Meio de campo

A Lei da SAF e o ensaio contra a cegueira

Advogado Rodrigo R. Monteiro de Castro defende que, apesar do inegável sucesso da Lei da SAF, ainda persiste uma espécie de cegueira em relação ao seu alcance e resultados.

11/9/2024

A Lei da SAF (lei 14.193, de 6 de agosto de 2021), de autoria do Presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco, trouxe mais do que uma nova perspectiva ao país; ela revelou o caminho para que o futebol cumpra funções que irão além do drama esportivo – e da alegria, evidentemente.

Deixarei de lado, apenas neste texto, as outras funções, para concentrar a atenção na mais evidente (e, para muitos, não sem razão, também a principal): a passional. Pois, sim, a paixão explica (ou deveria explicar) a atração sobre quase 5 bilhões de pessoas.

Quando se projeta esse sentimento para o microambiente brasileiro da SAF, ele revela a cegueira, ainda dominante, em parte relevante da sociedade, instruída ou não. Tem sido comum, neste sentido, o debate sobre o papel da SAF e, a partir daí, o esforço, em suas distintas variações, de desqualificação do movimento de resgate e reconstrução que se opera em diversos times.

Ao final do ano passado, por exemplo, após a inexplicável recaída do Botafogo, que lhe tirou o título de campeão brasileiro, mesmo tendo ele garantido uma vaga na Libertadores da América – algo que não alcançava desde 2017 -, era comum se ouvir ou ler que a SAF fracassara. Isto, lembre-se, menos de 3 anos após o time voltar da segunda divisão e, tão ou mais relevante, de a entrada de seu investidor ter ocorrido apenas em 2022.

Agora, novamente no topo do campeonato brasileiro, além da torcida velada para que o Botafogo caia novamente – e não seja a primeira SAF campeã da história -, os tiros se projetam sobre os recursos aplicados pelo investidor para montagem do elenco.

Aliás, aí está uma característica que diferencia a SAF de um clube, ao menos da maioria deles: a possibilidade de financiamento de suas atividades, por distintos meios.

Isso sempre foi dito, desde os primórdios do debate sobre a Lei da SAF, que o novo subtipo societário ofereceria caminhos que, quando bem trilhados, colocariam as sociedades anônimas do futebol em um outro patamar.

A beleza do sistema consiste no fato de que todo e qualquer clube, em tese, pode escolher o seu destino. Inclusive mantendo-se onde está e da forma que está, em detrimento da SAF.

Mas não custa lembrar: ano passado também houve quem afirmasse que a SAF do Bahia teria fracassado. Aqui se afirmou, em contraposição, que se tratava apenas do ano de reconhecimento; logo se veria o resultado de um projeto, com financiamentos talvez ilimitados, a contribuir para reformulação dos centros de força do futebol local.

Mesmo que não ganhe o campeonato este ano – e não ganhará – ou no próximo, o Bahia dificilmente deixará de ser um time de elite e se afastará da luta pela ponta.

Outra incompreensão envolve o Cruzeiro. A saída do Ronaldo precipitou mais uma leva de críticas, como se simbolizasse a vitória do capitalista sobre a paixão torcedora. Nada mais incorreto.

Em uma empresa em crise, e isso vale para um time em crise quase terminal, os estágios de recuperação costumam atrair pessoas ou investidores com diferentes tipos de perfil e apetite a risco.

Ronaldo fez o trabalho mais complexo, ao entrar em uma estrutura corroída e iniciar o processo de revitalização. Seu sucesso reconduziu o time a um patamar ainda baixo para a história do Cruzeiro, mas elevadíssimo para o que era no momento de sua entrada.

E, aí, para o próximo passo, precisaria de mais dinheiro. E preferiu passar o bastão para um bilionário, com fluxo para sustentar as demandas de ressignificação e reposicionamento.

Ganham todos no processo, inclusive o próprio Ronaldo, única pessoa que aceitou correr o risco que, até então, ninguém cogitara – e, sem ele, o time talvez ainda estivesse na segunda divisão. Ou na terceira.  

Mesmo o Vasco, que vem sendo apresentado como caso de insucesso, não apenas subiu para primeira divisão como, no meio de uma batalha jurídica pelo controle da SAF, ainda se mantém na parte de cima da tabela.

E ainda haveria outros casos para falar, como o Galo, que fez a sua SAF e, com a nova arena e uma possível abertura de capital no futuro (apenas intuição), deverá se afirmar como uma das grandes potências do continente.

Além de outros que vêm sendo efetivamente preparados para grandes passos, como Athletico Paranaense e Fortaleza, e os que são especulados na imprensa, como o Fluminense.

Tantos e bons exemplos, em apenas 3 anos de vigência da Lei da SAF, que ainda está em processo de amadurecimento – e será cada vez mais útil, no tempo, para os times que a adotaram -, deveriam abrir os olhos dos críticos e dos torcedores que ainda acham que são donos de seus times, pelo fato de serem comandados por clubes associativos que ostentam alguns poucos milhares de associados patrimoniais e um presidente eleito pelos mesmos associados, e não pelos próprios torcedores.

E deveriam abrir os olhos de tais associados e de seus presidentes, pois, se não o fizerem, poderão perder o bonde da história.

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.