Meio de campo

Um projeto grandioso para CBF - Parte I

Futebol é coisa séria. Uma atividade global. Aliás, a maior atividade de entretenimento do planeta.

21/2/2024

Futebol é coisa séria. Uma atividade global. Aliás, a maior atividade de entretenimento do planeta. Em países como o Brasil, a única (ou uma das únicas) com potencial de induzir a refundação das bases da sociedade e de viabilizar a ascensão e a inserção das camadas populacionais menos favorecidas.

Paradoxalmente, governos não ligam para o futebol. Ou melhor, se preocupam apenas com movimentações populistas, em favor de governantes que se aproveitam do esporte para projetos políticos ou pessoais, ou de cartolas alinhados a interesses eleitorais.

Daí o surgimento da nociva proposição, repetida por gerações, de que o futebol é a coisa mais importante das menos importantes. Proposição essa que serve apenas como espécie de opioide, turvador da percepção coletiva a respeito da grandeza, da utilidade e da relevância do futebol.

A turvação se expande para temas que envolvem a CBF e atinge níveis de cegueira sempre que a ideologia e o oportunismo se manifestam. É o que vem ocorrendo, com recorrente frequência, desde a emersão da crise política que se evidenciou com o afastamento e o retorno do atual Presidente, Ednaldo Rodrigues, e, simultaneamente, com os péssimos resultados em campo das seleções principais e de base.

Ali, o problema não é de conjuntura ou tem nome e sobrenome. A origem é estrutural. Para curá-la não adianta a prescrição de remédios paliativos, redutores de efeitos. A solução envolve, pois, a compreensão das causas e a reformulação dos propósitos existenciais da entidade e de seu papel na sociedade brasileira. São esses os enigmas que governos e entes privados não quiseram, por diversos motivos, desvendar.

A CBF é uma associação civil, sem fins econômicos – isto é, seus excedentes não podem ser distribuídos na forma de dividendos aos seus associados –, que organiza, de modo resumido, a seleção brasileira e as disputas nacionais entre times.

Seu colégio eleitoral atual abrange as federações estaduais, com votos múltiplos, e os clubes de primeira e de segunda divisões, com votos múltiplos reduzidos e singulares. Os votos de cada federação são inabaláveis e têm peso 3, enquanto os dos clubes se atrelam aos resultados esportivos: voto de clube da primeira divisão tem peso 2 e, de segunda divisão, peso 1.

Compõem o quadro associativo da CBF 27 federações, que somam 81 votos. Paralelamente, os 40 times, de ambas as divisões, computam 60 votos. Nessa construção estatutária, a Federação Tocantinense (ou de qualquer outro Estado) pesa, vale ou manda mais do que o time do Flamengo (ou qualquer outro clube ou SAF da primeira divisão).

Por se tratar de entidade privada, ela escapa ao controle de órgãos estatais ou privados externos. Todo o controle de fato se opera no âmbito estatutário, e se realiza por órgãos internos, controlados ou embrenhados na estrutura de poder e de interesses federativos e confederativos.

O poder emana, formalmente, e se estabiliza no âmbito das federações – mesmo que, do ponto de vista material, possa ser manipulado por um ou outro agente integrante de órgão diretivo, ou não (um presidente, um ex-presidente ou um consultor, por exemplo). 

Essa estrutura provou seu esgotamento. E os resultados, em qualquer plano (político, esportivo etc.), atestam a afirmação.

As seleções brasileiras deixaram de impor reverência aos seus adversários e colecionam, há mais de uma década, vexames; e os principais times locais, apesar da paixão de seus torcedores, não rivalizam com os pares europeus (que deixaram de ser pares e assumiram posições superiores).

Sob outro prisma, a CBF chama mais atenção por conta de mazelas internas, envolvendo corrupção, conflitos de interesse, golpes e contragolpes, do que pelo papel desenvolvimentista do esporte, que deveria desempenhar.

O modelo associativo, com raízes federativas, não será capaz de recobrar a confiabilidade local e internacional, e recolocar o futebol no trilho do desenvolvimento e do protagonismo.

Há, porém, caminhos grandiosos (para evitar a outra adjetivação que se preferiria utilizar, qual seja, “épicos”), que não apenas viabilizariam o redirecionamento histórico como, tão ou mais importante, contribuiriam para formação do maior ambiente (ou mercado) futebolístico do planeta.

Curioso, novamente, que essa perspectiva não atraia o interesse do Estado. Não – e jamais – no papel de interventor, mas de regulador e fomentador de políticas públicas indutoras e viabilizadoras da transformação estrutural.

Sem a sua contribuição (e atuação), o modelo patrimonialista continuará a se sobrepor aos interesses coletivos e da Nação, em favor, como sempre se operou, de um pequeno grupo de privilegiados.

A Lei da SAF, de autoria do Presidente do Congresso Nacional e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD/MG) – a quem se deve atribuir os méritos da iniciativa transformadora, apesar das resistências que ainda hoje se articulam – anunciou um possível novo período de prosperidade no âmbito clubístico e, implicitamente, começou a pavimentar o caminho para um (monumental) projeto de CBF, que envolve sua mutualização e consequente desmutualização. 

Algo que, se (e quando) realizado, não apenas gerará, quase como num toque de mágica, riquezas aos clubes e, para a própria CBF, uma estrutura de capital, de governança e de controle que a colocarão (pode-se apostar), de modo positivo e exemplar, no centro da atenção planetária.

Sobre as belezas da mutualização e as consequências da desmutualização, e de como o público e o privado podem se unir para promover um magnífico projeto de interesse nacional, a próxima edição desta coluna tratará a respeito.

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.