Ex officio: Ex-officio?
1) O latim e o inglês: nota histórica – A evolução do inglês é, normalmente, dividida em três períodos: o do Old English (até a conquista normanda em 1066), o do Middle English (1066 a 1500) e o do Modern English (1500 a 1800).
a) Até a conquista normanda, período do Old English, o território que conhecemos hoje por Grã-Bretanha era dividido em tribos que falavam línguas anglo-saxônicas e celtas. Além disso, a ilha era constantemente invadida ao norte por povos germânicos. Eram várias as línguas usadas no Direito que era próprio de cada tribo e, predominantemente, oral.
b) O segundo período, o do Middle English, encerra o período da influência germânica e inaugura o da influência do latim e do francês. Assim, a partir de 1066, enquanto o francês era a língua da corte, o latim predominava no Direito, pois era a língua do clero, dos instruídos, ou seja, dos juízes da coroa e dos redatores de documentos oficiais, leis, cartas e ordens.
c) A influência do latim foi tão intensa no inglês que, por dois séculos, foi usada como língua do direito escrito. Mesmo, mais tarde, durante o ápice da influência do francês na linguagem jurídica, o latim ainda era usado nos documentos de maior importância.
2) O papel do latim no inglês foi tão marcante que até hoje são empregadas inúmeras expressões latinas na linguagem jurídica em inglês (e.g. inter partes, ceteris paribus, in camera, certiorari, a mensa et thoro).
3) Entretanto, se observarmos as expressões latinas no inglês e as utilizadas no português do Brasil, veremos que:
a) muitas diferem (i.e. há expressões em latim no inglês jurídico que não são utilizadas no português e vice-versa) e,
b) que, apesar de muitas coincidirem, as acepções dessas expressões (que à primeira vista nos são familiares) nada têm em comum: como no caso de ex officio, e também no de in rem, inter partes, entre outras.
4) Assim, tendo em vista que as acepções de expressões em latim idênticas poderem variar de uma língua para a outra (inglês <> português), haverá repercussões na tradução. Em outras palavras, em muitos casos, a tradução de uma expressão em latim utilizada no inglês poderá ser uma expressão em português (não em latim) no português e vice-versa.
5) Observemos o caso de 'ex officio' na indagação do leitor:
a) Grafia – A diferença começa a ser sentida a partir da grafia:
i) em português escrevemos 'ex officio' sem o sinal diacrítico,
ii) em inglês, com: 'ex-officio'.
b) Acepções
i) Em português, a expressão é aplicada, nas palavras do leitor "às situações em que o juiz pode praticar determinado ato sem prévio pedido das partes".
ii) Em inglês, aplica-se o sintagma em contextos em que um indivíduo em virtude de ser titular de um determinado cargo, também exerce um outro (ex-officio member).
1) O exemplo mais prototípico é o caso de o Vice-Presidente dos Estados Unidos ocupar, em decorrência do cargo (e não por eleição), a presidência do Senado.
2) Um outro exemplo, no contexto empresarial, é o fato de o CEO (Chief Executive Officer) ser, em regra, membro do Board of Directors (Conselho de Administração).
6) Traduzir latim por inglês/português – Com o exame das acepções acima, verificamos que, se ao traduzirmos um documento do inglês para o português, mantivermos a expressão em latim, na prática, tradução não haverá, mas confusão.
7) Como traduzir 'ex officio' em inglês? No sistema americano, há uma regra de processo civil adotada por diversos estados segundo a qual há uma série de defenses que podem ser levantadas a qualquer tempo e por qualquer uma das partes ou pelo juiz. Na esfera federal, essas defenses são conhecidas como The 12(b) defenses e tratam da competência, do foro, da citação, entre outros.
8) Termo específico – Não é raro, no sistema americano, que uma ação seja extinta por incompetência do órgão julgador, por exemplo, mas, normalmente, o fato é trazido à tona pela outra parte. O mesmo ocorrendo para o caso de prescrição ilustrado pelo leitor em sua pergunta. Conseqüentemente, não encontramos um termo/sintagma em inglês para a expressão 'decisão ex officio' em português, cabendo ao tradutor, pelo menos, duas alternativas:
a) criar um neologismo, tais como:
i) unwaivable defense – transmite a idéia da obrigatoriedade da decisão em relação ao juiz;
ii) jurisdictional defense – ressalta que a decisão provém do juiz e não das partes.
b) utilizar uma paráfrase:
i) a decision the court must issue by force of law – se entendermos que é obrigação do juiz;
ii) a decision the court may issue without being required to by the parties – se entendermos que se trata de faculdade do juiz.
9) Inexistência de termo específico – A falta de uma expressão em inglês para traduzir o termo 'ex officio' utilizado no nosso sistema pode ser mais um reflexo das diferenças entre as culturas jurídicas em tela (brasileira e anglo-americana) em que os papéis desempenhados por advogados e juízes em muito diferem.
10) Referências:
a) Carvalho, L. (2007) A tradução de binômios nos contratos de common law à luz da lingüística de corpus. Dissertação de Mestrado. FFLCH/USP.
b) Tesdahl, D. (2005). The Nonprofit Board's Guide to Bylaws: Creating a Framework for Effective Governance. Boardsource: Boardsource.
c) Mellinkoff, D. (1963). The Language of the Law. Boston: Little, Brown.
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