Voltou à ordem do dia recentemente o debate sobre a adoção do Fair Play financeiro pelo futebol brasileiro, motivado dessa vez por manifestações da classe dirigente, em especial de Presidentes dos clubes e da SAF que ocupam as primeiras colocações no atual Campeonato brasileiro (Brasileirão 2024).
Sejam por questões meramente esportivas, em razão de resultados e rendimento, como também sob aspecto essencialmente financeiro, notadamente por uma contratação de grande impacto feita por um clube com reconhecida dificuldade financeira, o fato é que o tema, ao menos para os cartolas que vimos se manifestar, novamente ganha corpo e desperta a intenção para que lhe seja dado tratamento com vistas à implementação.
É verdade que o Fair Play financeiro é um instituto de fácil adesão, dificilmente alguém será contra sua adoção. Porém, simpático que é, passível de armadilhas, principalmente se a discussão não ocorrer de forma densa, criteriosa, sobretudo no interesse de todo o ecossistema e não casuisticamente no atendimento de um ou outro grupo envolvido.
A questão por óbvio é complexa e exige de início o entendimento sobre as definições e os formatos que se pretende adotar, merecendo atenção basicamente o espírito que irá nortear sua aplicação no futebol brasileiro, os conceitos práticos que serão adotados e os mecanismos de controle, observando-se para tanto a realidade atual da indústria futebolística brasileira, com suas recentes evoluções e as antigas mazelas.
Quando se fala do espírito a ser empregado para o Fair Play, quer se dizer qual será o viés a ser empreendido, isto é, tratando da maior competitividade por exemplo ou mais essencialmente da questão financeira e contratual, diga-se orçamento e o cumprimento pontual das obrigações sob pena de restrição no acesso ao mercado de transferências.
É difícil encontrar uma modelagem que contemple ambos objetivos, o Fay Play não trata propriamente de um processo para tentar igualar os competidores, o viés financeiro é o aspecto de maior relevância para definições normativas, em um cenário que demandará cautela e profundidade na análise da atual estrutura dos agentes do mercado e as suas possibilidades e obrigações, visando construir um modelo seguro, justo e sustentável.
Entre os desafios, a coexistência num mesmo ambiente de agremiações com diferentes características, já que operam no mesmo ecossistema os clubes associativos, as SAFs e também algumas organizações multiclubes, cada qual com suas especificidades: como por exemplo sujeitar uma associação civil que honra todos compromissos em dia e não tem obrigação legal de distribuir dividendos, tão só em reinvestir-se, ao teto de gastos? Como disciplinar as diferenças contábeis em transferências interclubes do mesmo grupo econômico sem ofensa aos princípios do Fair Play que vier a ser adotado? De que forma restringir movimentações no mercado para devedores, se de fato for considerado que qualquer dívida exigível e inadimplida é razão suficiente para sancionamento? Enfim, a abordagem é ampla, o economista César Grafietti, consultor e especialista sobre o tema, já propôs bons modelos para a CBF, dirigentes estatutários e executivos de futebol.
Outro importante pilar da possibilidade de sucesso da pretendida adoção do Fair Play será a definição de meios e formas de controle do seu cumprimento se implementado, ou seja, a quem caberá a fiscalização e o possível sancionamento, e também a atuação dos próprios agentes diretos (os competidores), consideradas as suas idiossincrasias e a falta de coesão e tenacidade que sempre apresentam nas poucas vezes que se cotizam pretendendo construir qualquer processo em nome e em favor do seu próprio mercado.
Obviamente, a atribuição fiscalizatória deverá caber a quem organiza, vale dizer, para o futebol brasileiro e sua realidade atual seria a CBF, e aqui já se identifica um entrave na medida em que com atuação notadamente política, dificilmente se disponibilizaria para intervir na qualidade de controladora, até um contra senso às suas fontes de receita.
No mundo ideal, uma liga organizadora das competições teria, para além do interesse, a legitimidade necessária para liderar a função, o que no caso do atual futebol brasileiro exigiria a adaptação para a realidade de duas ligas, algo também sensível posto que cada qual conta com sua fonte de receitas próprias, bastante distintas entre si.
Enfim, é claro que não é ou será fácil! A questão é sobre o tema avançar, especialmente que ele vislumbre e busque uma equação que traga equilíbrio ao ecossistema, que tenha seu fundamento no cumprimento das diversas obrigações de pagar sem que ocorram atrasos ou calotes, uma vez que a intenção deve ser a formatação de um mercado que opere financeiramente de modo sustentável e responsável, o que por si só fortalecerá o negócio trazendo-lhe credibilidade e, via de consequência, mais dinheiro e resultado econômico, tornando-o assim cada vez mais bem visto e desejado pelos investidores.
É recomendável portanto que seja mirado como objetivo o controle do endividamento, a partir do qual poderá ser solidificado o modelo, naturalmente passível de revisões e ajustes tempos após implantado. O Fair Play financeiro do futebol, nesta toada, induzirá os clubes à adoção das boas práticas, fazendo valorizar o mercado, como já mencionado.
Orçamentação, mapeamento dos riscos, integridade. Cumprimento rigoroso de todos compromissos, conformidade às normas e regulamentos. Adoção de novas políticas, incidência da agenda ESG à rotina dos clubes. É necessário o entendimento que a adoção do Fair Play financeiro poderá, entre outros benefícios, contribuir decididamente para a consolidação das boas práticas de gestão pelos competidores, algo que trará no tempo ótimos frutos para o novo mercado futebolístico brasileiro que está sendo desenhado.