O leitor Daniel Bueno Cateb, envia-nos a seguinte mensagem:
"Parabéns ao Migalhas e à Mestra Luciana Fonseca pelas colunas produzidas. Aproveitando a deixa da própria colunista, no texto apresentado em 11/8/08, gostaria de saber: 'E o que acontece com os pedidos de apelação que chegam e não são julgados pela Suprema Corte? Esse poderia ser objeto de outra coluna....' Um abraço a todos os migalheiros e obrigado."
Os pedidos de recursos não julgados pela Suprema Corte
"Appeal in law: to put the dice into the box for another throw."
Ambrose Bierce (1842 - 1914)
Na coluna "Appeal: sustained, denied, reversed - Parte 2" (clique aqui), abordamos os principais desfechos dos recursos a instâncias superiores no sistema americano e deixamos a seguinte pergunta no ar: 'E o que acontece com os pedidos de recursos que chegam à Suprema Corte, porém não são julgados?'
Na coluna supra, vimos que o direito de recorrer (right to appeal) americano decorre de questão de direito (matter of right) ou da discrição da instância superior (discretion of appellate authority). A segunda forma é a predominante e a responsável pelo 'reduzido' número de recursos julgados pela Suprema Corte americana – se comparado com o número de julgamentos proferidos pela mais alta corte brasileira1, por exemplo.
Enquanto em 2009, por exemplo, o STF recebeu mais de 84 000 ações e recursos e proferiu quase 121 000 decisões2, anualmente, chegam à Suprema Corte cerca de 10 000 ações (cases filed). Dessas, 8.0003 são petitions for writ of certiorari ou, mais informalmente, cert petitions, i.e., pedidos de recursos de decisões de instâncias inferiores. Dentre os pedidos aproximadamente 100 são deferidos, porém somente cerca de 85 são efetivamente apreciados e julgados pelo plenário (plenary review). Ainda assim, apesar de baixos quando comparados aos números do STF, os números atuais da Suprema Corte refletem um aumento expressivo4 de seu volume de ações (caseload).
Por que os números das duas cortes são tão diferentes?
A diferença decorre da interpretação dada ao direito de recorrer à mais alta instância do país. Enquanto no Brasil, a competência originária (mandatory original jurisdiction) do STF é mais abrangente que a da Suprema Corte (comparar o art. 102, I da Constituição brasileira com o Article III, Section 2 da Constituição americana) e a competência recursal é obrigatória (mandatory appellate jurisdiction), – pois, quando um recurso chega ao STF ele necessariamente aguarda julgamento, – na Suprema Corte a competência recursal é discricionária (discretionary appellate jurisdiction).
Em outras palavras, entre os 8.000 pedidos de recursos que chegam à Suprema Corte, são selecionadas cerca de 100 para serem julgados com base no critério de relevância da ação para o país ou para a população em geral.
E, afinal, o que acontece com os cerca de 7 900 pedidos de recursos restantes?
Eles são negados (denial of writ) e a decisão da instância inferior (lower court) continua valendo, pois apenas excepcionalmente é concedido efeito suspensivo (grant of stay) enquanto o recurso aguarda julgamento.
Além disso, a Suprema Corte não está obrigada a fundamentar a negação de um cert petition. Normalmente, a aceitação (granting of writ) ou a rejeição (denying of writ) é comunicada em uma única frase: "The petition for writ of certiorari is granted." ou "The petition for writ of certiorari is denied."
O caput da Rule 10 das Suprema Corte Rules5 resume a natureza dos pedidos de recursos: "Review on a writ of certiorari is not a matter of right, but of judicial discretion. A petition for a writ of certiorari will be granted only for compelling reasons." Em virtude da Rule 10, como já dissemos em coluna anterior6, a Suprema Corte não toma para si a função de corrigir erros cometidos pelo judiciário estadunidense nem a de emitir decisões em relação a casos individuais com meros efeitos inter partes.
Termos relacionados
1) appeal brief – razões da apelação/recurso
2) appeal fee – taxa judiciária, custas do preparo da apelação/recurso
3) appeal period – prazo para apelação/recurso
4) appellant – parte recorrente
5) appellant's brief – razões da apelação/recurso
6) appellate authority – tribunal ad quem
7) appellee – parte recorrida
8) appellee's brief – contrarrazões
9) grounds of appeal – bases para apelação/recurso
10) notice of appeal – intimação da apelação/recurso
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1 https://www.stf.gov.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=movimentoProcessual
2 Em 2007, foram quase 160.000!
3 Se contarmos as demais ações das outras esferas de competência, o número se aproxima de 10.000 e os julgamentos de 100.
4 Em 1960, por exemplo, os números das duas Cortes eram mais aproximados. Em 1960, o STF possuía 6 000 processos protocolados e proferiu cerca de 5.700 julgamentos. No mesmo ano, à Suprema Corte foram submetidas apenas 2.313 ações.
5 https://www.law.cornell.edu/rules/supct/10.html
6 A Competência Discricionária da Suprema Corte dos Estados Unidos e o writ of certiorari (clique aqui)
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