Meio de campo

Um projeto grandioso para a CBF: O interesse da sociedade - Parte XV

O projeto de reorganização da CBF visa ressignificar o futebol, destacando o interesse social. A paixão dos torcedores, uma barreira que protege clubes de críticas, reflete uma estrutura monopolística global.

10/7/2024

O projeto de reorganização e ressignificação da CBF, que vem tomando conta desta coluna, envolve mais um aspecto fundamental, raramente lembrado (ou tratado) de modo efetivo e fora do plano da demagogia no futebol: O interesse social. 

Preocupações com a sociedade alimentam narrativas em outros campos, como o político, e justificam a existência de correntes ou de pessoas que simbolizam esperança, inserção e desenvolvimento (e, também, continuidade de movimentos acertados, sobretudo inclusivos). 

Talvez toda atividade humana, exercida profissionalmente, carregue, ao menos implicitamente ou ainda de maneira não latente, aquela característica (auto) questionadora, necessária para o seu próprio desenvolvimento; com algumas exceções. 

A excepcionalidade, residente no futebol, decorre, de um lado, de sua estrutura monopolística paraestatal (de amplitude global), e, de outro, da relação de transcendência estabelecida entre o torcedor e seu time ou sua seleção. 

Sim, pois, no plano da torcida, as diferenças de qualquer natureza se dissipam (ao menos ou apenas durante o ato de torcer) e, enquanto se torce, opera-se uma espécie de bloqueio físico e metafísico, de modo que, naquele momento, nada, além do evento futebolístico, importa (aí incluídas as mais intensas atividades e relações humanas, como familiares, de amizade e políticas). 

Tal característica viabilizou a apropriação da relação clubística (e, consequentemente, do patrimônio clubístico) por pequenos e nada representativos grupos de interesse, que agem, na maioria das vezes, conforme interesses próprios e dos próprios grupos de sustentação, a partir da manipulação do time e respectivos torcedores. 

Em outras palavras: A paixão foi sequestrada e utilizada como um (quase) intransponível muro que impede questionamentos sobre a dominação e os propósitos do clube e do futebol.

Daí, no caso brasileiro, a profunda crise esportiva, evidenciada na pequena relevância que os times locais passaram a ter no plano mundial. 

O mesmo cenário, e com maior intensidade, se reproduz na entidade de administração do futebol, a CBF, que consiste, sob o prisma de mercado, num monopólio, não natural, derivado de autorregulação, transnacional e paraestatal.

A confortável posição monopolística, manejada, historicamente, por sobreviventes (e manipuladores) do processo político associativo, contribuiu para a construção de uma relação insensível com o torcedor, motivo único, aliás, da existência do monopólio. 

O caminho de salvação do rendimento esportivo passa, assim e necessariamente, pela reaproximação do povo; não sob a forma de narrativas fantasiosas e marqueteiras, dentro de um modelo esgotado, mas pela construção jurídica de via participativa, que seja, ao mesmo tempo, viável economicamente. 

É aí que o projeto de reorganização e ressignificação da CBF pode atender, além das legítimas demandas de federações, clubes, sociedades anônimas do futebol, investidores, financiadores e estado, também do torcedor (logo, da sociedade em geral). 

Pois, conforme modelo proposto, a abertura de capital pressuporá a oferta de parte das ações ao torcedor, que poderá, ao se tornar proprietário de ações, participar (por via do voto em assembleia geral, se assim desejar), pela primeira vez na história, das deliberações da entidade proprietária da seleção brasileira, a CBF S.A., e, dela, sentir-se dono – sem contar os recursos que serão vertidos aos clubes e sociedades anônimas do futebol, paixões primárias dos torcedores em geral. 

E não é só. 

A planificação do esporte no país e o planejamento do emprego de recursos que jorrarão na companhia proprietária de um dos maiores “ativos” do planeta, a seleção brasileira, viabilizarão o resgate de uma outrora justificada paixão, que deveria contribuir para a formação:

  1. De pujante indústria futebolística;
  2. Da identidade nacional; e
  3. Do mais importante softpower do país – que interessam à sociedade. 

Isso tudo, por fim, ainda contribuirá para geração e distribuição de riquezas, aumento de arrecadação, destinação de recursos para projetos esportivos e educacionais e criação de empregos; e, muito importante: Sem aumento de despesas públicas ou de tributos. 

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.