Como se vem apresentando nesta série de textos um projeto de (e para a) CBF, não se poderia deixar de avaliar suas próprias funções históricas (e atuais) e, conforme as premissas que venham a ser estabelecidas, propor novos caminhos.
De modo resumido, a CBF se dedica, no plano do futebol profissional, (i) à gestão da seleção brasileira e (ii) à organização de campeonatos e copas. Dentre ambas as atividades, a principal, mais rentável e glamourosa, é a primeira. Dela se extrai parcela majoritária da receita, do lucro e do poder de influência local e internacional.
A segunda, do ponto de vista pragmático, tornou-se, há tempos, um fardo; um fardo porque envolve a gestão de clubes de diversas regiões e divisões, com preocupações e necessidades distintas, em sua maioria sujeitos a crises permanentes, demandadores de recursos e favores. Pior: que deixaram de fornecer, de modo direto, os jogadores, que são as matérias essenciais ao desenvolvimento do principal produto da CBF: a seleção. Afinal, os selecionados costumam vir do exterior, onde terminam a sua formação e abrocham para o profissionalismo.
Aliás, a incapacidade de gerir as necessidades locais do futebol – algo que, é sempre bom lembrar, não tem a ver com o atual Presidente, Ednaldo Rodrigues, mas com o arcaísmo secular, do qual ele e qualquer outro será refém – se reflete na performance dos times brasileiros, que deixaram de ter força econômica, tecnologia e tática para competir no plano global.
O resultado, apesar do apego do torcedor, que lota estádios para acompanhar jogos independentemente da qualidade e da posição de seu time, não raro em ambientes pouco confortáveis (algo que não se confunde com a problemática elitização do espetáculo), consiste, de um lado, na crise sistêmica, evidenciada pela dívida coletiva da ordem dos bilhões, e, de outro, na oligopolização, produtora de três ou quatros agentes hegemônicos.
Ou seja, o futebol no Brasil virou as costas às suas características continentais, que produziram forças locais e regionais e alta competitividade esportiva, e adotou um processo autofágico, indutor de uma outra espécie de competição, de natureza existencial, que estimula condutas individualistas e patrimonialistas, em detrimento de todos os demais pares.
Parece evidente, assim, que já não faz mais sentido, no atual estágio do esporte, que se globalizou e se inseriu na indústria do entretenimento, que uma entidade associativa, sem fins econômicos, submetida a um processo político exacerbado, continue a gerir e definir o futuro dos times de futebol, os quais, na prática, são empresas futebolísticas.
Os times, em especial sob essa perspectiva mercantilista, podem (ou devem) se auto-organizar e, mediante a criação de estruturas próprias, específicas e profissionais, promover um profundo processo de reestruturação e reposicionamento de seus produtos.
Tal movimento ainda traria um efeito positivo à CBF, que se dedicaria, de modo prioritário, também sob novo estatuto jurídico (resultante do processo de mutualização, desmutualização e abertura de capital), à motivação contemporânea de sua existência, que consiste, como indicado acima, na gestão, com primor, da seleção brasileira.
Trocando em miúdos, a CBF “perde valor” com a administração, por exemplo, do campeonato brasileiro e, ao mesmo tempo, os clubes e sociedades anônimas do futebol não conseguem gerar valor, ao menos o verdadeiro valor que têm, e remanescem enjaulados num modelo que, conforme informações veiculadas pela imprensa, não vale praticamente nada no exterior (neste sentido, os direitos de transmissão internacional da série A, em 2023, teriam sido negociados por ridículos US$ 8 milhões).
O caminho pressupõe, então, o desmembramento da CBF e a retenção e alocação de especialidades.
Consequentemente, a CBF focaria e desenvolveria a seleção brasileira, que deveria ser um dos principais exemplos de softpower do país; enquanto os times, de outro lado, impulsionariam ligas fortes e pujantes, em especial a que chamarei aqui de Liga Brasileira, fruto da reunião e união dos times de primeira e segunda divisões.
A Liga Brasileira também deveria se transformar num produto de exportação, influência e posicionamento do Brasil; e não há exagero nessa proposição. A Premier League serve como exemplo. Ela se tornou uma espécie de Hollywood inglesa, que se insere nos lares de cidadãos de aproximadamente 90 países e expressa – melhor do que a Família Real, envolta em crises mundanas –, a cultura e a ambição do país.
De modo suscinto, o gráfico abaixo ilustra como ficaria o modelo acima proposto:
Nota-se, no modelo, a relação de cooperação entre CBF e Liga Brasileira, para fortalecimento do sistema como um todo, que geraria, ao final, impactos esportivos, sociais e econômicos, de modo generalizado.
Para tanto, as estruturas de controle e societária da CBF, seu papel de guardiã da tradição e da cultura, assim como a função atribuída pela FIFA a uma entidade de administração do esporte, devem ser ressignificadas e compreendidas. E sobre isso se tratará no próximo texto.