A reforma tributária está avançando no Senado Federal. Há, contudo, pontos que podem prejudicar o desenvolvimento de setores inteiros da atividade econômica, como o futebol.
Merecem destaque no que se refere às atividades desportivas, em geral, e ao futebol em particular: de um lado, o Congresso Nacional foi sensível ao assegurar considerável redução de alíquota do IBS e da CBS para atividades desportivas; de outro, porém, a PEC 45 não deixou espaço para manutenção integral do Regime de Tributação Específica do Futebol (TEF), que regula forma simplificada de incidência de tributos federais.
Com a redação que está hoje, a PEC 45 projeta vertiginoso aumento de carga tributária para as sociedades anônimas do futebol, sem mencionar o crescimento da complexidade. No lugar de uma fórmula simples e bem-sucedida, surgirá uma verdadeira barreira tributária a impedir que o novíssimo e pujante mercado do futebol brasileiro siga o caminho virtuoso que se inaugurou desde a publicação da lei 14.193/2021, de autoria do Senador da República e Presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD/MG).
Ficará demonstrado adiante porque é urgente e necessário mudar a redação da PEC 45/2019, para admitir regime próprio para as atividades desportivas. Com isso, o Congresso Nacional poderá evitar que a vitória de aprovar a Reforma Tributária signifique uma derrota para o futebol brasileiro e todo o mercado que está em plena formação.
Por mais de um século, o futebol ficou refém do associativismo. Não apenas no Brasil, é verdade, como em praticamente todos os principais centros, inclusive os europeus.
Mas o modelo de organização da atividade futebolística foi se transformando ao longo do tempo, em função de alguns motivos, como crises financeiras ou reputacionais. A partir do final do século passado e, em especial, do início do século XXI, também se entendeu que um time não teria condição de protagonizar em ambiente global e competitivo sem acessar vias de financiamento, privadas ou públicas.
O Brasil tardou a compreender os novos direcionamentos e a promover uma transformação estrutural, por via legislativa. Tentativas ocorreram, mas fracassaram, por ocasião do advento das Leis Zico e Pelé.
A retórica cartolarial, em ambas as iniciativas, venceram o interesse público e o da Nação. Assim, no plano organizacional, as mudanças tiveram como resultado (ou propósito) manter a estrutura como sempre fora.
Por tais circunstâncias, ao final da década de 2020 os clubes brasileiros estavam – como ainda estão – atolados em dívidas bilionárias e se posicionavam como exportadores de "pé-de-obra".
Foi nesse período e para resolver o problema endêmico do esporte no país que o Presidente Rodrigo Pacheco apresentou o Projeto de Lei 5.516/19 ("PL 5.516"), que tinha como propósito criar "o Sistema do Futebol Brasileiro, mediante tipificação da Sociedade Anônima do Futebol, [estabelecer] normas de governança, controle e transparência, [instituir] meios de financiamento da atividade futebolística e [prever] um sistema tributário transitório".
O PL 5.516, relatado pelo Senador da República Carlos Portinho (PL/RJ), foi aprovado por unanimidade no Senado Federal e, na sequência, por larguíssima maioria - 427 votos a favor e apenas 7 contrários -, na Câmara dos Deputados. Encaminhado para sanção presidencial, foi objeto de alguns vetos, muitos deles derrubados, na sequência, pelo Congresso Nacional. Nascia, assim, a lei 14.193/2021, ou Lei da SAF.
Dentre os dispositivos derrubados, destacava-se o TEF, que deixou de ser transitório e passou a ser permanente. No mérito, entendeu o Congresso Nacional, com razão, que a especificidade contribuiria para o surgimento de um novo mercado do futebol, até então inexistente, no âmbito do qual se realizariam negócios que jamais se aproximaram da atividade futebolística, e que pressupunham a passagem do modelo associativo (portanto, sugador do erário público) ao empresarial (por definição, contribuinte do mesmo erário).
Para atrair o clube de futebol – constituído sob a forma de associação - ao modelo da SAF, estatuiu-se que o TEF implicaria “o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições, a serem apurados seguindo o regime de caixa: I - Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ); II - Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Contribuição para o PIS/Pasep); III - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); IV - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); e V - contribuições previstas nos incisos I, II e III do caput e no § 6º do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991”.
A aposta deu certo: desde o advento da Lei, mais de 40 SAF's foram constituídas e quase uma nova dezena está em organização, de modo que deverão passar à condição de efetivas e permanentes contribuintes. Importante: no cálculo econômico realizado por investidores locais e internacionais para alocação de recursos em uma indústria incipiente (sob a ótica do próprio alocador de capital), teve relevo a existência do TEF, que viabiliza a recuperação de times tecnicamente insolventes e a assunção dos riscos envolvidos.
Apesar dos resultados e das perspectivas que envolvem o mercado do futebol – inclusive arrecadatórias -, a proposta de reforma tributária poderá, paradoxalmente, inviabilizá-lo. Com o fim do PIS/PASEP e da COFINS, dois dos tributos que se inserem no TEF, e com a criação de outros dois – CBS e IBS -, que incidirão conforme novas lógicas, a carga tributária sobre a SAF a tornará inviável em comparação à situação dos clubes associativos, que vêm sendo historicamente subsidiados pelo Estado à conta da sociedade brasileira.
Coloca-se em risco o magnífico avanço propiciado pela Lei da SAF e se estimula a manutenção do associativismo clássico do Século XIX como forma (quase) única de desenvolvimento da atividade do futebol – o qual, por gozar de imunidades e isenções históricas, continuará a atuar à conta dos empresários e dos trabalhadores do país.
A reforma poderá, assim, inviabilizar a existência e o desenvolvimento dos negócios que começaram a surgir e que deverão se intensificar no ambiente do novo mercado do futebol, caso o regime atual da redação da PEC 45 se mantenha.
Para que isso não ocorra, é necessário inserir o futebol entre as atividades econômicas que podem ter regime tributário próprio, regulado por lei complementar. O TEF é solução simplificadora que precisa ser renovada e está em sintonia com a reforma por várias razões:
(i) É modelo simplificado para a apuração de tributos federais; não gera discussão sobre crédito; permite ao Estado estimular a transição das entidades que hoje têm benefício fiscal para outro modelo, de natureza diversa, que paga tributo no lugar de pedir isenções, parcelamentos e anistias.
(ii) A só redução de alíquotas da CBS e do IBS, ao contrário do que possa parecer, não evita o intenso aumento da carga tributária gerado pelo abalo do TEF. Inviabiliza, desta forma, toda transformação do futebol brasileiro que acabamos de descrever.
A solução para evitar o surgimento de uma barreira tributária para a SAF é muito simples. Basta ser coerente com a própria reforma e assegurar regime tributário próprio, com incidência a ser regulada por lei complementar, incluindo a possibilidade de um novo e mais amplo TEF para as atividades desportivas.
Ao fazer isso, o Congresso preservará o regime jurídico da SAF, assegurará que a revolução do futebol mantenha seu curso virtuoso e permitirá que, no lugar de isenções, anistias e conflitos, siga o caminho já trilhado em outros países para o desenvolvimento deste expressivo setor econômico e cultural do Brasil.
__________
1 TEF permite o recolhimento do IRPJ, do PIS, da COFINS, da CSLL e das contribuições destinadas à Seguridade Social, previstas nos incisos I, II e III do caput e no § 6º do art. 22 da lei 8.212, de 24 de julho de 1991, mediante documento único de arrecadação, a serem apurados mensalmente pelo regime de caixa.