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Evidência e Evidence

Luciana Carvalho
31/3/2008


O leitor Francisco Antonio Diniz Junqueira, envia-nos a seguinte mensagem:

"Drª. Luciana, saudações. Há diferença entre 'Evidence' do inglês, e 'Evidência' do português? Obrigado e felicidades”. Francisco Antonio Diniz Junqueira - OAB/SP


Evidência e Evidence

"Related somehow they may be,—
The sedge stands next the sea,
Where he is floorless, yet of fear
No evidence gives he."
Emily Dickinson

1) Em inglês, de acordo com o Black’s Law Dictionary, evidence é:

a) algo [incluindo depoimentos, documentos e objetos] que faz prova da existência ou da inexistência de um determinado fato;

b) o conjunto de elementos, principalmente depoimentos e provas, apresentado perante um juízo em uma ação judicial;e,

c) o direito que rege a admissibilidade daquilo que é apresentado como prova no curso de uma ação judicial.

2) E o que diz a linguagem jurídica brasileira sobre evidência ? Podemos afirmar que a linguagem jurídica brasileira não conhece evidência na acepção de prova. E isso fica claro ao consultarmos as obras terminográficas da área como o Vocabulário Jurídico De Plácido e Silva em que não há entrada para o termo evidência. Essa constatação, corrobora-a a ausência do termo evidência em nossos Códigos de Processo.

3) Evidence corresponde a prova. – O termo prova ocorre 113 vezes no CPP e 57 no CPC, além de contar com, nada menos que, 28 entradas (de prova a prova testemunhal) em quase cinco páginas no Vocabulário De Plácido e Silva em contextos similares ao de evidence. E não há uma única ocorrência de evidência.

4) Então por que há tantas traduções de evidence por evidência ? Acredito que por duas razões:

a) Porque muitas pessoas que traduzem linguagem jurídica caem na armadilha dos falsos cognatos, i.e., palavras que parecem ser o que não são. E o Direito está cheio delas (e.g. evidence, consideration, agreement, execute).

b) Porque evidência, na acepção de prova, é considerado um anglicismo cujo uso corrente na linguagem coloquial remonta a 50 anos (SANTOS, 2006)1 .

5) Evidence e Proof – Não poderia deixar de mencionar o termo proof nesta coluna, pois está intimamente relacionado a evidence que difere de "proof por uma nuance: proof é o efeito ou o resultado da evidence" (SANTOS, 2006).

Isto é, após a prova (evidence) ser estabelecida ela passa a ser designada proof. Assim, em inglês, ônus da prova corresponde a burden of proof e não 'burden of evidence'. Nosso direito não faz essa distinção. Ao tradutor, cabe examinar minuciosamente o contexto em que o termo prova está sendo usado para eleger entre evidence e proof.

6) Termos relacionados:

a) admissible evidence – prova admissível

b) burden of proof – ônus da prova

c) circumstancial evidence – prova indireta

d) immaterial evidence – prova irrelevante

e) negative proof – prova negativa

f) written evidence , literal proof – prova literal, prova documental

7) Conclusão - Portanto, há diferença entre evidence e evidência na linguagem jurídica. Nesse caso, o termo evidence deve ser traduzido por prova respeitando os usos e convenções da língua de chegada. Por outro lado, não há essa mesma diferença na língua geral em que se pode usar evidência.

8) Dica:

Para explorar o tema, consultar:

a) SANTOS, A. S. (2006) Dicionário de anglicismos e de palavras inglesas correntes em português. Rio de Janeiro: Elsevier.

b) SANTOS, A. S. (2007) Guia prático da tradução inglesa. Rio de Janeiro: Elsevier.

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1Apesar de os dicionários Aurélio, Houaiss e Michaelis ainda não terem incorporado essa acepção, o único dicionário de língua portuguesa verdadeiramente baseado nos 'usos' do português já a inclui. Trata-se do Dicionário de Usos do Português do Brasil do Prof. Francisco Borba da UNESP.

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Colunista

Luciana Carvalho Fonseca é professora doutora do Departamento de Letras Modernas (DLM) da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP) e da pós-graduação em Tradução (TRADUSP). Fundadora da TradJuris - Law, Language and Culture e autora dos livros "Inglês Jurídico: Tradução e Terminologia" (2014) e "Eu não quero outra cesárea" (2016).