Migalha Trabalhista

A lei 14.112/20 e seus efeitos sobre a execução contra sócio solidário na Justiça do Trabalho

A lei 14.112/20 e seus efeitos sobre a execução contra sócio solidário na Justiça do Trabalho.

25/6/2021

Introdução

A lei 14.112/2020 não só alterou a lei 11.101/2005, mas atualizou a legislação referente à recuperação judicial, à decretação extrajudicial e à falência do empresário e da sociedade empresária.

O novo comando legal passou a vedar o prosseguimento das execuções relativas a créditos ou obrigações sujeitos à falência ajuizadas contra o devedor solidário. A interpretação lógica e sistemática da lei invoca como postulados básicos os princípios da universalidade e indivisibilidade do juízo falimentar, além do princípio da par conditio creditorum. Assim, eventuais créditos do exequente devem ser habilitados junto ao Juízo Universal, e não mais serem executados na Justiça Especializada.

A decretação da falência ou deferimento do processamento da recuperação judicial implica imediatamente (i) na suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor que estão sujeitas ao regime desta lei; (ii) na suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência; e (iii) na proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência.

Dessa forma, a execução do crédito trabalhista está subordinada ao juízo universal e ao processamento da recuperação judicial ou da falência.

Natureza jurídica do crédito trabalhista 

A natureza jurídica do crédito trabalhista é alimentar e preferencial, nos termos do artigo 100 §1º - A da CRFB/88. Durante o processo de falência os créditos trabalhistas têm preferência de pagamento, num limite de até 150 salários-mínimos por trabalhador, sendo que eventual saldo remanescente passa a ter a mesma paridade dos créditos quirografários.

O artigo 6º da Lei 14.112/2020 reitera, consolida e sistematiza a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. No seu art. 6º foram incluídos os incisos I, II e III que, de forma indubitável, determinam a suspensão das execuções já ajuizadas contra o devedor, inclusive dos credores particulares do sócio solidário, sujeitos à recuperação judicial ou à falência. A literalidade do termo "inclusive" se traduz em "até mesmo", ou seja, a decretação da falência implica na imediata suspensão de todas as execuções ajuizadas contra o devedor solidário relativas aos créditos sujeitos à falência.

Dessa forma, a fase executória, os atos de execução em si devem ser imediatamente suspensos, haja vista que os créditos trabalhistas serão inscritos no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença resultante das ações na fase de conhecimento. Portanto, é inquestionável que todos os créditos trabalhistas, inclusive daqueles direcionados ao sócio solidário, ficam suspensos em prol do sistema de direito concursal brasileiro.

Há expressa vedação legal para se proceder quaisquer meios de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor solidário, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência.

A novidade na incorporação ao texto legal tem seu cerne na fase executória e os atos de execução em si que deverão ser suspensos. Por esses motivos não se podem utilizar, doravante, entendimentos anteriores a vigência da Lei 14.112/20, que teve seu início para normatizar decisões presentes.

Entrementes, o §2º do artigo 6º da lei 11.101/2005 foi mantido, de modo ser permitido pleitear perante o administrador judicial a habilitação, exclusão ou modificação de créditos trabalhistas, sendo que as ações de natureza trabalhista serão processadas perante a Justiça do Trabalho até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença.

Responsabilidade solidária

A responsabilidade do sócio pelas dívidas trabalhistas ocorre quando não se localiza nenhum bem de propriedade da empresa, ou seja, a inexistência de bens da empresa capazes de garantir a solvabilidade do débito exequendo.

A inclusão de sócio no polo passivo é medida excepcional e adotada sempre que restam frustradas as tentativas de satisfação integral do crédito ante a não existência de bens suficientes da empresa executada, independentemente de sua responsabilidade direta ao processo trabalhista.

A responsabilização dos sócios pela satisfação de créditos trabalhistas seguia o entendimento majoritário da doutrina e se fundava na inércia do executado em pagar ou indicar bens para saldar sua dívida, de acordo com o §5º do artigo 28 do CDC, aplicado subsidiariamente ao processo do Trabalho. No entanto, não havia até então previsão legal específica para a responsabilização do sócio, o que gerava decisões divergentes entre os juízos, pois parte se utilizava da teoria maior que exigia a comprovação da fraude ou confusão patrimonial para que autorizassem a desconsideração.

