Migalha Trabalhista

O monopólio do sindicato único no Brasil: breve análise sob a ótica do registro sindical

O monopólio do sindicato único no Brasil: breve análise sob a ótica do registro sindical.

21/8/2020

Texto de autoria de Leonardo Soares Bello

A fundação de uma entidade sindical tem início com a publicação do edital de convocação para uma Assembleia Geral. Na assembleia a categoria de trabalhadores deliberará sobre a criação da entidade sindical, definindo suas bases de representação e Estatuto Social da entidade, com a eleição dos respectivos componentes da diretoria do sindicato.

Após a aprovação do Estatuto, deve ser feito o registro do respectivo instrumento no cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas, dando-se a necessária publicidade da fundação e criação da entidade perante terceiros, nos termos do art. 45 do CCB, o qual declara começar a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro.

Note-se que o registro em cartório serve para conferir à entidade sindical a existência legal da pessoa jurídica e respectiva publicidade, nos termos do art. 45 do Código Civil de 2002, inerente aos serviços registrais, conforme dispõe a lei 6.015/73. Contudo, seus efeitos são limitados, pois, até esse momento, a entidade tem apenas a característica de uma associação, não havendo capacidade de representação de sua categoria perante o sistema sindical brasileiro.

A efetivação da personalidade jurídico-sindical se volta ao órgão competente para reconhecer a validade da fundação do sindicato e conferir o respectivo registro tratado no inciso I do art. 8º que, como se verá, é o Ministério da Economia.

A primeira lei1 a estender o direito de sindicalização a todos os trabalhadores no Brasil, o decreto 1.637 de 1907, declarava a liberdade para a criação de sindicatos profissionais, mas exigia o depósito de seus atos constitutivos "no cartorio do registro de hypothecas do districto respectivo".

Foi a partir da Lei de Sindicalização, decreto 19.770, de 19 de março de 1931, com notório cunho intervencionista, visando à integração dos trabalhadores e empregadores através de categorias sob um mecanismo estatal de enquadramento sindical baseado na unicidade sindical, é que o Estado assumiu a tutela das associações sindicais, cuja existência ficava condicionada ao reconhecimento mediante registro no Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, controle que se manteve mesmo na breve experiência pseudo-pluralista do decreto 24.694 de 1934.

Mas somente no Estado Novo, com o decreto-lei 1.402 de 1939, é que o registro assumiu importância decisiva para transformar as associações sindicais em aparelhos do sistema corporativista como órgãos de colaboração com o Estado. Oliveira Vianna seu ideólogo resumiu na ciranda histórica o grau de subordinação que assumiam: "Com a instituição deste registro, toda a vida das associações profissionais passará a gravitar em torno do Ministério do Trabalho: nele nascerão; com ele crescerão; ao lado dele se extinguirão"2. A Consolidação das Leis do Trabalho de Vargas incorporou à legislação sindical de tutela repressiva o registro com significado de reconhecimento ou credenciamento que assegurava o controle estatal.

Desde então, apesar das grandes mudanças ocorridas no país, a organização sindical brasileira não se afastou de forma significativa de suas raízes estatizantes, tendo sofrido a influência de uma ideologia populista de Estado durante o período de redemocratização de <_st13a_metricconverter productid="1946 a" w:st="on">1946 a 1964. Contudo, a partir de 1964, foi redefinida para um estatismo de direita como forma de barrar a ascensão de correntes reformistas, até adquirir uma feição neocorporativista nos anos 80, mantendo-se até a Constituição de 1988.

Diz a Constituição Federal de 1988 que é livre a associação profissional ou sindical, não podendo a lei exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, sendo vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical, ressalvado o registro no órgão competente (art. 8º, inciso I).

Assim, embora vede ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical, o texto constitucional estabelece a possibilidade de exigência legal do registro no órgão competente, não indicando o órgão destinado a efetuá-lo.

