacia e entidades de classe. Autor do livro "Prática Trabalhista nos Tribunais: TRT's e TST". Coautor dos livros "Execução Trabalhista na Prática" (2ª Edição) e "Manual de Direito Processual Trabalhista". Organizador das obras coletivas "CLT Comentada: Artigo por Artigo" – Mizuno (2ª Edição), "Estratégias da Advocacia no TST", "ESG – A Referência da Responsabilidade Social Empresarial", "Prática de Processo de Trabalho: Técnica Visual Law", "Reflexões Jurídicas Contemporâneas: Estudos em homenagem ao Ministro Douglas Alencar Rodrigues", "Relações Trabalhista e Sindicais – Teoria e Prática" (2ª Edição), "LGPD e Compliance Trabalhista" e "Reforma Trabalhista na Prática: Anotada e Comentada" (2ª Edição). Coordenador do livro digital "Nova Reforma Trabalhista" (Editora ESA OAB/SP, 2020). Coordenador dos livros "Perguntas e Respostas sobre a Lei da Reforma Trabalhista" (Editora LTr) e "Reforma Trabalhista: Primeiras Impressões" (Editora Eduepb). Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (GETRAB-USP), do GEDTRAB-FDRP/USP e da CIELO LABORAL. Contatos: Instagram ricardo_calcini | Website www.ricardocalcini.com.br