Para Bernardes1 (p. 305) a "inovação trazida no artigo 10-A da CLT é benéfica por trazer a previsão genérica de responsabilidade subsidiária do sócio nos processos trabalhistas em consonância com a jurisprudência majoritária no cenário anterior à reforma".

Destarte, para regular a desconsideração da personalidade jurídica foi inserido o artigo 855-A da CLT, estabelecendo a aplicação ao processo do trabalho do incidente previsto nos artigos. 133 a 137 da lei 13.105/2015.

A responsabilidade não é presumida, pois ela decorre da lei ou da vontade das partes, nos termos do art. 265 do Código Civil. Em relação a terceiros, como ocorre com o crédito trabalhista, os bens particulares dos sócios, conforme dispõe o art. 1.024 do CC, não podem ser executados por dívidas da sociedade, exceto depois de executados os bens da pessoa jurídica.

Prazo para pagamento dos créditos trabalhistas

A arrecadação dos bens, a realização do ativo e o pagamento aos credores, será de competência do juízo falimentar nos termos do art. 7º - A da lei 14.112/2020.

A regra geral do prazo de pagamento dos créditos trabalhistas, no plano de recuperação judicial, é de um ano. Entretanto, a Lei nº 14.112/2020 incluiu a possibilidade do prazo estabelecido ser estendido em até dois anos, se o plano de recuperação judicial atender aos seguintes requisitos, cumulativamente: (i) apresentação de garantias julgadas suficientes pelo juiz, (ii) aprovação pelos credores titulares de créditos derivados da legislação trabalhista ou decorrentes de acidentes de trabalho, na forma do §2º do art. 45  lei; e (iii) garantia da integralidade do pagamento dos créditos trabalhistas.

Dessa forma, as alterações promovidas pela lei 14.112/20 possuem características ampliativas em relação às possibilidades de negociações dos credores elastecendo o prazo para que as empresas em crise possam quitar seus débitos, bem como estimular a atividade econômica.

Os créditos trabalhistas na falência estão limitados a 150 salários-mínimos por credor, e aqueles decorrentes de acidentes de trabalho têm prioridade de pagamento e ocupam a primeira posição na classificação dos créditos. Os saldos dos créditos trabalhistas que excederem o limite serão considerados quirografários e obedecerão a ordem de classificação disposta no art. 83, inciso VI, alínea "c" da lei 14.114/2020.

Falência da sociedade empresária 

A falência constitui um novo estado jurídico que produz vários efeitos sobre os devedores e credores. Um dos efeitos é o alcance da pessoa do falido, os contratos firmados, seu patrimônio e o direito dos credores. Segundo o art. 76 da lei 11.101/2005, o juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo. Nessa senda, os créditos trabalhistas originam-se da relação jurídica entre empregado e empregador, e, logo, estão dentre os créditos regulados pela Lei de Falências.  

O processo de execução, ou cumprimento da sentença trabalhista segundo Calcini, Guimarães e Jamberg2  (p. 111), "se faz no interesse do credor, de modo que os atos executivos devem ser direcionados para o cumprimento da obrigação contido no título executivo, revelando, de outro lado, o prestígio do poder jurisdicional de fazer cumprir suas decisões".

Desde a vigência da lei 11.101/2005, de forma positiva, as Justiças Comum e Especializada suscitam para si a competência para a satisfação dos créditos trabalhistas, gerando incontáveis conflitos de competência que acarretam em maior morosidade. Diante dessa perspectiva a Lei nº 14.112/2020 veio pacificar tais questionamentos e assentou a competência do Juízo Falimentar para a satisfação de créditos sujeitos no juízo universal, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário. 

Desconsideração da personalidade jurídica

O princípio da desconsideração da personalidade jurídica, além de previsto no direito do trabalho, está disposto em outros ramos do direito como: empresarial, civil, consumidor e tributário. Este instituto, inicialmente, foi utilizado pela jurisprudência para obstar situações de abuso da personalidade jurídica com finalidade de lesar credores. A sociedade deixava de ter a função social da propriedade prevista no art. 170 da Constituição Federal, sendo utilizada de forma desvirtuada, com fins diversos.

Bezerra Leite3 (p.124) preleciona que a “despersonificação do empregador, ou desconsideração da personalidade jurídica do empregador, constitui, a rigor, princípio do direito material trabalhista” (arts. 2º, 10 e 448, todos da CLT).