Com fulcro na regra constitucional, o Ministério do Trabalho editou a Portaria 3.280, de 6 de outubro 1988, que estabelecia o procedimento para o registro de entidades sindicais, ficando subentendido em suas razões tratar-se de requisito para existência legal destas entidades. Porém, logo foi editada a Portaria 3.301, de 1º de novembro de 1988, que veio a revogar a Portaria 3.280 alterando o entendimento do Ministério do Trabalho que passou a não reconhecer sua competência para realizar o registro sindical3.

No entanto, antes de sua revogação, a Confederação Nacional da Indústria - CNI impugnou a Portaria 3.280 através do Mandado de Segurança 29/DF, sendo reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça a competência do Ministério do Trabalho para efetuar o registro, tendo reiterado a ressalva estabelecida pelo art. 8º da Constituição de 1988 quando prevê a necessidade do registro no órgão competente. E foi além, estabeleceu a competência deste órgão ministerial para a verificar a observância ou não da vedação constitucional à existência de organização sindical da mesma categoria profissional em idêntica base territorial.

Quando da decisão no MS 29/ DF, já estava em vigor a Portaria 3.301 em sentido contrário. Foi então expedida a Instrução Normativa 5, de 15 de fevereiro de 1990, que acolheu a competência conforme o julgado e regulamentou o registro sindical pelo Ministério do Trabalho, estabelecendo, no entanto, tratar-se de ato provisório e que quaisquer controvérsias surgidas deste ato deveriam ser dirimidas pelo Poder Judiciário.

Esta Instrução foi revogada pela Instrução Normativa 9, de 21 de março de 1990, que foi editada no momento de um novo arranjo organizacional da estrutura administrativa do Estado, sendo extinto o Ministério do Trabalho, com a transferência de parcela de suas competências para o Ministério do Trabalho e Previdência Social. Explica-se: a Medida Provisória 150, de 21 de março de 1990, que regulou tal mudança, limitou o rol de competências deste novel ministério, retirando qualquer atribuição para questões sindicais. Assim, a Instrução Normativa 09, partindo dessa ideia, criou em caráter provisório o Arquivo de Entidades Sindicais Brasileiras (AESB), tendo o arquivamento caráter de ato cadastral.

Essas duas últimas instruções tinham como objetivo afastar do Ministério do Trabalho (e Previdência Social) a competência para o registro de entidades sindicais, como requisito para aquisição de sua personalidade jurídica, funcionando apenas como arquivo dos seus atos constitutivos.

Ocorre que a jurisprudência do STJ era patente em sentido contrário, determinando que além do registro, permanecesse a competência do Ministério do Trabalho para zelar pela unicidade sindical, verificando em seus registros a existência de eventuais entidades sindicais anteriores. Ou seja, somente adquiriria legitimidade de representação a entidade associativa que representasse determinada categoria numa limitada base territorial, ainda não representada por ente sindical anteriormente registrado. E cabia ao Ministério do Trabalho a tarefa de defesa desse sistema através do registro sindical.

A IN 09 foi revogada pela Instrução Normativa 1, de 27 de agosto de 1991, que ratificou a existência do Arquivo de Entidades Sindicais Brasileiras (AESB), bem como regulamentou o processo de requerimento de inclusão de entidades sindicais neste arquivo com o intuito de aperfeiçoar o processamento dos pedidos de arquivamento e impugnação de entidades sindicais no AESB, mantendo, no entanto, afastada a natureza do registro como ato constitutivo. Cabe informar que em 1º de setembro de 1992, a IN 2 alterou em questões formais a instrução 1.

A análise desses instrumentos normativos demonstra que, aos seus próprios olhos, o Ministério do Trabalho careceria de competência para a prática do ato de registro por falta de disposição legal que regulamentasse o art. 8, I, da CF/1988. Sendo que as inscrições de estatutos sindicais deveriam ser feitas no Cartório de Títulos e Documentos até a edição da referida norma, sob pena de interferência do Poder Público na organização sindical.

