Meio de campo

Qual é o melhor modelo de SAF?

Sobre a melhor (ou a pior) SAF, tratar-se-á em outro texto. Neste, o foco será a modelagem.

7/2/2024

A sociedade contemporânea adora criar sistemas avaliativos, na maioria das vezes envoltos em critérios subjetivos de premiação, que se retroalimentam e, ao mesmo tempo, estabelecem padrões de referência, de conduta e de consumo. Cientistas, jornalistas, matemáticos, médicos, advogados, pacifistas e – não poderiam ficar de fora – futebolistas competem, com regularidade, por prêmios e láureas.

Tal adoração – ou alucinação – provocou, ao final de 2023, uma série de ensaios relacionados às sociedades anônimas do futebol ou aos seus modelos, influenciados pelos momentos vividos por cada uma delas. Tentava-se, com frequência, indicar a melhor e, naquele momento, a pior SAF.

De modo geral, não se promoveu um necessário exercício metodológico para segregar argumentos inconciliáveis (mesmo que, em algum plano subjetivo, eles possam ser interseccionados): a SAF em si (e seus resultados em campo) e o respectivo modelo adotado para passagem do sistema associativo ao empresarial (sob a forma de SAF).

Sobre a melhor (ou a pior) SAF, tratar-se-á em outro texto. Neste, o foco será a modelagem.

A Lei da SAF, de autoria do Presidente do Congresso Nacional e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD/MG), foi concebida com a expectativa de oferecer meios jurídicos de enfrentamento de um problema estrutural secular, que ainda obstaculiza a introdução (e aceitação) do futebol como atividade essencial ao desenvolvimento social e econômico da nação.

Olhando-se para o outro lado da mesma moeda, o futebol não tem o reconhecimento político e a participação na economia que lhe emprestem a devida relevância; talvez pelo fato de, historicamente, acumular dívidas que são pagas indiretamente pela sociedade, além de outros fatores maculadores, como falta de transparência, controle e casos de corrupção.

Esse conjunto de coisas não representava o único desafio por ocasião da formulação da Lei da SAF. Outro, igualmente grandioso, e exclusivo do Brasil, apresentava-se e dificultava a realização de estudos comparativos: a quantidade de clubes em atuação, registrados na CBF, espalhados por todas as regiões e com as mais distintas situações e condições patrimoniais e financeiras.

Mesmo assim, foram estabelecidas as seguintes premissas norteadoras do processo: a lei introdutora da SAF não poderia privilegiar um ou poucos times, grupos de times, estados ou regiões. Ela deveria ser elástica o suficiente, e ao mesmo tempo confiável em sua estrutura, para viabilizar de pequenos a grandes negócios e investimentos, direcionados a toda sorte de clube.

Nascia, com o advento da Lei da SAF, um instrumento, de natureza legislativa, que, pela primeira vez na história, sinalizava uma política pública voltada ao financiamento da atividade futebolística e, principalmente, para formação do mercado do futebol, sem privilégios a qualquer grupo de interesses (ou de poder).

Nesse ambiente, cujo arcabouço regulatório ainda está em construção – afinal, a própria Lei da SAF ainda se encontra em processo de acomodação e compreensão –, negócios começaram a ser entabulados e, a partir deles, uma nova e salvadora perspectiva se abriu, com resultados imediatos.

Paradoxalmente, o imediatismo, sobretudo analítico, turva, porém, a compreensão da realidade, ou melhor, das realidades que induziram a realização de um ou outro negócio, e continuarão a embalar os projetos vindouros.

Daí a impertinência comparativa entre modelos adotados para constituição de sociedades anônimas do futebol. É evidente que se pode, sobretudo a posteriori, analisar e apontar acertos e erros, cometidos em quase todo tipo de processo. Muitos deles, no tocante aos erros, decorrentes da urgência de uma solução imediatista ou, lá atrás, do desconhecimento da própria lei. E que foram eventualmente corrigidos.

Tais elementos não se confundem, porém, com as características únicas de cada clube e de suas situações, motivadoras da adoção de modelagens próprias e, por essência, inaplicáveis, de modo integral, a concorrentes.

Por isso que, como exemplos, Cruzeiro e Galo seguiram caminhos distintos, assim como Bahia e Fortaleza também adotaram vias muito particulares. E o mesmo vale para as outras dezenas de sociedades anônimas existentes no sistema, tais quais Coritiba, América/MG, Ferroviária, Botafogo, Vasco, América/RN e Gama.

Tal diagnóstico autoriza a formulação de duas conclusões: (i) a Lei da SAF, em seus poucos anos de existência, já revela sua eficácia geral, abrangendo todo tipo de jurisdicionado, sem privilegiar maiores ou mais ricos – e, desta forma, incentiva a ascensão esportiva e a desconcentração de riquezas; e (ii) a tentativa de ranqueamento, a partir de modelos de passagem, ainda mais em tão curto prazo desde o início de operações de SAF, consiste em exercício estéril, sem utilidade prática, pois, para que tivesse alguma seriedade, haveria ao menos de equiparar os pontos de partida, que são (ou eram) as realidades de cada clube.

Algo que, todos sabem, não há como se fazer.

Portanto, cada time deverá seguir, sem complexos ou preconceitos, o seu caminho e, ao longo dele, corrigir os eventuais equívocos originais ou supervenientes, os quais, estes sim, merecem ser apontados e redirecionados.

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.