Segundo Bernardes4 (p.298), o sócio pode ser responsabilizado por dívidas trabalhistas a partir da instauração do incidente da desconsideração da personalidade jurídica "por força da qual se supera episodicamente a autonomia patrimonial da pessoa jurídica".

Para Miessa5 (p. 1.266) "é sabido que a pessoa jurídica não se confunde com a figura de seus sócios. No entanto, o sócio tem responsabilidade secundária, ou seja, seu patrimônio poderá ser atingido para arcar com o pagamento de dívida da pessoa jurídica".

O artigo 82-A da lei 14.112/2020 prevê a vedação da extensão da falência ou de seus efeitos, no todo ou em parte, aos sócios de responsabilidade limitada sendo possível a desconsideração da personalidade jurídica. Esta, porém, somente pode ser autorizada nas hipóteses do Código Civil (art. 50, CC) e na forma procedimental prevista pelo Código Processual Civil (arts. 133 e seguintes, CPC), ou seja, através de instauração do incidente próprio.

A Justiça do Trabalho, antes da inovação trazida pela lei 14.112/2020, permitia mesmo na falência que a execução continuasse em desfavor do sócio solidário que já integrava o polo passivo, devido ao entendimento que os bens dos sócios não se confundiam com os bens da massa falida. Assim, alguns credores trabalhistas recebiam a totalidade dos seus créditos no curso do processo trabalhista, enquanto no falimentar os demais estavam sujeitos a receberem percentual menor, ou seja, ocorria uma ruptura do princípio da par condictio creditorium, prática vedada no processo falimentar.

Se não fosse dessa forma, não haveria a necessidade da existência do juízo universal, que tem a competência para dirimir os conflitos entre os credores e o devedor insolvente, assim declarado judicialmente, julgando todas as ações que envolvam interesses da sociedade. Ademais, a universalidade do juízo falimentar decorre de disposição legal, nos termos dos arts. 3º e 76, ambos da lei 11.101/2005. A indivisibilidade do juízo falimentar se refere às ações propostas quando já decretada a falência, sendo que a atração do juízo universal alcança apenas as ações ajuizadas pela massa falida ou contra ela.

Resistência da Justiça do trabalho em remeter os processos para o juízo universal

A Justiça do Trabalho vem sendo impactada nos últimos anos pela Reforma Trabalhista, pela Lei da Liberdade Econômica, pela Nova Lei de Falências, pelo Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET), dentre outras Leis, Medidas Provisórias e entendimentos do Supremo Tribunal Federal.

O princípio da proteção, essência do Direito do Trabalho, aplicado pelas regras in dubio pró-operário, da norma mais favorável e da condição mais benéfica, resultam numa resistência histórica do cumprimento, na prática, de disposições legais de outros ramos do direito.

Em que pese as normas postas suspenderem as execuções trabalhistas e determinarem a remessa dos processos para o juízo concursal, ainda se observam diversos julgados contrários, deflagrando total arbitrariedade dos magistrados trabalhistas. Interpretar e aplicar o Direito do Trabalho é respeitar a competência das outras áreas do Direito, pois o ordenamento jurídico é uno e o Direito deve ser expresso de forma sistemática e coordenada.

O art. 6º, §2º, da lei 11.101/05 prevê que as ações de natureza trabalhista serão processadas perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença. Observe a importância da Justiça do Trabalho que entrega o bem da vida pretendido à quem de direito, para que juízo universal, que tem o poder-dever-função garanta a inclusão do crédito na classe própria.

Assim, todos os ramos do direito estão imbricados com vista a regular as relações humanas e alcançar a paz social como valor maior cabendo aos juízos o respeito pela jurisdição que lhes compete.

Overruling da jurisprudência consolidada no âmbito dos Tribunais Superiores 

O Tribunal Superior do Trabalho firmou entendimento no sentido de ser cabível o redirecionamento da execução em face dos bens dos sócios da empresa falida, na medida em que tais bens não se confundem com os bens da massa falida. O overruling consiste na superação de um precedente normativo, que pode se dar de forma expressa ou tácita, nos termos do art. 927 do Código de Processo Civil. Novos dispositivos legais foram introduzidos pela lei 14.112/2020, pelo que se depreende uma real superação da jurisprudência consolidada no âmbito dos Tribunais Trabalhista em relação à temática.

