Migalha Trabalhista

Videogravação de audiências trabalhistas: avanço ou retrocesso?

Videogravação de audiências trabalhistas: avanço ou retrocesso?

23/7/2021

A audiência é o ponto culminante do direito processual trabalhista. Trata-se de um ato complexo, uma vez que concentra e atrai os demais atos processuais. Não há dúvida que a audiência, em especial a audiência trabalhista, constitui o ato mais importante da ciência do Direito Processual Trabalhista.

Audiência Trabalhista, portanto, é um ato formal e solene, que conta com o comparecimento dos sujeitos do processo: das partes, advogados, juiz do trabalho, servidores da Justiça do Trabalho, testemunhas e peritos.

Atualmente, em tempos de pandemia, estamos vivenciando mudanças significativas na realização desse ato processual. Prova disso, o que antes era realizado presencialmente, na estrutura física da Justiça do Trabalho – com a oportunidade da observação atenta dos olhares entre os atores sociais, bem como a aproximação das partes – passou a ser realizado de modo virtual.

Com o fechamento dos fóruns e consequente isolamento social, houve o impulsionamento de inovações tecnológicas. Como resultado disso, tal situação produziu reflexos no Processo Judicial Eletrônico. Em pouco tempo, foi necessário evoluir e avançar o que provavelmente somente ocorreria em longos anos.

E, neste cenário, as audiências que representam um ato processual complexo ganharam maior destaque na prática trabalhista. Isso porque nos deparamos com a nova e atual discussão sobre videogravação de audiências trabalhistas: avanço ou retrocesso?

O tema foi abordado no Ato Normativo nº 45 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT.GP.SG Nº 45/2021), que dispõe sobre os procedimentos a serem observados na videogravação de audiências realizadas no âmbito da Justiça do Trabalho. Ressalta-se o artigo 1º do Ato:

"Art. 1º É dispensada a transcrição ou degravação dos depoimentos colhidos em audiências realizadas com gravação audiovisual, nos termos dos arts. 367, § 5º, e 460 do CPC."

Entrementes, a ministra Maria Cristina Peduzzi, presidente do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST), suspendeu a vigência do Ato nº 45 (CSJT.GP.SG Nº 45/2021) por despacho assinado em 21/07/2021.

A validade do ato normativo, que entraria em vigor, foi objeto de controvérsias, inclusive contestada por diversas entidades, entre as quais a Ordem dos Advogados do Brasil.

Os aspectos técnicos de solução das dificuldades, como a preparação prévia das equipes de magistrados, sobretudo das técnicas de degravação, serão analisados pelo CSJT.1

Diante das constantes mudanças, destaco que nesse momento, 22 de julho de 2021, o ato está suspenso. Corremos um grande risco dessa mensagem se tornar ultrapassada em pouco tempo.

Antes de refletirmos sobre a provocação, faz-se necessário tentarmos destacar o conjunto normativo, em outras palavras, o emaranhado de atos normativos que visam regulamentar os atos processuais realizados de modo virtual.

Vale destacar o art. 236, §3º, do Código de Processo Civil, que assegura a prática de atos processuais por vídeoconferência: "§ 3º Admite-se a prática de atos processuais por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real."

Além disso, a Recomendação nº 94, do Conselho Nacional de Justiça, de 9/4/2021, que orienta os tribunais brasileiros a gravar atos processuais, sejam presenciais ou virtuais, com vistas a alavancar a efetividade dos procedimentos judiciais.

Outra normativa observada é a Resolução nº 105 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ nº 105, de 6/4/2010), que dispõe sobre a documentação dos depoimentos por meio do sistema audiovisual e realização de interrogatório e inquirição de testemunhas por videoconferência, e o teor da decisão da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho no Processo Nº PP-1001015-64.2020.5.00.0000, ambos dispensando a transcrição dos depoimentos.

Ainda, destacamos a Resolução CNJ nº 345, de 9/10/2020, que incentiva a prática de atos processuais exclusivamente por meio eletrônico.

Muito se tem discutido sobre a não transcrição dos depoimentos pessoais das partes e testemunhas na ata de audiência.

Há quem defenda que a videogravação da audiência trabalhista por se tratar de medida benéfica. Visto que o ato processual se tornará mais célere, afastará prejuízos processuais, uma vez que os depoimentos ficarão gravados e acessíveis a todos os sujeitos do processo. É o que se espera.

De certa forma, pode-se observar aspectos positivos, ao conferir a fidedignidade dos atos processuais ocorridos na audiência, sobretudo a releitura da linguagem corporal no momento dos depoimentos pessoais, ou, ainda, diante de requerimentos feitos pelas partes.

