O tema central da série não é novo. Ele foi apresentado no livro Futebol, Mercado e Estado (Quartier Latin), publicado no início de 2016. O livro continha, porém, um objetivo antecedente: a criação do mercado do futebol a partir da SAF.
Retomou-se, posteriormente, a ideia de mutualizar e desmutualizar a CBF em algumas oportunidades, inclusive (e especialmente) nesta coluna, com o intuito, apenas, de manter a chama acesa, enquanto o debate acerca do PL da SAF se intensificava e, em alguns momentos, pegava fogo.
O projeto foi convertido em lei e, desde então, vem promovendo uma benfazeja transformação no ambiente do futebol no Brasil. A SAF e a lei da SAF merecem e terão acompanhamento permanente, para promoção da defesa e do desenvolvimento do instituto.
Passados quase três anos da promulgação da lei da SAF, já há espaço para a propositura de outros movimentos, complementares, que viabilizarão a inserção social das gentes, o desenvolvimento social e econômico da Nação e, claro, a eficiência esportiva, nos planos nacional e internacional.
Dentre tais movimentos, destaca-se, pela grandiosidade, a reorganização (e consequente ressignificação) da CBF.
A tese teve como fundamentos a mutualização e a desmutualização. Foi com base neles que se introduziu o debate pioneiramente no mencionado livro Futebol, Mercado e Estado, em 2016, e que ela reapareceu, semanas atrás, com a primeira parte da presente série.
Mas, no decorrer da construção da série, uma nova perspectiva se abriu. Pela obviedade e simplicidade teórica, passou a ser tratada, aqui, como o “Ovo de Colombo”.
Em suma, ela abre dois caminhos para que a CBF se transforme em companhia, sem a necessidade de prévia mutualização e posterior desmutualização.
Um dos caminhos, que se desdobra em dois movimentos, foi apresentado no texto anterior. De maneira sucinta, no primeiro movimento, a CBF Associação constitui uma sociedade anônima (CBF S.A.), da qual será proprietária da totalidade das ações:
No movimento seguinte, a própria CBF Associação delibera o aumento de capital da CBF S.A. e faculta a subscrição das novas ações, por preço simbólico, pelas federações e pelos clubes:
O segundo caminho, que agora se apresenta neste espaço de maneira inédita, consiste na transformação da atual CBF Associação em sociedade anônima (a CBF S.A.) e, no mesmo ato, na subscrição de ações, por preço também simbólico, pelos clubes e federações, de modo que, ao cabo, o organograma será o seguinte:
Esse caminho afasta a necessidade de constituição de uma sociedade anônima pela CBF Associação, como ocorre no primeiro, e, pelas características da transformação da própria CBF Associação em companhia (CBF S.A.), elimina, da estrutura final, a figura de uma entidade associativa da composição acionária.
A permissibilidade, contida na lei das sociedades por ações, especialmente em companhias fechadas, de fixação do preço de emissão de ações com ágio ou deságio (e, assim, oferecendo o suporte para fixação do preço simbólico a ser pago no âmbito do aumento de capital da CBF S.A.), revelou-se, ao longo da série, uma técnica simplificadora do projeto de reorganização e uma alternativa à proposta original de mutualizar e desmutualizar a própria CBF ou uma associação por ela criada.
Assim, chega-se ao seguinte desfecho, por ora: inexiste, do ponto de vista legislativo, obstáculo à implementação de reorganização da CBF, exceto a vontade política, ou a falta dela, de promover um amplo debate a respeito das vantagens e desvantagens da mudança do modelo associativo ao societário.
A desinformação, possivelmente, talvez venha a ser a principal ferramenta de eventual reacionarismo, pois, considerando que (i) a própria CBF Associação pode permanecer acionista da CBF S.A., exercendo direitos políticos análogos aos que, por exemplo, o Estado exerce em uma companhia privatizada, inclusive mediante a titularidade de “golden share”, (ii) as federações deterão ações da CBF S.A., que poderão ser vendidas parcial ou totalmente, e os recursos obtidos, seguramente milionários, destinados ao desenvolvimento regional do futebol, e (iii) os times de futebol, constituídos sob a forma associativa ou de sociedade anônima do futebol, também serão agraciados com ações, vendáveis no mercado; não há motivação plausível para o evitamento do debate e, ousa-se afirmar, a implementação do modelo, que repercutiria, nacional e internacionalmente, em função da distribuição, sem precedentes, de riquezas entre os integrantes do sistema.