Mantenho a pequena pausa na longa série que vem tratando, nas últimas semanas, do projeto de reestruturação e ressignificação da CBF, para abordar certas situações que ocorrem no ambiente criado pela Lei da SAF.
Desde o advento da Lei da SAF, mais de 60 projetos de SAF se estruturaram, em todas as regiões do país. Muitos, talvez a maioria, bem-sucedidos. Galo, Cruzeiro, Bahia e Botafogo são alguns exemplos.
Sim, Botafogo.
Não me cabe, aqui, falar sobre o controlador da SAF Botafogo, John Textor, e suas técnicas de tentativa de persuasão coletiva. Interessa-me, ao menos neste momento, a SAF da qual é controlador. Parece-me, então, que seja mesmo, sim (com o perdão da redundância), um sucesso.
Há pouquíssimo tempo, o Clube Botafogo, antes da constituição da SAF Botafogo, brigava, ano após ano, para manter-se na primeira divisão e, com frequência, não atingia seu objetivo (caiu 3 vezes para 2ª divisão).
Desde a entrada do empreendedor, a situação mudou. Para melhor. Ano passado, terminou em sexto lugar no campeonato brasileiro, posição que não foi comemorada – mas devia –, com acesso à copa libertadores, por conta da expectativa que se criou com a magnífica campanha durante grande parte da competição.
Neste momento, aliás, a SAF Botafogo ocupa a 4ª colocação na atual edição do campeonato brasileiro, em melhor posição do que os demais clubes cariocas, exceto o poderoso Flamengo, que, na 3ª posição, contabiliza 1 ponto a mais.
Além de Botafogo, mas por motivos diversos, a SAF Vasco, atualmente na 13ª posição do campeonato brasileiro – ou seja, a uma posição da vaga para copa sul-americana –, vem sendo exposta e tratada como um caso de insucesso. O resultado esportivo, por enquanto, não se pode negar, está aquém daquele esperado por torcedores, imprensa e, pode-se apostar, pela própria acionista controladora.
Por conta do aparente (ou ainda prematuro) insucesso – lembre-se que, antes da constituição da SAF Vasco, o time frequentava a 2ª divisão (foram 4 rebaixamentos), não pagava jogadores e direitos em dia, perdera credibilidade para atrair talentos e realizar negócios, tinha dificuldade para liquidar obrigações cotidianas, dentre outras mazelas –, parece que ganha força um movimento para reafirmar e “canonizar” o clubismo, como se ele próprio, o clubismo, não fora, em passado recente e remoto, o responsável pela deterioração da história e da grandeza de seu futebol.
Portanto, nada melhor do que a cautela e, em especial, a atenção, coletiva, em relação à reação do clubismo, dissimulado sob a imagem messiânica de mais um ex-jogador.
Merece atenção, em tal sentido, o texto do jornalista Rodrigo Capelo, publicado na edição de 13 de maio, do jornal O Globo.
Após expressar sua preocupação com a situação econômica e patrimonial da mencionada entidade, com um exemplo envolvendo a formação de uma frota de veículos de propriedade de jornalistas famosos, Rodrigo Capelo faz um alerta: se a 777 vacilar, será devorada por um agrupamento de “aliados [do clubismo] entre advogados e juristas”, que, com apoio de torcida e comunicadores, estaria pronto para dar o bote.
Ele parece antecipar, implicitamente, no último parágrafo do texto, outra preocupação, com as gravíssimas consequências para o futebol e para o país, de eventual movimento político desestabilizador de negócio jurídico realizado em conformidade com as regras vigentes.
Em outras palavras, a preocupação com a quebra de confiança institucional.
É isso, pois, que, aparentemente, está em jogo, e que se revela, em minha opinião, no texto do jornalista Rodrigo Capelo: a confiabilidade sistêmica.
Sobre o sistema, vale lembrar – e a lembrança se estende e se aplica a qualquer situação de SAF –, que a Lei da SAF integra o microssistema das companhias, que se sujeitam à Lei 6.404/76. Ambas configuram, em conjunto, as normas primárias de regência da SAF.
A Lei 6.404/76, que logo completará 50 anos, vem sendo testada e adaptada, em função de avanços tecnológicos, e representa um dos pilares de sustentação do ambiente empresarial brasileiro.
Nela se encontram os instrumentos de contenção de atos abusivos, do acionista controlador ou da minoria acionária (pois sim, a minoritária também pode praticar atos configuradores de abuso), e nela também se indicam atos que, mesmo que aprováveis pela maioria, não podem ser praticados sem um prévio escrutínio assemblear.
Ademais, em negócios societários como os que envolvem a SAF Vasco, a SAF Botafogo, a SAF Cruzeiro e muitos outros, as partes costumam contratar uma série de direitos e obrigações que, se eventualmente inobservados, por uma ou outra parte, ensejarão sanções, previstas no próprio instrumento contratual (ou na legislação civil, conforme a situação).
Aí se forma, em princípio, o contorno dentro do qual desinteligências, resultantes de operação de SAF, devem ser resolvidas, pelas autoridades competentes, conforme, igualmente, as partes tenham estabelecido.
Portanto, a perspectiva de afirmação de um pujante e possível maior mercado futebolístico do planeta está associada à percepção de que negócios jurídicos não serão abalados por motivações que não tenham amparo legal ou contratual.