Migalha Trabalhista

A configuração do assédio moral depende mesmo da ação reiterada e prolongada no tempo?

A configuração do assédio moral depende mesmo da ação reiterada e prolongada no tempo?

20/8/2021

Nos últimos anos, o tema relativo ao assédio moral tem sido analisado sob os mais variados aspectos (psicológico, sociológico, jurídico) e sob as mais diversas abordagens (relativamente aos sujeitos envolvidos, aos fatores socioeconômicos e organizacionais do trabalho, às consequências na saúde física e mental do trabalhador etc), resultando em uma extensa bibliografia a respeito. 

O presente artigo, de forma suscinta, examinará o assédio moral sob o seu aspecto configurativo, atendo-se, especialmente, a um dos requisitos caracterizadores deste tipo de violência no trabalho: a delimitação temporal. 

Cabe esclarecer que o estudo ora proposto resulta da seguinte indagação: configura-se assédio moral a conduta abusiva praticada de forma pontual, mesmo que mais de uma vez, porém não de forma reiterada e prolongada no tempo? 

O ponto de partida desta pesquisa, evidentemente, é a análise da conceituação do fenômeno em comento, da qual é possível se extrair os elementos caracterizadores do assédio moral. 

É fato, no entanto, que não existe um conceito fechado sobre o tema. Verificam-se junto à doutrina variadas definições acerca do assédio moral. Também a jurisprudência cuida de conceituar o fenômeno a partir de elementos caracterizadores diversos. 

Nesse prumo, Rodolfo Pamplona Filho define o assédio moral "como uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica do indivíduo, de forma reiterada, tendo por efeito a sensação de exclusão do ambiente e do convívio social". Assim, para o jurista, os requisitos caracterizadores do assédio moral são: a) conduta abusiva; b) natureza psicológica do atentado à dignidade psíquica do indivíduo; c) reiteração da Conduta; e d) finalidade de exclusão.1 

Já o Desembargador Federal do Trabalho, Dr. Sérgio Pinto Martins, diz que o assédio moral "é uma conduta ilícita, de forma repetitiva, de natureza psicológica, causando ofensa à dignidade, à personalidade e à integridade do trabalhador. Causa humilhação e constrangimento ao trabalhador. Implica guerra de nervos contra o trabalhador, que é perseguido por alguém."2 

O autor afirma que este tipo de violência se caracteriza pela presença dos seguintes elementos: a) conduta abusiva; b) ação repetida; c) postura ofensiva à pessoa; d) agressão psicológica; e) finalidade de exclusão do trabalhador e g) dano psíquico emocional. 

A jurisprudência trabalhista aponta, ainda, outros requisitos necessários para configurar o assédio moral, conforme é possível verificar pela ementa abaixo: 

"RECURSO ORDINÁRIO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DECORRENTE DE ASSÉDIO MORAL. A princípio, vale ressaltar que para configuração do dano moral na esfera trabalhista mostra-se necessária prova inequívoca de que o empregador tenha agido de maneira ilícita, por ação ou omissão, cometendo abusos ou excessos no poder diretivo, de modo a causar ofensa pessoal, violação à honra, imagem ou intimidade de seu funcionário, acarretando abalo emocional apto a ensejar a reparação pretendida. A doutrina e a jurisprudência têm apontado como elementos caracterizadores do assédio moral, a intensidade da violência psicológica, o seu prolongamento no tempo (tanto que episódios esporádicos não o caracterizam) e a finalidade de ocasionar um dano psíquico ou moral ao empregado, com a intenção de marginalizá-lo, pressupondo um comportamento premeditado que desestabiliza, psicologicamente, a vítima. O direito à reparação do dano nasce a partir do momento em que ocorre a lesão a um bem jurídico extrapatrimonial, como a vida, a honra, a intimidade, imagem etc. No caso em tela não restou evidenciada a conduta ilícita da reclamada, eis que não comprovadas nos autos as humilhações e a forma vexatória de cobrança de metas." (TRT da 2ª Região; Processo: 1001950-31.2017.5.02.0202; Data: 13-06-2019; Órgão Julgador: 12ª Turma - Cadeira 1 - 12ª Turma; Relator(a): MARCELO FREIRE GONCALVES) 

Do debate doutrinário e jurisprudencial, existente acerca dos elementos caracterizadores do assédio moral, inegável que os pontos em comum são a conduta abusiva e a ação repetida e prolongada no tempo. 

Portanto, essencialmente, a configuração do assédio moral ocorre com a prática da conduta abusiva reiterada e ao longo de determinado lapso temporal, de modo que o elemento relativo à delimitação temporal é considerado o principal para a caracterização do referido fenômeno.3 

Segundo os estudos pioneiros do assédio moral, estabeleceu-se como necessário para caracterizar o fenômeno "que as humilhações se repetissem pelo menos uma vez na semana e tivessem a duração mínima de 6 (seis) meses."4 

Nehemias Domingos de Melo afirma que "para caracterizar o assédio moral, não basta a situação vexatória esporádica ou ocasional. Há que resultar de uma ação prolongada e continuada (alguns chegam a estimar esse tempo em seis meses), de exposição constante, de reiterados ataques."5 

Neste mesmo sentido, é a decisão proferida pela 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, in verbis: 

"INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ASSÉDIO MORAL. A caracterização do assédio moral pressupõe uma cotidiana, exagerada e ilegal perseguição de um trabalhador em seu ambiente laboral. A referida perseguição, que configura o assédio moral, dá-se, ordinariamente, ao longo de um certo lapso temporal, não se limitando, portanto, a um fato isolado, mas a um conjunto de atitudes lastimáveis que resultam na opressão do trabalhador, retirando-lhe a autoestima e a capacidade profissional, atingindo a sua vida privada, honra, imagem e intimidade, passando a ser exigível, por consequência, reparação. Não existindo comprovação dos fatos alegados, indevida é a indenização por dano moral." (TRT da 2ª Região; Processo: 1000308-70.2020.5.02.0702; Data: 10-06-2021; Órgão Julgador: 1ª Turma - Cadeira 1 - 1ª Turma; Relator(a): MOISES DOS SANTOS HEITOR) 

Alguns doutrinadores, entretanto, defendem "não ser necessária essa regularidade e esse prazo para que o fenômeno seja reconhecido, sendo evidentemente indispensável o prolongamento no tempo por meio de mais de um ato."6 

Destaca-se que o TRT da 9ª Região, em acórdão publicado em 2004, entendeu pela ocorrência do assédio moral, afastando a necessidade da presença do requisito temporal, in verbis:7 

"ASSÉDIO MORAL. SUJEIÇÃO DO EMPREGADO. IRRELEVÂNCIA DE QUE O CONSTRANGIMENTO NÃO TENHA PERDURADO POR LONGO LAPSO DE TEMPO. Conquanto não se trate de fenômeno recente, o assédio moral tem merecido reflexão e debate em função de aspectos que, no atual contexto social e econômico, levam o trabalhador a se sujeitar a condições de trabalho degradantes, na medida em que afetam sua dignidade. A pressão sobre os empregados, com atitudes negativas que, deliberadamente, degradam as condições de trabalho, é conduta reprovável que merece punição. A humilhação, no sentido de ser ofendido, menosprezado, inferiorizado, causa dor e sofrimento, independente do tempo por que se prolongou o comportamento. A reparação do dano é a forma de coibir o empregador que intimida o empregado, sem que se cogite de que ele, em indiscutível estado de sujeição, pudesse tomar providência no curso do contrato de trabalho, o que, certamente, colocaria em risco a própria manutenção do emprego. Recurso provido para condenar a ré ao pagamento de indenização por danos provocados pelo assédio moral." Acórdão do TRT 9ª Região, autos TRT-PR-09329-2002-004-09-00-2. ACO-00549-2004. Publicado em 23.01.2004. 

Seguramente, a ação abusiva e humilhante no trabalho, mesmo observada de forma isolada, pontual, ou, ainda não prolongada, porém capaz de provocar no trabalhador profunda dor emocional, de produzir um dano à sua dignidade, demanda a configuração da violência moral. 

Defende tal posicionamento Leda Maria Messias da Silva, ao afirmar que "pode acontecer que uma única conduta do agente agressor, tenha um efeito tão negativo na vida da vítima, que isto venha a repercutir em uma série de atos desencadeados por aquela única conduta, então, será o caso de caracterização do assédio, por uma única conduta."8 

Engessar a caracterização do assédio moral à exigência de um prazo mínimo e de uma periodicidade determinada, desconsiderando a análise das circunstâncias do caso concreto, pode implicar injustiça, haja vista que uma única conduta é hábil a gerar dano à honra e à intimidade do trabalhador. 

Todavia, ainda que se entenda que a caracterização do assédio moral dependa da repetição e prolongamento no tempo, a violência sofrida pelo indivíduo no ambiente de trabalho pode configurar causa de rescisão indireta por rigor excessivo ou exigência de serviços além das forças do trabalhador (art. 483, "a" e "b", da CLT), por perigo manifesto de mal considerável (art.483, "c", da CLT), por descumprimento de deveres legais e contratuais (art. 483, "d", da CLT), ou por ato do empregador ou de seus prepostos que lesione a honra e a boa fama do empregado ou de pessoas de sua família (alínea “e” do art. 483 da norma consolidada).9 

Derradeiramente, a violência moral no trabalho é conduta reprovável que afronta o patrimônio moral do trabalhador, devendo ser coibida e punida, independente de reiteração e de extensão ao longo do tempo.

*Ana Paula Bodra é advogada trabalhista, especializada em Direito e Processo do Trabalho. Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela UNITAU. 

__________

1 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Noções conceituais sobre o assédio moral na relação de emprego. Revista LTr: legislação do trabalho, São Paulo, SP, v. 70, n. 9, p. 1079-1089, set. 2006.

2 Disponível aqui. Acessado em 16/08/2021.

3 Disponível aqui. Acessado em 14/08/2021.

4 Disponível aqui. Acessado em 16/08/2021.

5 Disponível aqui. Acessado em 16/08/2021.

6 Disponível aqui. Acessado em 14/08/2021.

7 ARAÚJO, Adriane Reis de. Assédio moral organizacional. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Porto Alegre, RS, v. 73, n. 2, p. 203-214, abr./jun. 2007.

8 Disponível aqui. Acessado em 16/08/2021.

9 Disponível aqui. Acessado em 16/08/2021.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunista

Ricardo Calcini é advogado, Parecerista e Consultor Trabalhista. Sócio Fundador de Calcini Advogados. Atuação Especializada e Estratégica (TRTs, TST e STF). Professor M. Sc. Direito do Trabalho (PUC/SP). Docente vinculado ao programa de pós-graduação de Direito do Trabalho do INSPER/SP. Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno. Colunista nos portais JOTA, Migalhas e ConJur. Autor de obras e de artigos jurídicos em revistas especializadas. Membro e Pesquisador: GETRAB-USP, GEDTRAB-FDRP/USP e CIELO Laboral. Membro do Comitê Executivo da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Professor Visitante: USP/RP, PUC/RS, PUC/PR, FDV/ES, IBMEC/RJ, FADI/SP e ESA/OAB.