Meio de campo

Um projeto grandioso para a CBF: o interesse do país - Parte XVI

O interesse do país em relação à proposta de reorganização e abertura de capital da CBF.

17/7/2024

Nenhum governo, de esquerda à direita, passando pelo centro, tratou o futebol como um tema realmente transformador, nos planos social e econômico. Tampouco sob a perspectiva da evolução esportiva, que, em conjunto com os aspectos anteriores, resultariam na construção de necessário programa afirmativo de softpower nacional.

A indiferença governamental (ou as indiferenças governamentais), identificada na ausência de políticas de Estado centradas no ou voltadas ao tema (assim como existe em países desenvolvidos), justifica, não exclusivamente, a crise dos clubes de futebol e da seleção brasileira de futebol.

Em outras palavras, a indiferença, que marcou todos os governos em todos os tempos (exceto como forma de afirmação de regimes ditatoriais ou populistas), autoriza e incentiva, sob o manto da autonomia organizativa de natureza constitucional, a apropriação do futebol pelo cartolariado.

E, daí, a ocorrência de crises inaceitáveis, pois não decorrentes de diminuição de demanda ou do surgimento de novos concorrentes (porque o torcedor será sempre um consumidor potencial e não suscetível à propaganda alheia).

Não se pretende, muito ao contrário, que o Estado interfira na organização futebolística.

Mas, por outro lado, também não se compreende – e nem mesmo parece aceitável – que, dada a relação sui generis da população (e do torcedor) com times e seleção, se aceite, como parte da cultura, a histórica apropriação patrimonialista de algo, tangível e intangível, que não pertence ao apropriador.

Essa proposição se amplifica no plano da seleção brasileira, que integra, de fato e de direito, o patrimônio de uma associação sem fins econômicos, a CBF, cujo poder interno deriva da orquestração de interesses de 27 federações estaduais (apesar de clubes de séries A e B também disporem de votos, seus interesses, mesmo unificados, não bastam para se sobrepor à vontade federativa).

Ao cabo, a dominação se concentra, conforme a pragmática revela, em uma pessoa (ou em mais algumas que gravitam ao seu redor), e essa única pessoa (seja ela quem for) define, sem qualquer participação ou preocupação com a sociedade, os caminhos e os destinos da paixão popular (aliás, como se a associação representasse a própria vontade popular), sem conseguir criar empatia ou simpatia.

Lembre-se, ademais: no âmbito da atuação confederativa, ou como fundamento de sua existência, a CBF: utiliza o nome e a as cores do país; seu principal produto, a seleção, se apresenta em representação do país e do povo; e ela ainda adota o hino nacional, como seu. Tudo para que o próprio povo – sem falar em potenciais torcedores internacionais – se vincule a ela e ao seu produto.

Talvez se diga que essa apropriação integra a lógica esportiva mundial, e não envolve, pois, uma situação excepcional, da qual a estrutura brasileira, e somente ela, se beneficiasse. Talvez. 

Mas isso não significa que, diante de uma nova perspectiva organizacional, o modelo não possa evoluir, para melhor, e em benefício coletivo (aí incluídos os grupos de interesses listados nos textos anteriores, como a própria CBF, federações, clubes, sociedades anônimas do futebol, mercado e o país).

E, tão ou mais importante: para interromper e reverter o desnecessário processo de corrosão da relação torcida/seleção e impedir que um bem (ou ativo), que deveria contribuir para o desenvolvimento coletivo, se acomode como símbolo de incompetência e obsoletismo.

A evolução, como se demonstra na presente série, se apresenta sob a forma de abertura de capital da CBF, movimento que beneficiará o país, em vários sentidos.

A começar pelo ingresso de recursos na CBF S.A., em federações e clubes (e sociedades anônimas do futebol), que os aplicarão em suas atividades e, assim, gerarão negócios, empregos e renda.

Ainda, como resultado do surgimento de uma companhia listada em bolsa, sujeita a sofisticados padrões de governação e divulgação de informações, novos negócios ou produtos se desenvolverão, inclusive no âmbito do mercado de capitais, fazendo a roda econômica e social girar com maior intensidade.

Essa estrutura, reforçadora (e investidora) das qualidades esportivas, funcionará como embaixadora do país (no exterior), oferecendo e vendendo os atributos e os sonhos locais.

Há mais, ainda: em função da passagem ao modelo empresarial, que, como em outras empresas, fará incidir a norma tributária sobre negócios da CBF S.A., será inaugurada a sua participação e contribuição para aumento da arrecadação pública – com a possibilidade de destinação de recursos para fomento dos setores educacionais e esportivos – como já se sujeitam, no Brasil, as sociedades anônimas do futebol (SAF's), que, desde o advento da Lei da SAF, recolhem tributos com base em suas receitas mensais.  

E não é só: também viabilizará o debate e a instituição de royalties, pela utilização dos símbolos nacionais, e a aplicação da arrecadação igualmente em projetos educacionais e esportivos.

Enfim, por qualquer ângulo que se olhe o projeto de abertura de capital, inclusive e em especial o do Estado – e sem que isso pressuponha ou justifique intervenção estatal –, os benefícios, de todas as naturezas (sobretudo sociais, econômicos e esportivos), se evidenciam e deveriam, portanto, ao menos atrair a curiosidade dos governantes (sobretudo os atuais) e unir o país (federações, clubes, sociedades anônimas do futebol, torcedores, imprensa, investidores, financiadores e governo) em torno de um programa ou de uma agenda comum.

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.