Permanecia, no entanto, a faculdade das entidades sindicais depositarem seus estatutos no Arquivo de Entidades Sindicais Brasileiras – AESB, criado pelo Ministério do Trabalho e Emprego apenas para fins de cadastro, não constituindo ato concessivo de personalidade jurídico-sindical. Ao que parece esse cadastro tinha apenas o objetivo de cumprir as diversas decisões judiciais que determinavam que o Ministério do Trabalho realizasse o registro, o que na prática não atingia o objetivo visado.

Face ao imbróglio estabelecido, em 3 de agosto de 1992, a Associação Profissional dos Bombeiros Civis após ter o pedido de registro sindical sobrestado pelo Ministério do Trabalho, até que fosse editada a regulamentação estabelecendo a quem competiria realizar o registro, propôs o Mandado de Injunção 144-8/SP para que o STF provocasse o Congresso Nacional a editar a respectiva norma regulamentadora.

O entendimento da Suprema Corte, no entanto, foi em sentido oposto. Segundo os ministros do STF – em decisão norteadora que pôs fim à celeuma adrede estabelecida – não haveria lacuna a ser suprimida na regra do art. 8, I, da CRFB/88. A partir da análise do voto do Ministro Sepúlveda Pertence, podem ser extraídas três grandes conclusões deste julgado:

1. Ficou estabelecida a competência legal do Ministério do Trabalho e Emprego para o registro das entidades sindicais, que desponta como corolário lógico da legislação pré-constitucional.

2. Em seguida, concluiu-se que o Ministério do Trabalho se mantinha como órgão competente para zelar pelo princípio da unicidade sindical

3. Por fim, declarou-se no mandado de injunção que o registro sindical é requisito necessário à aquisição da personalidade jurídico-sindical, e não apenas cadastro de entidades sindicais.

Após esse julgamento foi editada a IN 3, de agosto de 1994, que restabeleceu a competência do Ministério do Trabalho para efetuar o registro sindical e criou o Cadastro Nacional das Entidades Sindicais, composto pelos "estatutos das entidades registradas e a especificação: I – das categorias ou profissões representadas pelos sindicatos e respectivas bases territoriais; II – dos grupos de categorias correspondentes às federações; III – dos ramos econômicos ou profissionais concernentes às confederações nacionais".

Regulamentando a Instrução Normativa 3, foi editada a Portaria 85, de 27 de janeiro de 1997, que instituiu a Comissão Consultiva do Registro Sindical no âmbito da Secretaria de Relações do Trabalho. Tratava-se de uma comissão tripartite (formada por quatro representantes dos empregados, dos empregadores e governamentais) com a competência de opinar sobre a legitimidade das impugnações aos pedidos de Registro Sindical.

Criada a Instrução Normativa 1, de 17 de julho de <_st13a_metricconverter productid="1997, a" w:st="on">1997, a IN 3 e a Portaria 85 foram expressamente revogadas, e há a delegação ao Secretário de Relações do Trabalho da competência do Ministro do Trabalho para praticar todos os atos relativos ao Registro Sindical. Com a edição Portaria 343, de 4 de maio de 2000, que foi alterada pela Portaria 376, de 23 de maio de <_st13a_metricconverter productid="2000, a" w:st="on">2000, a matéria passa a ser regulada por aquela.

Em 2003, após diversos julgamentos relativos ao registro sindical, o STF, enfim, fixa sua jurisprudência quanto ao tema através da Súmula 677, estabelecendo a competência do Ministério do Trabalho para proceder registro das entidades sindicais e zelar pela observância do princípio da unicidade, até que a lei viesse a regular a matéria, in verbis:

"Até que lei venha a dispor a respeito, incumbe ao Ministério do Trabalho proceder ao registro das entidades sindicais e zelar pela observância do princípio da unicidade".

O registro sindical passou a ser regido pela Portaria 186, de 10 de abril de 2008, do Ministério do Trabalho e Emprego, passando o procedimento de pedido de registro e alteração estatutária das entidades sindicais a ser realizado de forma eletrônica.

Foi editada, então, a Portaria 326, de 1º de março de 2013, que disciplinou os pedidos de registro das entidades sindicais de primeiro grau, permanecendo vigente a Portaria 186 para as entidades de grau superior.