Em recente acórdão publicado em 18 de maio de 2021, entenderam os Desembargadores da 1ª Turma do TRT/RJ da 1ª Região que não há qualquer dispositivo no ordenamento jurídico pátrio, que "autorize que a superveniência da decretação do regime falimentar possa irradiar efeito desconstitutivo sobre pagamentos pretéritos licitamente efetuados"6. Entretanto, está-se diante de situação pretérita, quando os bloqueios ocorrem antes da sentença de quebra. Dessa forma, patrimônio do sócio solidário se mantêm apartado do patrimônio da massa para a satisfação do crédito trabalhista. E, por esse motivo, antes da decretação da falência, e consonante com a jurisprudência atual, este deverá ser colocado à disposição do Juízo Trabalhista e, por conseguinte, não ser objeto de atratividade pelo Juízo Universal Falimentar.

Contudo, após a decretação da falência, a Justiça do Trabalho deixa de ser competente para continuar a executar patrimônio de sócio solidário, encerrando a sua atividade jurisdicional com a quantificação da dívida e a expedição de certidão para habilitação do crédito trabalhista no quadro geral de credores perante o Juízo Universal Falimentar, nos termos da lei 14.112/2020.

Conclusão 

Por todo o exposto, claro está que às inovações trazidas pela lei 14.112/2020 têm aplicabilidade imediata aos processos trabalhistas em curso, visto que se trata de norma processual, passando a ser aplicada no processo laboral a partir de sua vigência no ordenamento jurídico.

O crédito trabalhista deve ser satisfeito com a pronta expedição de certidão de crédito para que o exequente se habilite nos autos da falência, nos termos do art. 83, I, da Lei Falimentar. Deferido o processamento da falência, exaure a competência da Justiça do Trabalho para promover qualquer ato executório em desfavor do devedor falido ou de socio solidário. A atratividade do juízo universal visa garantir a isonomia prevista no citado artigo 5º, para que todos os credores venham a receber o mesmo tratamento, respeitando o princípio da igualdade.

Entendimento em sentido contrário, em arremate, chancelaria escancarada fraude ao concurso de credores, sendo poucos os privilegiados em detrimento da massa falida com burla a ordem obrigatória de classificação dos créditos na falência conforme previsão do artigo 83 da lei 11.101/2005, o que não se permite no ordenamento jurídico.

*Heloísa Helena do Valle Marcello é pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pelo Instituto Brasileiro de Economia e Capital. Pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Estácio de Sá. Pedagoga e advogada.

__________

1 Bernardes, Felipe. Manual de Processo do Trabalho/Felipe Bernardes. 3. Ed. Ver. atual. e ampl. – Salvador: JusPodivm, 2021 p. 305.

2 Guimarães Rafael. Execução Trabalhista na prática/ Rafael Guimarães, Ricardo Calcini, Richard Wilson Jamberg. Execução Trabalhista na Prática – Leme, SP: Mizuno, 2021.

3 Leite, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho – 16. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 124.

4 BERNARDES, Felipe. Manual de Processo do Trabalho – 3ª ed. Revista atual. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 298.

5 CORREIA, Henrique e MIESSA, Élisson. Tribunais e MPU – Noções de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho – Para Técnico (2020). 5ª Ed. Revista atual. Salvador: JusPodivm, 2020, p.1.266.

6 PROCESSO nº 0018200-40.2006.5.01.0342 (AP).

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunista

Ricardo Calcini é advogado, Parecerista e Consultor Trabalhista. Sócio Fundador de Calcini Advogados. Atuação Especializada e Estratégica (TRTs, TST e STF). Professor M. Sc. Direito do Trabalho (PUC/SP). Docente vinculado ao programa de pós-graduação de Direito do Trabalho do INSPER/SP. Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno. Colunista nos portais JOTA, Migalhas e ConJur. Autor de obras e de artigos jurídicos em revistas especializadas. Membro e Pesquisador: GETRAB-USP, GEDTRAB-FDRP/USP e CIELO Laboral. Membro do Comitê Executivo da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Professor Visitante: USP/RP, PUC/RS, PUC/PR, FDV/ES, IBMEC/RJ, FADI/SP e ESA/OAB.