Meio de campo

Qual é a melhor SAF?

Na coluna de hoje, o advogado Rodrigo R. Monteiro de Castro discorre e indaga sobre a (eventual) melhor SAF do Brasil.

14/2/2024

Parte-se, na formulação deste texto, das premissas adotadas no artigo publicado semana passada nesta coluna a respeito do suposto melhor modelo de constituição de SAF. As premissas, se fossem verdadeiras, poderiam levar, num exercício de raciocínio lógico, ao ranqueamento das melhores sociedades anônimas do futebol.

Surgiriam, assim como logo surgirão, ranques, positivos ou negativos, a apontar as melhores e as piores, sem levar em conta as raízes dos resultados esportivos, e que tendenciariam (como também tendenciarão) a construir artificialidades – algo que não impede o reconhecimento de projetos bem-sucedidos e, no limite, premiá-los.

Em outras palavras, eventuais comparações entre, apenas como exemplos e sem promover qualquer juízo de valor, Galo e Vasco, Bahia e Coritiba, ou entre clubes mais próximos, como Cruzeiro e Galo, não se sustentam sem que os elementos objetivos de cada um sejam neutralizados ou equiparados, hipóteses que, em si, artificializariam o próprio resultado.

Ainda mais imprudente se revelam – ou se revelaram – as tentativas de imputação de fracassos às sociedades anônimas do futebol, durante o ano de 2023, com a criação de um certo ranking invertido e negativado.

Além do pouquíssimo tempo de existência, que afeta a capacidade de reorganização e estruturação, não se pode desconsiderar a situação pretérita de cada clube e as evoluções promovidas a partir da introdução do modelo de SAF.

Alguns exemplos ilustram a proposição.

Determinado e respeitadíssimo jornalista afirmou, na véspera da primeira aparição do Botafogo no campeonato brasileiro de 2023, contra o São Paulo, que ali se faria um jogo de 6 pontos - ou algo assim -, pois ambos lutariam na tabela de baixo, eventualmente contra o fantasma do rebaixamento.

Ali, no início de 2023, se iniciava o primeiro ano completo e minimante estruturado da SAF constituída por investidor internacional do Botafogo. A descrença ainda se sobrepunha à (boa) esperança.

Se o time tivesse feito uma campanha com vitórias e derrotas, com altos e baixos, e chegado, ao final, na sexta posição, com uma vaga de acesso à Copa Libertadores, teria sido aplaudido e os resultados do novo modelo, justamente enaltecidos. Como, porém, o time foi de uma campanha triunfal, no primeiro turno, às trevas, no segundo, o reconhecimento do trabalho em curso se perdeu na estupefação coletiva.

Mesmo raciocínio vale para o Cruzeiro, pioneiro no mercado da SAF e, daí, desbravador, com acertos e erros, dos caminhos trilhados, depois, por outros clubes.

Seu CEO, Gabriel Lima, afirmou, em 2022, logo após a ascensão à série A, que o objetivo, em 2023, seria manter-se nela – logo, neste ano, ainda não haveria pretensão a título. Com o objetivo alcançado, o time poderia, a partir de 2024, acessar mais recursos e, num futuro próximo, conforme planejamentos qualificados, almejar novas conquistas.

Ele conhecia o ambiente de putrefação assumido por Ronaldo Nazário, o salvador, e a complexidade dos desafios que enfrentariam. O Cruzeiro lutou, parte do ano, contra o rebaixamento, mas, ao final, não apenas se manteve na elite como se classificou para a Sul-Americana.

A SAF foi bem em sua primeira temporada na série A? Comparando-a com os anos de glória e de conquistas nacionais e internacionais (que, paradoxalmente, foram responsáveis pela decadência futura), não; por outro lado, levando-se em conta a realidade por ocasião de constituição da SAF e de início do projeto de reconstrução, em que o clube não apenas não encontrava forças para subir para a série A como namorava a série C, sim, foi maravilhosamente bem – ainda mais pela implementação dos alicerces da nova estrutura.

O Bahia também foi objeto de incompreensão durante o ano de 2023, no tocante aos propósitos de seu investidor, o poderoso e vitorioso Grupo City, e, assim, suas qualidades colocadas em dúvida.

Devia estar evidente, porém, que a pressa não era o combustível do investimento. Primeiro, se viveria um período de compreensão da realidade local, das pessoas, do futebol no Brasil e das perspectivas que se abririam com ações mais estruturadas, após a obtenção de alguma experiência e conhecimento do ambiente; depois, se passaria à construção de uma nova fase na história do time.

É verdade que os planos quase se retardaram por conta do rebaixamento evitado na última rodada, mas isso não impediria, com talvez um ano de atraso, que movimentos ambiciosos se iniciassem, adiante.

Também é verdade que, aparentemente, o Bahia não receberá investimentos para que se insira, de modo estável e permanente, entre os quatro do Brasil – ou será que, com o tempo, a ambição mudará e o objetivo passará a ser, sim, como o Manchester City, o protagonismo nacional e internacional, ao menos latino-americano? Ao que tudo indica, terá recursos e estrutura para, no médio prazo, se fixar entre as principais forças nacionais, com protagonismo regional.

Seria (ou será) isso pouca coisa para um time que, historicamente, com poucos anos de exceção, luta para, prioritariamente, manter-se na série A?  

Ou ainda o caso do Galo, que não ganhava um campeonato brasileiro desde 1971 e, ainda sob a forma de associação, porém, com recursos externos que se introduziram e permaneceram com a constituição da SAF, voltou ao topo, e, com ela e apenas com ela, deverá estabilizar uma situação que poderia ter desandado e se aproximado do pesadelo cruzeirense.

Aliás, mais: que passou, a SAF do Galo, a oferecer aos seus torcedores a perspectiva anual e real de títulos relevantes, nacionais ou internacionais.

Qual delas seria, pois, a melhor SAF?

A pergunta, que se repete aos quatro cantos, não tem utilidade prática, exceto para preencher rankings ou criar artificialidades, como afirmado acima.

Será melhor ou serão melhores as sociedades anônimas do futebol que, no curto e longo prazos, alcançarem os objetivos esportivos e econômicos traçados no âmbito de suas concepções, que poderão (ou deverão) ainda ser ajustados em função das realidades positivas ou negativas que se apresentarem ao longo da jornada.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.