Em 1º de junho de 2018 foi publicada a Portaria MTb 32 que suspendeu os procedimentos de registro sindical por 30 dias. A partir de então foram editadas sucessivas portarias mantendo a suspensão dos procedimentos de registro sindical até 30 de junho de 20204.

Com a reforma administrativa implementada pela Medida Provisória 870, de 1º de janeiro de 2019, a competência para o registro sindical passou a ser do Ministério da Justiça e Segurança Pública (art. 37, inciso VI), sendo então editada a Portaria 501, de 30 de abril de 2019, que dispôs sobre os procedimentos administrativos para o registro de entidades sindicais.

A MP 870 foi convertida na lei 13.844, de 18 de junho de 2019, que transferiu para o Ministério da Economia a competência para o registro sindical (art. 31, inciso XLI), através da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho.

O procedimento administrativo para o registro de entidades sindicais atualmente vem regulado pela Portaria SEPRT 17.593, de 24 de julho de 2020, e, ao menos textualmente, não se afastou de forma relevante do procedimento adotado pela antiga Portaria 186.

A partir dessa análise histórica do registro sindical no Brasil, verifica-se que o modelo de sindicalismo legal permanece resistindo em sua essência durante várias décadas. E que, em arremate, o Registro Sindical se mantém como mecanismo de intervenção do Estado para resguardar a observância do princípio da unicidade sindical e, por que não, do bom e velho "egoísmo de fração", em que cada categoria legalmente constituída tende ao isolamento na defesa de seus interesses específicos, sem qualquer consciência de classe5.

*Leonardo Soares Bello é mestre em Direito. Professor de Direito Coletivo do Trabalho. Auditor-Fiscal do Trabalho.

__________

1 A primeira lei sindical no país foi o Decreto 979 de 1903 que regulava os sindicatos agrícolas. BRASIL. Presidência da República. Decreto 979, de 06 de janeiro de 1903. Disponível aqui. Acesso em: 14. mar. 2012.

2 VIANNA, Oliveira. Problemas de Direito Sindical. Rio de Janeiro: Max Limonad. 1943. pág. 209.

3 A partir daí diversos sindicatos vão ser constituídos por meio de registro no cartório de títulos e documentos e ganhar personalidade jurídica, já que não encontrarão impedimento para o registro de entidade representativa da mesma categoria profissional ou econômica na mesma base territorial; o que gera ainda hoje inúmeras ações entre sindicatos e, não raro, dois sindi­catos convocam um mesmo empregador para negociação coletiva e o notificam para o repasse da contribuição sindical obrigatória. As empresas, por sua vez, se utilizam da ação de consignação em pagamento, para que a justiça decida qual sindicato representa seus empregados, de forma a evitar ter que pagar a contribuição sindical à entidade não representativa.

4 Portaria MTb nº 507, de 12 de julho de 2018; Portaria MTb nº 789, de 26 de setembro de 2018 Portaria MJSP nº 87, de 31 de janeiro de 2019; Portaria SEPRT nº 1.229, de 07 de novembro de 2019; Portaria SEPRT nº 3.203, de 5 de fevereiro de 2020; Portaria SEPRT nº 9275, de 06 de abril de 2020.

5 GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o Estado Moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1968.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunista

Ricardo Calcini é advogado, Parecerista e Consultor Trabalhista. Sócio Fundador de Calcini Advogados. Atuação Especializada e Estratégica (TRTs, TST e STF). Professor M. Sc. Direito do Trabalho (PUC/SP). Docente vinculado ao programa de pós-graduação de Direito do Trabalho do INSPER/SP. Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno. Colunista nos portais JOTA, Migalhas e ConJur. Autor de obras e de artigos jurídicos em revistas especializadas. Membro e Pesquisador: GETRAB-USP, GEDTRAB-FDRP/USP e CIELO Laboral. Membro do Comitê Executivo da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Professor Visitante: USP/RP, PUC/RS, PUC/PR, FDV/ES, IBMEC/RJ, FADI/SP e ESA/OAB.