Diversamente disso, existem opiniões contrárias. Afinal, a posterior análise do processo, de certo modo, poderia ser prejudicada, uma vez que estaríamos diante da ausência da transcrição dos depoimentos pessoais na ata de audiência.

Nesse sentido, não há como deixar de observar o art. 851 da Consolidação das Leis Trabalhistas: "Art. 851 - Os tramites de instrução e julgamento da reclamação serão resumidos em ata, de que constará, na íntegra, a decisão." 

Considerando o que havia sido proposto no Ato nº 45 do CSJT, os registros em ata de audiência se tornariam ineficientes? E, mais, o duplo registro, aqui destacado o Ato de registrar em Ata de Audiência e da gravação em vídeo, tornam menos célere a marcha processual ou garantem o contraditório e a ampla defesa?

São indagações pertinentes a outras tantas mudanças, mormente em um curto lapso temporal, sem que tenhamos oportunidade para um melhor desempenho.

Em contrapartida, discute-se a real necessidade de se registrar os depoimentos e demais intercorrências ocorridas durante a audiência, visto que a gravação do ato processual estaria disponível.

Quanto ao princípio da eficiência, discute-se o tempo despendido. O ato de registrar em ata de audiência seria tempo perdido, ou gastaríamos mais tempo assistindo as videogravações. Criou-se, portanto, uma celeuma.

O princípio da cooperação, previsto no artigo 6º do Código de Processo Civil, impõe a todos os sujeitos da relação jurídica o dever de colaboração. Em nome da nossa responsabilidade social e profissional, nós operadores direito temos o compromisso do exercício constante de nos adaptarmos e nos atualizarmos.

Desafiando melhor a dificuldade abordada, uma possível solução para a celeuma seria a manutenção do registro em ata de audiência, do modo como sempre foi realizado, e somando-se a isso a videogravação como uma ferramenta técnico-processual. 

Em arremate, faz-se necessário que a Justiça do Trabalho e os tribunais com a sua competência delegada criem uma padronização, de modo a se adotar uma conduta quanto as audiências telepresenciais ou por videoconferência. Além disso, que sejam disponibilizadas ferramentas tecnológicas, treinamento, e, principalmente, tempo hábil, para que os envolvidos na relação processual tenham segurança jurídica.

*Juliane Cristina Silvério de Lima é advogada. Professora de Direito e Processo do Trabalho. Mestranda em Direito pela EPD. Fundadora do Projeto Audiência Trabalhista de A a Z.

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1 Disponível aqui. Acesso em 22/7/2021.

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Colunista

Ricardo Calcini é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista. Estratégica, atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs, TST e STF). Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/SP. Pós-Graduado em Direito Processual Civil (EPM TJ/SP) e em Direito Social (Mackenzie). Professor Convidado de Cursos Jurídicos e de Pós-Graduação (FADI, ESA, IEPREV, Católica de SC, PUC/PR, PUC/RS, Ibmec/RJ, FDV e USP/RP). Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Professor indicado pela Câmara dos Deputados para presidir o grupo de estudos técnicos para a elaboração do PL 5.581/2020 acerca do Teletrabalho. Coordenador Acadêmico do projeto "Migalha Trabalhista" (Migalhas). Palestrante e Instrutor de eventos corporativos pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, especializada na área jurídica trabalhista com foco nas empresas, escritórios de advocacia e entidades de classe. Autor do livro "Prática Trabalhista nos Tribunais: TRT's e TST". Coautor dos livros "Execução Trabalhista na Prática" (2ª Edição) e "Manual de Direito Processual Trabalhista". Organizador das obras coletivas "CLT Comentada: Artigo por Artigo" – Mizuno (2ª Edição), "Estratégias da Advocacia no TST", "ESG – A Referência da Responsabilidade Social Empresarial", "Prática de Processo de Trabalho: Técnica Visual Law", "Reflexões Jurídicas Contemporâneas: Estudos em homenagem ao Ministro Douglas Alencar Rodrigues", "Relações Trabalhista e Sindicais – Teoria e Prática" (2ª Edição), "LGPD e Compliance Trabalhista" e "Reforma Trabalhista na Prática: Anotada e Comentada" (2ª Edição). Coordenador do livro digital "Nova Reforma Trabalhista" (Editora ESA OAB/SP, 2020). Coordenador dos livros "Perguntas e Respostas sobre a Lei da Reforma Trabalhista" (Editora LTr) e "Reforma Trabalhista: Primeiras Impressões" (Editora Eduepb). Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (GETRAB-USP), do GEDTRAB-FDRP/USP e da CIELO LABORAL. Contatos: Instagram ricardo_calcini | Website www.ricardocalcini.com.br