No último “par de anos”, o futebol brasileiro se beneficiou da profusão de inovações legislativas que tem contribuído com sua ressignificação, como a Lei da SAF, a alteração do modelo das transmissões, e mais recentemente a lei de regulamentação das apostas esportivas, essa última com grande incidência sobre os clubes de futebol através dos contratos de patrocínio.
A indústria vai assim se aperfeiçoando com o fortalecimento dos clubes e a aplicação de novas formas de gestão profissional, saltando aos olhos do mercado a impressão de uma dinâmica exitosa quanto à estruturação interna e desenvolvimento, situação para alguns clubes comprovada mas que para tantos outros é uma realidade ainda muito distante.
Passa muitas vezes despercebido o fato de que o propalado profissionalismo do futebol brasileiro na quase totalidade dos casos se restringe à excelência dos departamentos de futebol dos clubes, especificamente as suas áreas técnicas, de saúde, de logística, de comunicações, entre outras correlatas, além da adoção de sistemas mais avançados para o controle dos seus departamentos de contas a pagar e receber.
Mas e a jornada da governança propriamente dita, a quantas anda? A resposta é: ainda incipiente, é verdade, em boa parte dos clubes, mormente os associativos... Mesmo diante de toda essa recente evolução da indústria futebolística, a maior parte dos clubes ainda enfrenta grandes desafios para implementar uma governança eficaz.
Na forma de associações civis ou sociedades anônimas, cada vez mais os clubes buscam se conduzir empresarialmente, seja por vontade ou só pelo dever legal: objetivamente, em se tratando de organizações esportivas com faturamento de dezenas ou centenas de milhões, é certo que suas chances de sucesso cada vez mais dependerão do modo como gerenciam os seus riscos e governam suas operações, algo que no panorama geral dos clubes aparenta ainda uma baixa maturidade.
O enfrentamento desse cenário, em face da irreversível transformação da cadeia do “negócio futebol”, é imperioso, e não existe projeto eficaz para o desenho e implantação de uma governança robusta sem que haja o comprometimento irrestrito da alta cúpula, circunstância que evidencia em grande parte a dificuldade para que possa ser trilhado pelas associações e também pelas SAF, quanto às últimas, além do quanto as regras da legislação de regência já lhes impõe diretamente.
Essa dificuldade enorme da alta administração clubística em assimilar os conceitos e reconhecer a necessidade de uma boa, efetiva e organizada governação, muito além tão somente de questões sociais, culturais e políticas dos próprios clubes, é caracterizada pelo velho reducionismo de costume e a forma como se desenvolve o futebol brasileiro em geral, invariavelmente calcado no improviso e na crença quanto à acomodação natural das coisas, somado à avidez pelos ganhos financeiros e esportivos que apenas acentuam as individualidades, relegando assim quaisquer planejadores apenas à teoria!
Há muito o que fazer, seja no âmbito interno de cada agente (associação ou SAF), como também dentro do ecossistema e de suas relações; claro que se tem notícia de alguns atores dentro do segmento, em maior ou menor intensidade, já trilhando a jornada da governança, para a qual é exigida bastante tenacidade, a qual demanda o envolvimento de toda organização e o comprometimento efetivo da sua direção, além de estratégia e disponibilização de tempo, não só para o desenho de seu arcabouço mas especialmente para sua correta implantação, a ser continuadamente revista e aperfeiçoada a fim de alcançar os diversos estágios de maturação e efetividade.
Os clubes e as disputas, que juntos compõem a razão existencial do mercado, conduzem suas atividades em franca exposição a riscos diversos de natureza esportiva, financeira, reputacional, entre outros. Torna-se premente assim que sejam mapeados, debatidos e classificados, com a adoção de estratégias para sua mitigação; para as entidades que contam e/ou se valem de provedores ou “mecenatos”, a assunção de políticas claras de transação com partes relacionadas visando minimizar os conflitos de interesses. De igual importância para uma jornada exitosa, a instituição e monitoramento de canais de denúncia, para muito além de tímidas e ineficazes ouvidorias ou balcões de reclamação.
Por outro lado, a aderência às legislações próprias e o contínuo aprimoramento da instituição em face das normas, regulamentos e resoluções, requer o monitoramento dos controles internos e o cumprimento de boas práticas para elevação permanente do grau de conformidade e satisfatória governança com os órgãos e profissionais inerentes.
Enfim, a busca pelo alinhamento às novas realidades e o enfrentamento dos constantes desafios do mercado, notadamente a evolução das tecnologias aplicadas e as constantes mudanças no ambiente futebolístico, nos revela a importância da implantação de um modelo de governança, riscos e compliance a um só tempo vigoroso e dinâmico, o que certamente trará mais valia e uma melhor percepção para os parceiros, criando também mecanismos mais eficazes para o gerenciamento de crises.
Cumpre finalmente deixar anotado dentro do atual radar da governança nos clubes, os coletivos de apoio que aos poucos se formam e consolidam, como por exemplo a Frente para Modernização do Futebol Brasileiro capitaneada pelo ex-Presidente do Flamengo e atual Deputado Federal Eduardo Bandeira de Melo, onde em conjunto com outros temas relevantes a questão da governança é um dos pilares, além especialmente do Movimento pela Integridade no Futebol, materializado a partir da reunião há cerca de um ano e meio de alguns clubes (associações e sociedades anônimas) brasileiros para a divulgação das boas práticas, em processo de incremento do número de participantes e perenização institucional, entes embrionários e inspiradores nessa (inicial) jornada da governança nos clubes de futebol.