O Brasil e o mundo em geral enfrentam um fenômeno de complexa dimensão: a indústria das apostas.
Não se trata de algo novo, ao contrário, mas a capilaridade, decorrente das novas tecnologias, fez surgir, ou intensificou, situações novas, que não se acomodarão (e resolverão) apenas no plano privado.
Em outras palavras, os reflexos do impulsionamento da atividade de jogo, que se movimentou livremente no território nacional até que se iniciasse, no atual Governo, um processo de regulamentação, transbordaram para setores sensíveis, como o da saúde (sobretudo mental pública) e o da economia.
Em primeiro lugar, as barreiras históricas para desenvolvimento da atividade e, em segundo, após a derrubada delas, a inovação legislativa, não regulamentada – e pior, ignorada pelos governos – propiciaram a criação de um cenário complexo e preocupante. Não apenas isso: uma relação de dependência que poderia ser ao menos antecipada e tratada.
Os números do setor, para começar, são impressionantes.
Conforme informações da EBC1, a Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda recebeu, até determinada data, 113 pedidos de autorização, formulados por 108 entidades (ou empresas), para operar e explorar apostas de quotas fixa.
O número, em si, já seria expressivo, pois representa mais de 100 empresas em atuação e concorrendo em determinado setor, não fossem as exigências para formulação do pedido que envolvem, dentre outras, o pagamento de taxa de R$ 30 milhões, que vale para um período de 5 anos.
Ou seja, exigência que gerará, especificamente, uma imediata e bilionária arrecadação e uma receita recorrente periódica, sem contar os tributos que serão arrecadados com o exercício da própria atividade.
Outro número merece atenção: o mercado local já é estimado em mais de R$ 100 bilhões em 2023, conforme dados da XP2.
Já há, aliás, segmentos que, de algum modo, dependem ou são intensamente impactados pela atuação direta das empresas de apostas, como o futebolístico. Apenas na série A do brasileirão, 15 clubes mantêm, como patrocinador principal, uma dessas empresas3.
Além disso, também há debates e desconfortos nos planos social e econômico, externados na imprensa, pela alta adesão da população a jogos, como meio de solucionamento de crises financeiras ou de esperança de enriquecimento, e de desvio de recursos do comércio e outras finalidades, justamente para o setor de apostas.
Trata-se, portanto, de um cenário que exigirá do atual Governo uma atuação enérgica, no sentido da adequada regulação, para evitar um problema sistêmico de grandes proporções – e, no pior dos cenários, uma crise inédita de confiabilidade.
Ademais, no plano empresarial, ou melhor dizendo, societário, o que se deverá ver, como já se iniciou, é um movimento, mais ou menos intenso, de aquisições e concentração empresarial, local, regional ou nacional, do mercado.
Veja-se, em tal sentido, que, conforme noticiado pelo Pipeline4, o Flutter, que seria o maior grupo de apostas do planeta, associou-se no Brasil ao NSX, assumindo o controle do negócio integrado, que ultrapassa, em valor de mercado, a casa do bilhão de dólares.
Sabe-se, ainda, que outras operações estariam em curso e que poderiam, consequentemente, gerar novas concentrações, entre empresas locais, apenas, ou entre empresas nacionais e internacionais, a exemplo do caso mencionado acima.
Um aspecto que poderia (ou deveria) ser considerado, como fator estimulante ou não, de tais negócios, consiste no risco oriundo do eventual custo regulatório futuro, a ser promovido para ajustar o mercado e evitar as distorções próprias da novidade.
Esse risco tende a ser minimizado quando um determinado negócio se opera entre agentes do mesmo mercado, que já o conhecem – ou deveriam conhecer – e o integram em seu cálculo empresarial; mas haverá de ser considerado quando um dos agentes pretende se inserir no mercado, como investidor, assumindo ou não o controle empresarial.
Enfim, o mercado de apostas reguladas ainda é incipiente, mas já movimenta cifra expressiva, em torno de 1% do PIB5, com tendência de alta; já provocou, no plano social, um abalo comportamental perigoso; e deverá estimular, no âmbito empresarial, uma série de atos de concentração, com reflexos no mercado consumidor.
Movimentos populistas e oportunistas bravejam soluções drásticas, como proibição de atividade, que seriam inócuas e inviabilizariam ações direcionadas ao tratamento do problema; mas o Governo, e as próprias entidades participantes do setor, com base em política pública inequívoca, deveriam rever e propor ações regulatórias e autorregulatórias voltadas à construção de um ambiente efetivamente respeitoso e preocupado com o consumidor e a população.
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